Não basta o look ser bonito e cair bem. Saber a origem e o processo de desenvolvimento das peças de roupas é uma exigência de uma geração de consumidores cada vez mais consciente, em busca da sustentabilidade. Segundo pesquisa do Instituto Locomotiva, nove em cada dez brasileiros valorizam a compra de roupas, calçados e acessórios produzidos de maneira sustentável. Para estimular esse tipo de consumo, foi criado, em 2016, o Movimento Sou de Algodão, que envolve todos os agentes da cadeia produtiva e têxtil do algodão ­— insumo que responde por 54% dos tecidos utilizados pela indústria têxtil nacional ­—, desde produtores até o consumidor final. A luz dessa passarela se volta para as marcas, que segundo Silmara Ferraresi, diretora do projeto, são responsáveis por dialogar com o público. Hoje, a iniciativa da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) reúne mais de 1,5 mil marcas parceiras, contemplando varejistas do porte de Renner, C&A e Riachuelo e 70 estilistas, com nomes como Reinaldo Lourenço e Martha Medeiros.

Como surgiu o Movimento Sou de Algodão?
A Abrapa já tinha um programa de sustentabilidade e de responsabilidade na produção de algodão há alguns anos, mas as informações não chegavam ao consumidor final. Então, em 2016, criamos o Movimento para divulgar e incentivar o uso da fibra de maneira sustentável, com certificação socioambiental. Além disso, estudos mostraram que, apesar de avanços de conscientização do consumidor, havia desconhecimento sobre as origens e desenvolvimento das peças de roupas. Isso à medida que o algodão, em específico, perdia espaço no mercado, principalmente para os tecidos sintéticos, que são mais acessíveis financeiramente. Portanto, vimos a oportunidade de promover a sustentabilidade na moda através da união de todos os agentes da cadeia, desde o campo até a prateleira das lojas, oferecendo transparência sobre as etapas ao consumidor.

Qual a importância das marcas nesse processo?
As marcas são fundamentais, porque são elas que se relacionam diretamente com o consumidor, ajudando a levar informações sobre a sustentabilidade da peça. Começamos o trabalho de rastreabilidade com a Reserva e a Renner. Hoje temos parcerias com mais de 1,5 mil marcas. A gente procura dar visibilidade e ajudar as empresas a se posicionarem de maneira diferente em relação à sustentabilidade, já que esse tema tem sido pauta recorrente, visto o engajamento das mesmas na agenda 2030. As marcas têm, de fato, se comprometido com a sustentabilidade dessa cadeia, sendo um agente indispensável na educação de um consumo consciente. Só em 2023, as varejistas colocaram na prateleira mais de 68 mil peças rastreadas pelo programa SouABR, ante 59 mil em 2022.

O que ainda falta para as marcas nesse caminho pela moda sustentável?
A gente precisa que as marcas estejam realmente dispostas e engajadas nesse propósito. Promover a sustentabilidade na moda envolve muitas transformações e investimentos, mas é necessário ter uma visão diferente e ver que esse comprometimento agrega muito valor e também retorno financeiro. No caso do programa SouABR, o primeiro de rastreabilidade por blockchain da indústria têxtil nacional, que permite que o consumidor saiba tudo da peça através da leitura de um QR Code nas etiquetas, observamos a dificuldade de rastrear de ponta a ponta, pois é necessário engajar muito bem com fornecedores, segregar o material, etc. Nossa exigência é de ter, no mínimo, 70% da fibra na composição do que se leva no corpo.

E quais os principais avanços?
É possível notar que as varejistas estão se preocupando cada vez mais com os preços e qualidade das peças, para torná-las mais acessíveis e atraentes. A moda está relacionada com identidade e beleza, então precisamos de peças com designs inovadores para que elas sejam vendidas. Além de oferecê-las a preços acessíveis, incentivando e democratizando o acesso dos consumidores. Outro avanço é a popularização da rastreabilidade das peças. O SouABR revolucionou a indústria ao permitir que os produtos que chegam ao varejo sejam 100% rastreáveis. Isso dá fôlego ao algodão, uma fibra leve e sustentável e muito presente no dia a dia do consumidor.

Esse movimento do mercado ocorre à medida que o consumidor se torna mais consciente?
Sim, pesquisas apontam que o consumidor, especialmente da geração mais nova, busca adquirir produtos com atributos sustentáveis, colocando a sustentabilidade como valor inerente. Dessa forma, o mercado se movimenta para educar o público e mostrar seus trabalhos em torno disso. Embora a conscientização seja uma tendência, há um paradoxo: os consumidores não estão dispostos a pagar mais por uma peça sustentável, mas ao mesmo tempo, eles deixariam de comprar produtos prejudiciais ao meio ambiente. A questão financeira ainda pesa bastante, o que leva o público, mesmo mais consciente, a comprar roupas consideradas poluentes, porém com preços acessíveis.

Como o algodão se destaca no mercado atual visto a acelerada expansão de tecidos sintéticos?
O algodão perdeu muito espaço para as malhas sintéticas, que se popularizaram nos últimos anos por conta dos valores mais acessíveis. Porém, as peças feitas de algodão são muito mais confortáveis, enquanto as sintéticas são uniformes. Então, o desafio é comunicar os benefícios do algodão e seus aspectos sustentáveis para ganhar um público cada vez mais consciente. Trata-se de uma fibra natural confortável, hipoalergênica, que está na base da economia circular, podendo ser reciclada e reaproveitada de inúmeras formas. As peças de algodão são conhecidas pelo conforto, como se te abraçasse, e por seu reaproveitamento indiscutível.

A indústria da moda é considerada altamente poluente, como ela tem mirado em uma produção mais sustentável?
De modo geral, a indústria têxtil do País se preocupa muito com atributos de sustentabilidade. Há um avanço considerável. No caso do algodão, toda a cadeia tem se comprometido a ser mais responsável e transparente, como na etapa de confecção, na qual há cuidado de fazer toda a certificação. Isso é fundamental. A grande questão é comunicar as melhorias. Por exemplo, a indústria local se destaca em relação aos estrangeiros quando o assunto é a transparência sobre quem fez a peça e em quais condições foram produzidas. É necessário usar isso a nosso favor.

Em relação às outras indústrias que passaram a dar mais visibilidade a seus processos, o setor da moda largou com atraso?
O setor de alimentos obviamente acabou se movimentando primeiro, porque a exigência do mercado veio antes. Para os alimentos, essas obrigações de rastreabilidade e transparência sempre vêm antes. É possível observar a mesma preocupação na cadeia da moda, que eu considero muito positiva. Até mesmo como consumidora, já vejo mudanças muito significativas nos últimos tempos. Já no Sou de Algodão, a gente tem mais marcas a cada ano, que se interessam pela rastreabilidade e como tornar o processo mais sustentável e benéfico.

Como a moda pode ser sustentável e ao mesmo tempo democrática?
No movimento, levamos a sustentabilidade e rastreabilidade da fibra na mão do consumidor, por meio do trabalho coletivo de todos os agentes. Então, acredito que a moda pode ser sustentável e democrática à medida que isso alcança de fato o consumidor final, de diferentes classes sociais. Quando grandes varejistas se associam ao projeto, há possibilidade de as peças serem comercializadas para as classes A, B, C e D, com preços variados. A moda só é sustentável quando pode ser acessada pelo público final, que ainda tem a oportunidade de se informar através do produto adquirido.

E o futuro?
O futuro está justamente na matéria-prima que tem apelo de responsabilidade, que realmente tenha atributos sustentáveis. Não apenas para o algodão. As perspectivas são boas. Por exemplo, as marcas parceiras têm pedido dados a respeito de consumo de água e carbono, isso mostra engajamento e responsabilidade. Estamos estudando algumas maneiras para levar mais informações de forma confiável e que possam integrar nossa rastreabilidade. Além disso, o futuro está atrelado ao coletivo e valorização da academia, da educação. É um trabalho contínuo.