O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se reúne hoje com Alberto Fernandez na Argentina para discutir laços de fortalecimento do Mercosul. Mesmo antes do encontro, já foi anunciada pela dupla uma novidade: a criação da ‘Sur’, moeda única usada pelos dois países. 

Em artigo conjunto publicado no periódico argentino Perfil, os mandatários confirmam: “Pretendemos superar barreiras às nossas trocas, simplificar e modernizar regras e incentivar o uso de moedas locais. Também decidimos avançar nas discussões sobre uma moeda comum sul-americana que possa ser utilizada tanto para fluxos financeiros quanto comerciais, reduzindo os custos de operação e diminuindo a nossa vulnerabilidade externa”, diz o texto. 

O que a “união monetária” de Brasil e Argentina realmente significa

Na visão de especialistas consultados pela Istoé Dinheiro, a criação da moeda é um plano de longo prazo, e pode não ter efeitos que o Brasil precisa no momento, como conter a inflação. 

O que é moeda única?

Segundo os especialistas, basicamente, será outra moeda. Ao invés de ter real ou peso, os países abandonam as moedas, e a moeda única é adotada. A moeda única tem o mesmo valor para ambos países, seja Brasil, Argentina – ou outro país que vier adotar. A moeda seria usada em bancos no Brasil da mesma forma que em outros bancos de paises que fizerem parte da união monetária. 

“Com a adoção da Sur, os países devem abrir mão do Banco Central, tendo um banco central único entre eles, regulando as taxas de juros, entre outras medidas”, explica Gustavo Herkenhoff Moreira, Professor e Coordenador dos MBAs de Finanças do IBMEC.

Apesar de não ter definições de como será o funcionamento da Sur, o ministro Fernando Haddad também já deu uma ‘acalmada’ nos ânimos. Ele afirmou que a moeda nova deverá ser virtual, e que o real não deve acabar no Brasil.

“(…) a gente tá quebrando a cabeça pra encontrar uma solução. Alguma coisa em comum, alguma coisa que permita a gente incrementar o comércio porque a Argentina é um dos países que compram manufaturados do Brasil e a nossa exportação para lá está caindo”, declarou em entrevista ao Financial Times.

A Argentina enfrenta inflação assim com o o Brasil?

A Argentina fechou 2022 com crise econômica ainda mais forte: a inflação dos preços ao consumidor bateu os 94,8% e a taxa de juros chegou a 75% de aumento.  Para o professor da IBMEC, o risco econômico é grande quando se trata desse acordo entre Lula e Alberto Fernandez.

“Seria preciso um equilíbrio fiscal, além de regras claras entre as economias dos dois países [para ter a moeda comum]. Também precisa-se de um ambiente funcional forte. Na América Latina, as trocas de governo com alguma frequência, entram presidentes ou congressistas, fazem grandes modificações. Com uma moeda única, tudo deve ser estável, previsível e integrado. Sendo um cenário de ambientes institucionais menos sólidos e mais fragilizados, é um projeto mais complicado, além de perigoso para a economia brasileira. Temos mais a perder do que a ganhar”, avalia.

São países com inflações diferentes, taxas de crescimento diferentes, produtividades, educação, ambiente social e econômico, e o BC único vai tomar medida única de taxa de juros. Se um país tem inflação alta e outro tem uma baixa, o banco central toma medida que pode desagradar países.

A moeda comum pode ajudar a conter a inflação brasileira?

“A inflação está alta no Brasil e no mundo, aliado à redução da taxa de juros, assim como em outros países, gerando efeitos. O ‘remédio’ que receitamos é o mesmo: aumentar a taxa de juros, a economia desacelera junto com a inflação, e isso já está no horizonte. Uma união monetária não vai resolver essa questão, pois é um problema que se resolverá antes”, defende Moreira. 

A moeda comum não deve combater a inflação, mas serve para evitar que efeitos dela impactem os negócios entre os dois países, conforme acredita o economista da FGV. Havendo uma moeda comum, portanto, poderia ter uma ajuda, mas ainda não se sabe quando a medida pode ser implantada.

Lula sendo bastante explícito ao apontar que vai querer inserir no comércio exterior, ampliar parcerias comerciais, então vai mais nesse sentido. É um gesto mais para a população, falando de expandir essas relações de comércio”, finaliza Moreira.

Volatilidade

Para Mauro Rochlin, coordenador do MBA de Gestão Estratégica e Econômica da Fundação Getúlio Vargas, uma moeda comum em países no Mercosul pode evitar volatilidade entre moedas nacionais de cada país. “Sem essa moeda comum, as desvalorizações ou valorizações cambiais em relação ao dólar – e outras moedas – fazem com que haja maior risco diante de fluxos financeiros e comerciais”, defende.

Por exemplo: se um exportador brasileiro vende um produto para a Argentina, e entre a venda e o recebimento do pagamento, houver forte valorização ou desvalorização cambial, isso afeta a receita em moeda local do exportador. A moeda única serviria para evitar essa volatilidade.