22/06/2005 - 7:00
Washington D.C., 1701, 22nd Street. Encontra-se nesse endereço uma das mais misteriosas peças do orçamento da República. Na frente da casa de quatro andares, em estilo vitoriano, há uma bandeira do Brasil hasteada 24 horas por dia. Lá dentro, seis oficiais da Aeronáutica, dois sargentos e 30 civis têm como missão comprar e pagar. Compram, sigilosamente, equipamentos e peças de reposição para a Força Aérea Brasileira (FAB). Foi desse endereço, chamado oficialmente de Comissão Aeronáutica Brasileira (CAB), que saíram no ano passado R$ 142,5 milhões para a quitação, na França, do novo Air Bus 319, o Aero-Lula. Também foi esse escritório que pagou R$ 60,5 milhões pela compra de equipamentos e peças para os 14 aviões Supertucano, que a Embraer acaba de entregar para a FAB. Perto dali, na 5130 MacArthur Boulevard, fica um edifício de dois andares onde a Marinha se instalou com mais 25 funcionários. Em outro ponto da cidade, número 4632 da Wisconsin Avenue, o Exército montou um terceiro escritório de compras, com 12 militares e 18 civis. Ano passado, os escritórios no Exterior das três Forças movimentaram R$ 1,47 bilhão, de acordo com o sistema de acompanhamento do Orçamento, o SIAFI, ao qual DINHEIRO teve acesso com exclusividade. Desse total, os investimentos das três forças em importação de equipamentos foram de R$ 640,7 milhões. Já as despesas com soldos, gratificações, viagens e custeio dos escritórios no Exterior, somaram R$ 656,8 milhões. Ou seja, o custo para manter o comprador foi maior que o das compras.
?Descobrimos um grande paraíso de gastos públicos em meio ao labirinto que virou o orçamento da União?, diz o deputado Augusto Carvalho, do PPS do Distrito Federal, cuja equipe esmiuçou no SIAFI as despesas no Ministério da Defesa. ?Nada ali é ilegal, mas quase tudo parece ser supérfluo?, afirma. Para manter 97 embaixadas e 1.251 funcionários no Exterior, o Itamaraty gastou no ano passado R$ 1,43 bilhão. Sozinha, a Comissão Aeronáutica movimentou o mesmo valor, R$ 1,18 bilhão. Isso porque a Aeronáutica concentra suas compras em Washington. Além de passarem por lá R$ 540 milhões em aquisições de equipamentos para a modernização da Força Aérea, incluindo 40 radares para o sistema de vigilância aéreo, a Comissão teve que pagar o avião do presidente Lula. O Exército também faz suas compras em Washington, enquanto a Marinha, embora tenha escritório na cidade, vai às compras através da Comissão Naval de Londres. Ao se examinar os números desses escritórios, descobrem-se excentricidades. A embaixada do Brasil em Washington tem 18 diplomatas, mas os militares na cidade são 22. A embaixada tem ao todo 56 funcionários, enquanto as três comissões militares somam 93 pessoas. ?O problema é que eles gastam muito?, diz Augusto Carvalho. De acordo com os números do SIAFI, o Exército desembolsou R$ 88,2 milhões com salários e gratificações, contra R$ 1,6 milhão em explosivos e munição. ?Estou envergonhado?, diz o capitão e deputado Jair Bolsonaro, do PP do Rio. ?Os comandantes ficam calados porque um dia podem ser agraciados com um posto desses no Exterior.?
O escritório do Exército em Washington existe há 65 anos. Começou em 1940, quando Getúlio Vargas enviou uma missão militar aos EUA, a fim de fiscalizar o embarque de uma primeira compra de armamentos. A missão perpetuou-se. Uma das razões de se manter o escritório em Washington, alega o Centro de Comunicação do Exército, seria a aquisição de material bélico mais barato e de última geração. Qual a economia média? O Exército informa que não tem como calcular. Mas avisa que em 2004 as despesas com custeio no exterior foram de R$ 128,3 milhões, contra R$ 58,9 milhões de investimentos. Segundo a Aeronáutica, o escritório em Washington consegue economizar até 40% na compra de equipamentos. Só na eliminação dos intermediários economiza-se 15%. ?Esse detalhe já justifica a existência do escritório?, diz o brigadeiro Telles Ribeiro, chefe do Centro de Comunicação da Aeronáutica. A Marinha diz que precisa de uma semana para prestar esclarecimentos. Pode aproveitar e explicar, por exemplo, por que um recruta no Brasil ganha R$ 168 mensais e dá 20 tiros por ano, enquanto seu adido em Londres ganha US$ 8 mil e gasta mais R$ 2 mil mensais com copa, cozinha e material de limpeza.