O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou suspender a tramitação de processos que usem relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) produzidos sem autorização judicial. A decisão tem alcance nacional.

Moraes atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). Em sua decisão, o ministro argumentou que considera a suspensão “prudente” porque há “divergências” entre o STF e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a necessidade ou não de autorização judicial para a produção desses relatórios financeiros.

“Essa divergência, conforme demonstrado pela PGR, tem gerado graves consequências à persecução penal, como a anulação de provas, o trancamento de inquéritos, a revogação de prisões, a liberação de bens apreendidos e a invalidação de operações policiais essenciais ao combate ao crime organizado, à lavagem de dinheiro, à sonegação fiscal”, justificou Moraes.

O ministro apontou também o “relevante impacto social” do assunto e a necessidade de criar um entendimento para ser aplicado “sob condições claras e definidas”.

O tema gera controvérsia porque, de um lado, advogados defendem que a supervisão judicial reduz a chance de investigações abusivas. De outro lado, os órgãos de persecução penal argumentam que os pedidos ao Coaf tornam os inquéritos mais eficientes.

Grandes operações sob ameaça

O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, pediu que o ministro esclareça se a decisão tem efeitos sobre todos os processos que usaram relatórios produzidos pelo Coaf por requisição de órgãos de investigação e sem autorização judicial ou apenas sobre ações em que a validade desse trâmite é questionada. Além disso, o chefe do Ministério Público de São Paulo quer saber se a liminar trava também inquéritos em curso.

Assim que a decisão de Alexandre de Moraes foi publicada, na quinta-feira, 21, defesas começaram a acionar o Ministério Público de São Paulo para tentar suspender investigações e até anular prisões preventivas e bloqueios de bens. Os promotores temem um efeito cascata.

Os pedidos foram apresentados em grandes operações contra o crime organizado, como a Tacitus, que prendeu policiais suspeitos de elo com o PCC, a Fim da Linha, que expôs o controle da facção sobre o transporte público em São Paulo, e a Car Wash e a Armagedon, ambas sobre esquemas milionários de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.

O procurador-geral de Justiça manifesta preocupação com o risco de “revogação de prisões preventivas necessárias e de medidas cautelares patrimoniais vigentes, em casos de elevada gravidade”.

“Suspender, de modo genérico, todos os feitos em que tenha ocorrido o compartilhamento de informações dessa natureza, apenas porque a defesa questiona a validade de um procedimento já reconhecido como lícito pelo Supremo Tribunal Federal, levará fatalmente aos prejuízos que agora se busca evitar”, argumenta Costa em ofício ao STF.

Em 2019, o STF autorizou o amplo compartilhamento de informações da Receita Federal e do Coaf com órgãos de investigação, como Ministério Público e Polícia Federal, sem necessidade de expressa autorização judicial.

A decisão do STF foi tomada em repercussão geral (Tema 990). Isso significa que, a partir da análise de um caso concreto, o plenário definiu uma tese para ser aplicada a casos semelhantes. Todos os juízes e tribunais precisam levar a decisão do Supremo em consideração ao julgar ações nas instâncias inferiores.

Ocorre que, desde então, a Primeira e a Segunda Turmas do STF têm interpretações diferentes sobre o alcance da tese. A Primeira Turma considera que a regra vale também para a requisição de informações, etapa anterior ao compartilhamento de dados. Já a Segunda Turma entende que a produção de informações depende de supervisão judicial.

Essa brecha vem sendo usada pelo Superior Tribunal de Justiça para justificar uma interpretação restritiva da decisão do STF. Os ministros do STJ adotaram a posição de que os órgãos de investigação não podem requisitar informações sigilosas diretamente ao Coaf. O procedimento, na avaliação da Corte, depende de autorização judicial.

O STJ não impede o envio espontâneo de informações pelo Coaf a órgãos de investigação e controle quando, após análise interna, forem identificados indícios de irregularidades, mas considera que a requisição de ofício precisa ser mediada pelo Judiciário.

Em maio, a 3ª Seção do STJ definiu a seguinte tese: “A solicitação direta de relatórios de inteligência financeira pelo Ministério Público ao Coaf sem autorização judicial é inviável. O Tema 990 da Repercussão Geral não autoriza a requisição direta de dados financeiros por órgãos de persecução penal sem autorização judicial”.

A decisão pressionou o STF a revisitar o assunto para e a se pronunciar sobre as lacunas surgidas desde que o tema foi julgado no plenário, há seis anos.

Repercussão geral

Em junho, os ministros do STF reconheceram que o tema deve ser julgado novamente no regime de repercussão geral. A decisão foi tomada no plenário virtual.

Para decidir se um caso tem repercussão geral, os ministros analisam se há questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos das partes do processo.

Quando um assunto tem a repercussão geral reconhecida pelos ministros é comum que o relator mande suspender os processos sobre o tema. Foi o que ocorreu, por exemplo, nos julgamentos da revisão da vida toda, em que mais de 10 mil ações ficaram paralisadas durante nove meses à espera de uma decisão do STF, do fornecimento de medicamentos de alto custo pelo SUS, em que processos ficaram suspensos por seis meses, e da “pejotização”, que após quatro meses ainda não foi liberado para votação.