São Paulo, 26 – A Justiça Federal do Distrito Federal suspendeu na noite da segunda-feira, 25, a decisão da Superintendência Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que havia determinado a paralisação das práticas coletivas da Moratória da Soja. Em decisão liminar, a juíza Adverci Rates Mendes de Abreu, da 20ª Vara Federal, atendeu ao mandado de segurança impetrado pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e restabeleceu integralmente o funcionamento do acordo setorial vigente desde 2006.

A magistrada considerou que a medida do Cade, tomada de forma monocrática pelo superintendente-geral, Alexandre Barreto de Souza, em 18 de agosto, foi “desproporcional e prematura”, por ter sido proferida sem debate colegiado e sem análise das manifestações técnicas apresentadas pelo Ministério Público Federal, pela Advocacia-Geral da União e pelo Ministério do Meio Ambiente.

A decisão também suspendeu a aplicação da multa diária de R$ 250 mil prevista em caso de descumprimento da determinação original do órgão antitruste. “A Moratória da Soja, vigente desde 2006, possui natureza voluntária, é integrada por diversos entes públicos e privados, e vem sendo reconhecida como instrumento de fomento ao desenvolvimento sustentável”, escreveu a juíza na decisão. Segundo ela, “afigura-se desproporcional e prematura a sua desarticulação imediata por meio de decisão monocrática, desacompanhada de debate colegiado e sem enfrentamento concreto dos argumentos técnicos oferecidos no procedimento originário”.

A suspensão judicial ocorre uma semana após o Cade ter instaurado processo administrativo contra 30 tradings e duas entidades setoriais por suposta prática de cartel. O órgão havia determinado o fim imediato do compartilhamento de informações comerciais entre as empresas signatárias, proibindo auditorias conjuntas e a divulgação de listas de conformidade ambiental que constituem a base operacional da moratória.

A disputa judicial acontece em paralelo ao julgamento no Supremo Tribunal Federal sobre a Lei nº 12.709/2024 de Mato Grosso, que autoriza o Estado a retirar incentivos fiscais de empresas signatárias da moratória. O plenário virtual analisa até quinta-feira (29) a constitucionalidade da norma, com placar parcial de 2 a 1 pela manutenção da lei estadual, após voto divergente do ministro Dias Toffoli apresentado na sexta-feira (22).

Em seu voto, Toffoli defendeu que a moratória “viola a livre concorrência” ao criar um sistema paralelo de governança ambiental controlado por empresas que detêm 90% do mercado exportador. O ministro argumentou que o acordo transfere para agentes privados poderes regulatórios que cabem ao Estado brasileiro e prejudica pequenos e médios produtores que cumprem o Código Florestal mas encontram barreiras adicionais para comercializar sua produção.

A controvérsia expõe divergências dentro do governo federal sobre o papel da moratória. O Ministério do Meio Ambiente defendeu publicamente o acordo como instrumento com “resultados inegáveis para a proteção ambiental”, enquanto o Ministério da Agricultura mantém posição crítica, defendendo o Código Florestal como único parâmetro regulatório para o setor. O Ministério das Relações Exteriores incluiu a moratória como exemplo positivo de política ambiental brasileira em resposta de 91 páginas enviada aos Estados Unidos sobre investigação comercial baseada na Seção 301.

As entidades representativas dos produtores rurais – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato) e Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) – haviam celebrado a decisão inicial do Cade como “marco histórico” contra práticas que consideram anticoncorrenciais. A Aprosoja-MT mantém ação civil pública de R$ 1,1 bilhão contra as tradings signatárias e mobilizou 127 câmaras municipais para solicitar auditoria sobre incentivos fiscais concedidos às empresas.

Do lado das tradings, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) defendem o acordo como essencial para garantir acesso ao mercado europeu, especialmente com a entrada em vigor da Regulamentação Europeia de Produtos Livres de Desmatamento (EUDR) em dezembro, que exigirá rastreabilidade integral das exportações agrícolas brasileiras. As entidades argumentam que a moratória fortaleceu a credibilidade internacional da soja brasileira e contribuiu para que a área plantada no bioma Amazônia crescesse 344% entre 2009 e 2022 sem provocar novos desmatamentos.

A juíza federal determinou, ainda, que o processo administrativo no Cade aguarde manifestação do tribunal do órgão antes de impor medidas que afetem o funcionamento da moratória. A Abiove sustentou no mandado de segurança que a decisão administrativa violou princípios do contraditório e da ampla defesa ao ser proferida sem apreciação das manifestações técnicas apresentadas pelas partes envolvidas.

O impasse sobre a moratória ocorre às vésperas da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), marcada para novembro em Belém, quando o Brasil deverá apresentar avanços em sua agenda de sustentabilidade. A Associação Americana de Soja (ASA) já manifestou preocupação com possível “afrouxamento” do acordo brasileiro, alertando o governo dos Estados Unidos de que mudanças na Amazônia podem afetar a competitividade dos produtores norte-americanos.