23/09/2025 - 19:43
Símbolo de era de ouro do cinema europeu e estrela relutante, Cardinale atuou produções lendárias nos anos 1960 como 8½, de Fellini, e O Leopardo, além de produções nos EUA. Ela tinha 87 anos.Claudia Cardinale, estrela decinema dos anos 60 e musa dos diretores Luchino Visconti e Federico Fellini, morreu nesta terça-feira (23/09), aos 87 anos.
Cardinale, conhecida pela beleza marcante e voz rouca, morreu em Nemours, perto de Paris, na presença de seus filhos, informou seu agente, acrescentando que a data e o local do enterro ainda não haviam sido definidos.
“Ela nos deixa o legado de uma mulher livre e inspirada, tanto como pessoa quanto como artista”, disse Laurent Savry em uma mensagem.
O ministro da Cultura da Itália, Alessandro Giuli, a chamou de “uma das maiores atrizes italianas de todos os tempos” e disse que Cardinale incorporava a “graça italiana”.
Ao lado das atrizes Sophia Loren e Brigitte Bardot, Cardinale foi um dos rostos mais famosos do cinema europeu dos anos 1960.
Atriz relutante
Nascida em La Goulette, perto de Túnis, em 15 de abril de 1938, filha de pais sicilianos, Cardinale teve a vida virada de cabeça para baixo aos 16 anos, quando foi escolhida em meio a uma multidão para vencer um concurso de beleza.
Coroada como “A italiana mais bonita de Túnis”, o prêmio foi uma viagem ao Festival de Cinema de Veneza, onde imediatamente chamou atenção e, a contragosto, deixou de lado seus planos de se tornar professora.
“Todos os diretores e produtores queriam que eu fizesse filmes, e eu dizia: ‘Não, não quero!'”, contou.
Foi seu pai quem a convenceu a “dar uma chance a essa coisa de cinema”.
Enquanto começava a conseguir pequenos papéis, foi estuprada por um produtor de cinema e engravidou. Um mentor a convenceu a dar à luz secretamente em Londres e confiar a criança à sua família.
Patrick seria oficialmente seu irmão mais novo até ela revelar a verdade sete anos depois. “Fui obrigada a aceitar essa mentira para evitar um escândalo e proteger minha carreira”, disse. Com poucas opções na época, tomou a difícil decisão de tentar “ganhar a vida e sua independência” através do cinema, mesmo sem nunca ter desejado atuar.
“Fiz isso por ele, por Patrick, o filho que quis manter apesar das circunstâncias e do enorme escândalo”, disse ela ao jornal francês Le Monde em 2017. “Eu era muito jovem, tímida, pudica, quase selvagem. E sem a menor vontade de me expor nos sets de filmagem.”
Musa do cinema italiano
Cardinale foi rapidamente arrebatada pela era de ouro do cinema italiano, mesmo sem falar “uma palavra” da língua — falava apenas francês, árabe e o dialeto siciliano dos pais.
Aos 20 anos, “me tornei a heroína de um conto de fadas, o símbolo de um país cuja língua eu mal falava”, escreveu em sua autobiografia de 2005. Inicialmente, produtores tentaram moldar sua carreira como se ela fosse uma “Brigitte Bardot italiana”, mas Cardinale logo encontraria sua própria identidade.
Sua voz precisou ser dublada em italiano até estrelar 8½, de Fellini, vencedor do Oscar de melhor Filme Estrangeiro em 1963, quando o diretor insistiu que ela usasse sua própria voz.
Naquele ano, aos 25 anos, Cardinale filmou simultaneamente o épico O Leopardo, de Visconti, e o surrealista 8½, de Fellini. Em O Leopardo, baseado na obra de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, Cardinale atuou ao lado de Burt Lancaster e Alain Delon.
“Visconti me queria morena, de cabelos longos. Fellini me queria loira”, contou.
Críticos a chamavam de “a personificação do glamour europeu do pós-guerra”, e ela foi moldada dessa forma, dentro e fora das telas. “É quase como se a sensualidade tivesse sido imposta a ela”, dizia um texto do jornal britânico The Guardian em 2013.
Sucesso em Hollywood
Abraçada por Hollywood, onde recusou se estabelecer, Cardinale teve um grande sucesso em A Pantera Cor-de-Rosa (1968), de Blake Edwards, com Peter Sellers; depois em O Mundo do Circo (1964), de Henry Hathaway, com Rita Hayworth e John Wayne.
“O melhor elogio que já recebi foi do ator David Niven durante as filmagens de A Pantera Cor-de-Rosa”, recordou. Ele disse: “Claudia, junto com o espaguete, você é a maior invenção da Itália.”
Cardinale ainda teve papéis marcantes no filme Era uma Vez no Oeste (1968), de Sergio Leone, e A Pele (1981), além da dupla de filmes franceses Mayrig (1991) e Rua Paraíso (1992), nos quais atuou ao lado de Omar Sharif.
Recusando-se a fazer cirurgias plásticas, continuou atuando até os 80 anos, incluindo na peça La Strana Coppia, uma versão feminina de O Estranho Casal, de Neil Simon, no Teatro Augusteo, em Nápoles.
Sua carreira de décadas a levou a atuar em 175 produções, incluindo filmes e programas de TV, e tanto o Festival de Veneza quanto o de Berlim a homenagearam com prêmios honorários.
Em 2017, Cardinale estampou o pôster oficial do Festival de Cannes, em meio a protestos porque suas coxas haviam sido retocadas digitalmente para parecerem mais finas.
Defensora firme dos direitos das mulheres, foi nomeada Embaixadora da Boa Vontade da UNESCO em 2000, em reconhecimento ao seu compromisso com a causa de mulheres e meninas. “Tive muita sorte. Este trabalho me deu uma multiplicidade de vidas e a possibilidade de colocar minha fama a serviço de muitas causas”, disse.
jps (AFP, Reuters, ots)