OS TELHADOS DAS CASAS E AS arborizadas ruas da pequena cidade de Le Locle, a 150 quilômetros de Genebra, na Suíça, ainda preservam um resquício de neve. Os pedaços de gelo branco derretem aos poucos, gota a gota, em um cenário atípico para uma primavera européia. A sensação é a de que o tempo parou no inverno. Mas isso dura pouco. Em Le Locle o tempo não pára. Aliás, na cidade, considerada a Meca da relojoaria suíça, o tempo é uma obsessão. E foi ali, onde marcas como Tag Heuer, Tissot e outros ícones dividem espaço, que a Montblanc, uma tradicional grife de canetas, reescreveu sua história para não perder tempo diante do mercado que se mostrava promissor. ?Os clientes que compravam as nossas canetas também pediam relógios?, disse Lutz Bethge, o CEO da Montblanc, à DINHEIRO. A Montblanc, então, construiu uma linha de montagem em um castelinho erguido em 1906. Mesmo se pudesse voltar no tempo, os executivos da empresa fariam tudo igual. Não é para menos. Hoje, dez anos depois, os 200 mil relógios vendidos por ano representam 25% do faturamento anual estimado em 1 bilhão de euros. Cabe, diante de números tão vigorosos, uma indagação. Como uma empresa sinônimo de canetas conseguiu ganhar fama no mundo dos relógios?

?Foi ótimo começar do zero porque precisávamos estender a nossa linha para novos produtos e serviços para não nos acomodarmos?, responde Bethge. ?Num determinado momento de nosso sucesso nos perguntamos: para onde mais podemos evoluir?? Essa evolução, entretanto, pressupunha correr dois grandes riscos. O primeiro seria perder a identidade da marca e o segundo era não conseguir transportar o padrão de qualidade empregado na fabricação das canetas para os relógios. ?Quando começamos a vender relógios, sabíamos que teríamos um grande desafio pela frente?, conta o diretor técnico da área de relógios, Markus Dieglemann. Era necessário criar peças que preservassem o DNA da marca. ?Procuramos ter linhas de canetas e relógios com um design, um acabamento e um material facilmente identificáveis.? Segundo consultores de marca foi uma operação bem-sucedida. ?Ao ampliar o leque de ofertas, a Montblanc possibilitou a seus consumidores vivenciar a experiência da grife em outros âmbitos. E o mais importante, a marca percebeu todas as nuances desse universo dos relógios e conseguiu transmitir seu espírito para eles?, diz Fernando Sganga, diretor da GAD, empresa de consultoria de marcas.

Para conseguir essa façanha ela investiu tempo, dedicação e muito dinheiro. ?O início não foi tão fácil e até a imprensa especializada em relógios nos criticou, mas tivemos uma grande aceitação por parte dos clientes. Ainda estamos aprendendo, é lógico, mas quem não aprende diariamente??, diz Dieglemann. Como parte desse aprendizado, a Montblanc comprou, em 2007, o Instituto Minerva de Alta Relojoaria, que produz artesanalmente sua linha mais prestigiosa, a Villeret. São apenas 200 relógios por ano vendidos por até 700 mil euros cada. O passo seguinte foi dado no início de abril, com o desenvolvimento do primeiro movimento próprio, o Star Nicolas Rieussec Monopusher Chronograph. Na prática, isso significa que a fábrica produz todas as peças desse relógio. ?Dependemos pouquíssimo de nossos fornecedores, somos responsáveis pelo produto do começo ao fim?, diz Thierry Pellaton, chefe do ateliê de relógios.

No Salão Internacional de Alta Relojoaria de Genebra, que aconteceu semana passada, a marca lançou quatro linhas limitadas do Rieussec: em ouro branco, ouro amarelo, ouro cor-de-rosa e outra em platina, totalizando 300 peças, além da linha em aço. Até o fim de 2008, serão produzidos cerca de 3 mil relógios, cujos valores variam de 7 mil a 37 mil euros. E esse promete ser só o primeiro passo, pois, de acordo com Dieglemann, a fábrica já está elaborando novos movimentos que chegarão ao mercado em 2011. ?Acredito que o Rieussec é uma espécie de ponte entre o passado e o futuro da Montblanc?, afirma.

Na tarde de 10 de abril, durante o Salão Internacional da Alta Relojoaria de Genebra, o CEO da Montblanc, Lutz Bethge, de 52 anos, recebeu a DINHEIRO para uma entrevista exclusiva. Acompanhe:

DINHEIRO: Como o sr. observa o mercado brasileiro?
LUTZ BETHGE:
É um país de grandes oportunidades, com mais de 100 novos milionários por dia e, por isso, estamos investindo na região.

DINHEIRO: Que investimentos a marca está fazendo?
LUTZ BETHGE:
Neste ano, estaremos com a nova butique de mais de 200m2 no Shopping Cidade Jardim, outra em Brasília e possivelmente mais uma a ser definida ainda neste ano.

DINHEIRO: Onde mais a marca pretende investir?
LUTZ BETHGE:
Além da expansão no varejo, queremos abrir Espaços Montblanc dentro de joalherias identificadas com a marca.

DINHEIRO: A Montblanc já tinha sucesso em canetas. O que levou a marca a investir no ramo da relojoaria, algo completamente novo?
LUTZ BETHGE:
Nossa imagem com relação às canetas já era de ?alta-costura?. Através de nossas canetas, já podíamos mostrar o mundo Montblanc, mas a marca ficava restrita a esse nicho. Então, em 1993, investimos na produção de bens de couro (como agendas e blocos de anotação). Mais tarde, em 1997, começamos com os relógios. No momento, somos a única marca a investir pesado em relógios e nosso retorno, que já é bom, só tende a crescer. Se a gente parar para pensar, o relógio é o único tipo de jóia que os homens usam. O relógio transmite a identidade e o estilo dos homens, assim como uma jóia faz isso pelas mulheres.

DINHEIRO: Ao investir nos relógios, vocês não temeram perder a identidade?
LUTZ BETHGE:
Não, porque temos clientes apaixonados pela marca. Quando lançamos, sempre ouvíamos deles que era o produto que eles buscavam.

DINHEIRO: Como o sr. define a Montblanc?
LUTZ BETHGE:
É uma marca que ressalta o artesanato de mestres, tem design atemporal e reflete um estilo de vida. Além disso, a Montblanc tem um objetivo: queremos ver nossos clientes orgulhosos do que compram aqui e esse sentimento deve permanecer por décadas.

DINHEIRO: O que o sr. planeja para o futuro da grife?
LUTZ BETHGE:
Pretendemos continuar investindo em relógios e em jóias nos próximos cinco a dez anos. Já temos bons clientes e bons produtos, agora é só seguir o caminho.