O galego Belarmino Fernandez Iglesias, do grupo Rubaiyat, morreu na madrugada desta terça-feira (30). Aos 85 anos, ele foi vítima de insuficiência de múltiplos órgãos e terá o corpo velado no Hospital Albert Einstein das 12h às 19h desta terça. Belarmino havia sofrido um AVC há seis anos, que o deixou sem fala e com algumas outras sequelas.

Na juventude, aos 20 anos, Belarmino decidiu deixar a Espanha veio parar em São Paulo por engano: mandaram que descesse do navio no segundo porto e ele obedeceu, só que a rota havia sido mudada. Desceu em São Paulo e aqui se instalou. Conseguiu emprego como garçom na celebrada churrascaria Cabana, restaurante dos pais do Massimo Ferrari, do hoje também extinto restaurante Massimo.

Foi no salão do Cabana que sua vida mudou, ao ser convidado por clientes para trabalhar num restaurante que seria aberto em breve, o Rubaiyat. Belarmino aceitou, com a condição de que tivesse parte das ações. Acordo fechado, foi trabalhar no salão e, com o passar do tempo, comprou o restaurante dos sócios.

Visionário e atento ao serviço no salão, fez do lugar uma grande churrascaria. O negócio prosperou, o restaurante na Alameda Santos abriu uma filial na Faria Lima e ao lado, o La Trainera (hoje extinto) especializado em peixes e frutos do mar, grande trunfo da cozinha galega. O negócio se expandiu ainda mais com a entrada  de Belarmino Filho, grande restaurateur, e tornou-se um grupo com filiais fora de São Paulo (Rio e Brasília) e em países como Argentina (como o nome Cabaña Las Lilas), Chile, México e Espanha.

Nascido em 1931, Belarmino cresceu pobre no povoado de Rosende, na Galícia, onde seus pais eram empregados na casa grande local. Parte da família permaneceu ali. Depois de ganhar dinheiro, Belarmino comprou a casa grande de Rosende, que chegou a ser reformada para ser um hotel tipo Relais & Châteaux, mas acabou por virar uma escola de hotelaria que já formou mais de 500 alunos. O divertido é que ao comprar a casa grande ele se converteu numa espécie de senhor do povoado.

Quando estava ali, os locais iam procurá-lo para resolver brigas, pendências e até casos como o de uma  vaca de um vizinho que atravessou a cerca e estragou a horta da casa ao lado. Ele chamava os litigantes e fazia conciliação. Tinha jeito especial para lidar com pessoas e era um grande contador de casos.

Adorava abrir garrafas (especialmente de grandes vinhos espanhois como o Vega Sicilia) para amigos e passar horas à mesa. Um de seus grandes amigos foi o falecido crítico de restaurantes do Estadão, Saul Galvão. Para Ciro Lilla, da Mistral, “Belarmino Iglesias foi aquele que considero o verdadeiro amante e conhecedor de vinhos”.

Assessora de imprensa do grupo por 15 anos, Sofia Carvalhosa conta que quando Belarmino chegava, a brigada tremia, ele tinha olhar clínico para o ritmo do serviço. A ex-assessora lembra também de quando ele, visionário, apostou no kobe beef, a carne de gado da raça japonesa wagyu, hoje mesclada com brangus, com resultado que o grupo chama de kobe tropical.

Em 2012, 70% do grupo foram vendidos ao fundo espanhol Mercapital. Graças à operação, conseguiram expandir os negócios. No início deste ano, o fundo saiu do negócio, que estava a ponto de ser vendido para um grupo norte-americano. Às vésperas de fechar o negócio, Belarmino Filho decidiu comprar o restaurante de volta para nao estragar o sonho do pai.

“Pensei no império que meu pai construiu e senti que tinha de continuar com ele”, contou Filho esta semana à editora do Paladar, Patrícia Ferraz, no restaurante de Madri. E disse que seus filhos Victor e Diego (formados em economia e finanças), já integram o grupo e têm poder de decisão financeira. “Meu pai fez o mesmo comigo”, disse na noite de domingo. Belarmino disse que estava preocupado pois o estado de saúde do pai, que estava na UTI, havia piorado e avisou: “Se ele não melhorar até amanhã, vou pegar um avião para São Paulo”.