DINHEIRO ? A computação tem limites?

GANDOUR ? O mundo atual da informática é o da arquitetura de John von Neumann (1903-1957), que tem uma limitação: executar uma instrução de cada vez. Por mais que a máquina tenha vários processadores, todos eles trabalham em paralelo. Mesmo com essa restrição, o mundo foi longe. 

 

DINHEIRO ? O Synapse tem uma arquitetura que simula o cérebro humano. Quando essa tecnologia será acessível?

GANDOUR ? Isso vai acontecer, só não me pergunte quando, pois eu certamente não estarei mais na superfície do planeta. O Synapse procura mimetizar o cérebro humano. E isso não é nada fácil. O cérebro humano é dinâmico. 


DINHEIRO ? É diferente do Watson?

GANDOUR ? O Watson é uma interface que interage com o equipamento que tem uma memória poderosíssima e um processador extremamente rápido. Ele tem de ter um campo semântico definido. Traduzindo: não posso perguntar como fazer uma torta de maçã se eu não der informações para a interface antes. Sabe o Jeopardy? 

 

DINHEIRO ? Sim, o programa americano de perguntas e respostas…

GANDOUR ? O Watson participou dele. Lá tem vários temas para as perguntas, como política, filmes antigos e história. Quando o apresentador anuncia qual é o tema, em seis segundos toca uma musiquinha. Nesse meio tempo, o Watson sobe o conhecimento do tema para a memória. Obviamente, quando vem a questão, ele faz um processamento semântico e dá a resposta. Para a próxima pergunta, se mudar o tema, ele tem de recarregar a memória. É uma máquina que fazia computação cognitiva em cima do modelo von Neumann.


DINHEIRO ? E como esse modelo evolui?

GANDOUR ? Agora é possível simular o comportamento de um neurônio. Com ele, o computador pode ter uma memória de curta duração, como o resultado do jogo da semana passada, além de poder aprender de uma forma perene. O Synapse evolui a discussão para um negócio chamado corlet, como se fosse um agrupamento de conhecimentos de um determinado tema. 

 

DINHEIRO ? Como ele pode ser usado na prática?

GANDOUR ? A IBM divulgou recentemente a notícia de que os computadores vão simular todos os sentidos humanos. Eu consigo construir sensores, por exemplo, que têm paladar para analisar vinhos. Aliás, a Embrapa fez um sensor assim. Poderia pedir que o sensor diga como é a acidez, o amargor, a quantidade de tanino, entre outros componentes do vinho, e transformar esses componentes em sinais elétricos para transmitir a uma máquina. Ela vai armazenar um conhecimento no corlet sobre sabor de vinho. Posso fazer o mesmo para a audição, com o campo semântico jazz, e assim por diante. 

 

DINHEIRO ? Que segmentos de negócios podem se beneficiar disso?

GANDOUR ? No momento, a pergunta que nos confunde é qual é o número mínimo necessário de corlets para fazer uma aplicação prática. Na área de saúde, eu precisaria de corlets que cubram as principais especialidades. Ainda estamos um passo atrás, recém prevendo o uso para o padrão Watson. Nele já está previsto o uso para orientação de aplicações financeiras, seguros e gestão de projetos complexos, como exploração de petróleo. No Brasil tem gente que está testando. É uma pena eu não poder divulgar quem nem como. Posso apenas afirmar que é um mundo novo a ser explorado. 

 

DINHEIRO ? Além do Synapse, há alguma outra grande mudança trazida pela tecnologia no horizonte?

GANDOUR ? Já é possível falar em transumanismo, corrente filosófica que diz que o homem será melhor porque a tecnologia vai se fundir a ele. Isso está acontecendo. Este treco aqui (mostra o celular) está tão perto que, se ele entrasse em mim, eu não iria achar ruim. 

 

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Computador Watson, da IBM, participou e venceu jogo de perguntas nos EUA

 

DINHEIRO ? Quais são os sintomas do transumanismo nos dias de hoje?

GANDOUR ? Já há algum tempo começamos a carregar engenhos com funcionalidades crescentes. Primeiro, o rádio portátil, que tocava músicas selecionadas pela emissora sintonizada, depois o walkman, uma grande invenção da Sony, que tocava músicas gravadas pelo usuário em um K7. Até aqui, as engenhocas só recebiam um sinal de comunicação. Em seguida, surgiu o telefone celular, que recebe e emite um sinal de comunicação. As funcionalidades aumentam e os aparelhos ficam cada vez mais indispensáveis, ficam mais tempo dentro da nossa roupa. Agora vêm aí os relógios inteligentes, que estarão literalmente presos no corpo. E, logo mais, os óculos inteligentes, como os do Google, que não só estarão presos no corpo, como, principalmente, vão exigir que a realidade à nossa frente seja vista por eles. Não vai demorar muito para que apareça um aparelho que se agregue ao corpo humano. Talvez seja até possível usar parte da energia fabricada pelas células e, nesse caso, nem vamos ter de recarregar as baterias.

 

DINHEIRO ? Em termos de negócios, o que pode surgir desse transumanismo? 

GANDOUR ? Esse novo ser humano ?acoplado? a seus engenhos abre novas frentes, onde o limite é a criatividade da indústria. Note que o homem moderno busca uma imagem atraente em academias de ginástica, lojas de roupas ou clínicas de cirurgia plástica. No futuro, vamos apenas acrescentar mais uma parada nessa sequência: lojas que aplicam engenhos, mais vistosos e com mais funcionalidade. Hoje já é assim, mas o aparelho vai no bolso. Você vai querer ter o seu. E, se você não quiser, seu filho vai querer. 

 

DINHEIRO ? Falando na nova geração, as redes sociais parecem ter uma aceitação crescente com os mais jovens. Como elas se encaixam nesse contexto hiperconectado?

GANDOUR ? As redes sociais são mais uma onda a varrer a praia da tecnologia. Mas, como algumas ondas também deixam traços profundos por onde passam, as redes sociais devem induzir algumas modificações mais perenes no comportamento das pessoas. Por exemplo, a união entre usuários que têm interesses comuns tende a se agregar em grupos mais duradouros, reais ou virtuais. O homem é um animal gregário e nas grandes cidades é mais difícil identificar o seu rebanho. Quanto à exposição pessoal, ela é tão grande quanto efêmera. A memória coletiva é muito volátil. No entanto, por um período de tempo, a superexposição existe, é arriscada e deve ser evitada. Essa visão é válida para mim, mas não vale quase nada para os adolescentes. 

 

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Sergey Brin, do Google, com os óculos conectados da empresa

 

DINHEIRO ? E para os negócios, o que muda?

GANDOUR ? Para as empresas, esse movimento gregário promovido e proporcionado pelas redes sociais pode ser de grande valor. É sobre ele, o movimento, que surge agora uma modalidade novíssima de tratamento da informação, chamada de computação social, que se propõe a estudar o comportamento humano usando dados coletados nas redes sociais. Essa observação do comportamento coletivo pode funcionar como um SAC proativo e, em alguns casos, também preventivo. Se o observador de um grupo de usuários ou consumidores de alguma marca começa a demonstrar um comportamento de insatisfação, esse comportamento poderá ser percebido nas redes sociais e pode permitir uma reação proativa. Mas note que esse ?SAC a céu aberto? é uma ferramenta para tratamento de massa. Ainda falta um pouco de precisão nos métodos para detectar casos individuais. Daí, a empresa precisa estar bem atenta para detectar a insatisfação individual. Como aquela tevê que não está funcionando direito e que leva o cliente a esculhambar o fabricante no seu blog. 

 

DINHEIRO ? O que as empresas devem fazer para não ficar para trás?

GANDOUR ? Observar a evolução tecnológica pelo ângulo do uso pessoal, em vez de olhar para a forma e a técnica. Pare na frente de uma loja que vende celular e veja o comportamento do povo. O pes­soal fica vidrado. O cara não sabe nem qual é a função, mas o design é muito encantador. O pen drive não tinha um design encantador, mas tem uma utilidade e tanto, que fez as empresas que trabalhavam com disquete e CDs ficarem para trás. Ao olhar para a vanguarda tecnológica pelo viés do uso, quando chegar à sua porta, você já vai ter uma ideia de como usá-lo. 

 

DINHEIRO ? Quando as empresas ficam defasadas em termos de tecnologia, qual é o jeito para voltar a ganhar terreno?

GANDOUR ? De fato, as empresas criam um conjunto de funcionalidades, implantam essas funcionalidades em um engenho, ganham montes de dinheiro, pagam dividendos polpudos aos seus acionistas e bônus ainda maiores aos seus executivos. Aí, se esquecem de se reinventar ou de reinventar o próximo conjunto de novas funcionalidades que poderiam estar inseridas numa nova versão ou até em um novo equipamento. Esse ?esquecimento? é fatal. É hora de desvincular a receita da criatividade. Uma coisa tem pouca relação com a outra. Embora a receita de hoje quase sempre tenha origem na criatividade de ontem, ela não garante o sucesso criativo de amanhã. Criatividade e ambiente inovador são mais uma consequência de políticas estratégicas e de comportamento do que de disponibilidade de dinheiro. Claro que capacidade de investimento ajuda, mas montanhas de dinheiro não garantem a criatividade. 

 

DINHEIRO ? Algumas empresas, como Blackberry e Dell, cogitam fechar seu capital para poder inovar mais rapidamente. Isso é uma boa saída? 

GANDOUR ? A empresa de capital fechado consegue atuar com mais liberdade. Pode adotar políticas estratégicas e de comportamento ousadas, sem ter que dar muita satisfação para conselhos de acionistas. Tem liberdade de tentar, errar e corrigir os rumos da decisão.