19/11/2020 - 12:30
Na rota do mercado internacional de madeira, todos os olhos dos países estrangeiros estão voltados para três árvores nativas brasileiras: o ipê, o mogno e o jacarandá. Essas três espécies, ameaçadas de extinção, encabeçam a lista das madeiras mais procuradas por outros países, devido à beleza e à qualidade.
O Estadão obteve dados detalhados sobre quais são os produtos mais exportados pelo Brasil. As informações oficiais do Ibama mostram que, apesar de o mercado internacional consumir apenas 10% da produção de madeira brasileira – 90% é destinada ao consumidor nacional – é para o exterior que seguem as madeiras mais nobres.
Entre os anos de 2012 e 2017, 92% dos ipês que tombaram no Brasil foram enviados ao exterior. O mesmo ocorreu com o mogno, hoje bem mais escasso na natureza (90%) e com o jacarandá-violeta (91%). Em menor quantidade, mas também em grande volume (65%), aparece a cerejeira-da-Amazônia.
As indústrias de móveis, assoalhos e de construção de casas são os principais destinos dessa madeira. O ipê, de cor amarela-acastanhada, pode chegar a 40 metros de altura. É encontrado na Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, mas hoje um dos principais alvos dos madeireiros em busca dessa árvore é a região norte de Rondônia e Pará, na fronteira com o Amazonas.
O mogno, conhecido por sua cor que varia do marrom avermelhado ao vermelho, atrai pela alta resistência. É muito procurado para marcenaria, mobília, ornamentos de interiores e até mesmo construção de barcos e navios, em acabamentos e assoalho. O mogno resiste ao ataque de fungos, insetos e até a cupins de madeira seca.
Já o jacarandá, que era muito encontrado em Minas, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, atualmente só é mais visto no sul da Bahia. É explorado desde a fase colonial. Com altura entre 15 e 25 metros e tronco de 40 a 80 centímetros de diâmetro, tem madeira de cor escura e resistente. É comum em obras de marcenaria, construção de instrumentos de corda e na fabricação de pianos.
O Ibama tem procurado aperfeiçoar o sistema de registro, transporte e exportação de madeira, com a eliminação de papéis e a centralização de dados no Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais, administrado pelo órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. Ocorre que a inserção dos dados no sistema, sem um controle rígido de informações, abre brechas para fraudes.
Como mostrou reportagem do Estadão, a importação da madeira que sai das florestas do Brasil está concentrada em 20 países. Dados compilados pela área técnica do Ibama mostram que, entre 2007 e 2019, os Estados Unidos lideram o consumo da madeira nacional, tendo adquirido 944 mil metros cúbicos (m³) de produtos do Brasil. O segundo maior comprador foi a França, com 384 mil m³, seguida por China (308 mil m³), Holanda (256 m³) e Bélgica (252 mil m³). No total, o mercado legal de madeira exportou cerca de R$ 3 bilhões nos últimos cinco anos. São aproximadamente R$ 600 milhões anuais. A lista traz ainda, em destaque, o Reino Unido (163 mil m³), Portugal (155 mil m³), Suíça (115 mil m³), República Dominicana (105 mil m³), Dinamarca (102 mil ³) e Alemanha (87 mil m³).
Esses dados do Ibama referem-se às exportações oficiais, ou seja, trata-se de madeiras que deixaram o Brasil de forma legalizada. Isso não significa, porém, que a origem de toda essa madeira é legal. Antes de uma chapa de ipê ou mogno chegar ao porto de Santos ou qualquer outra porta de saída do território nacional, ela percorre uma cadeia que, invariavelmente, é marcada pela corrupção.
O crime se baseia, basicamente, em uma indústria de papéis falsos. Com envolvimento de agentes públicos que atuam de forma criminosa, documentos são emitidos para “esquentar” a madeira roubada de terras indígenas e unidades de conservação, por exemplo.
Assim, na prática, um país que importa madeira do Brasil pode até achar que está adquirindo um produto 100% legal, quando, na realidade, sua origem pode ser fruto de um esquema fraudulento.
Identificação de empresas
O Ministério Público Federal e a PF têm buscado a cooperação com países da Europa, a fim de identificar empresas que importam madeira ilegal do Brasil e para que sejam punidas. Responsável pela operação Arquimedes, que investiga uma rede de exportação ilegal a partir da Amazônia, o procurador Leonardo Galiano afirma que quem compra madeira ilegal não são os países, mas, sim, as companhias neles instaladas.
“Várias empresas de países europeus estão envolvidas. Não é um país comprando de outro, é a empresa que vai fabricar móveis, pisos e adquire esse insumo. São madeiras de altíssimo valor agregado”, disse Galiano ao Estadão.
O mercado brasileiro de madeira é, historicamente, marcado pela ilegalidade. Não há números precisos sobre a dimensão dessas atividades criminosas, mas estima-se que até 90% das madeiras que vão para o exterior são de extração irregular.
Além de buscar cooperação internacional com a Europa, com vistas a punir os importadores, as tratativas com os Estados Unidos também estão avançadas. Os investigadores buscam o compartilhamento de provas e têm montado equipes conjuntas.
Em 2017, na 1.ª fase da operação Arquimedes, foram apreendidos 10 mil m³ de madeira, volume que, se enfileirado, cobriria o percurso entre Brasília e Belém (1,5 mil quilômetros) . A carga iria para outros Estados e países da América do Norte, da Ásia e da Europa.
Em abril de 2019, a Justiça Federal do Amazonas autorizou o compartilhamento de provas da operação com o Departamento de Justiça dos EUA. O acordo, solicitado pelo MP Federal, visava a repatriação da madeira ilegalmente exportada. A expectativa é de que o mesmo aconteça com a Europa.
“O que a gente tem percebido é que os EUA, por meio do Departamento de Justiça e da agência equivalente ao Ibama, têm tido uma interação muito grande. A grande mensagem é: os EUA têm feito essa interlocução conosco”, disse Galiano.
Chefe da operação Arquimedes desde 2017,ele observou que o manejo sustentável de madeira tem sido usado como pano de fundo para operações ilegais na Amazônia. “Temos percebido desmatamento significativo, sem critérios e sem retornos para o Brasil. Uma grande usurpação do território nacional”, constatou.
A polêmica veio à tona anteontem, quando o presidente Jair Bolsonaro disse que revelará “nos próximos dias” a lista dos países que compram madeira ilegal da Amazônia. Em discurso na cúpula do Brics, ele disse ver “injustificáveis ataques” sofridos pelo Brasil nessa área. E pretende mostrar que “alguns que muitos nos criticam em parte têm responsabilidade nessa questão”.
FICHA TÉCNICA
Ipê-peroba
Bioma: Mata Atlântica
Classificação: Em perigo
Nomes comuns: Ipê-claro, ipê-peroba, ipê-rajado, peroba-branca e perobinha.
Características: Árvore de grande porte, podendo chegar a 40 metros de altura. Madeira de ótima qualidade, é hoje um dos principais alvos dos madeireiros na região norte de Rondônia.
Mogno
Bioma: Amazônia
Classificação: Vulnerável
Nomes comuns: Acaju, aguano, araputanga, caoba, cedro-aguano, cedro-mogno e cedrorana.
Características: Sua cor varia do marrom avermelhado ao vermelho. O mogno é muito procurado para marcenaria e mobília.
Jacarandá-da-Bahia
Bioma: Mata Atlântica
Classificação: Vulnerável
Nomes comuns: Caviúna, graúna, jacarandá-cabiúna e pau-preto.
Características: Uma das mais valorizadas madeiras brasileiras. É utilizada na marcenaria, para produzir instrumentos de corda e na fabricação de pianos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.