O ex-governador de São Paulo Laudo Natel morreu na manhã desta segunda-feira, 18, aos 99 anos. A causa da morte ainda não foi confirmada. Natel, que governou o Estado entre 1971 e 1975, completaria 100 anos em 2020. De paletó e gravata a vida inteira, fosse como bancário, como político ou nos anos de aposentadoria, o paulista Laudo Natel gostava de ser chamado de governador caipira. Jamais abriu mão da formalidade, por mais que insistissem a família e os assessores. A pose era a mesma sempre, fosse inspecionando obras ao volante de um trator, passeando pelo gramado de seu clube no Morumbi ou despachando com o secretariado estadual.

Nascido em São Manuel em 14 de setembro de 1920, Laudo Natel foi governador duas vezes, por 11 meses quando era vice e assumiu o cargo na vaga de Adhemar de Barros, cassado pelo regime militar em 1966, e no período de 1971 a 1975, como governador biônico, ao ser eleito pela Assembleia por indicação do presidente da República, general Emílio Garrastazu Medici. Tentou um terceiro mandato, também por eleição indireta, mas foi vencido na convenção da Arena, o partido oficial, por Paulo Maluf.

Filho de Bento Alves Natel e Albertina Barone, o futuro governador nasceu na Fazenda Quebra Pote, de onde ia a cavalo para estudar numa escola particular de Mirassol, a oito quilômetros de distância. “Eu era um garoto normal… só atrapalhava”, lembrou anos mais tarde, conforme registrou o jornalista Ricardo Viveiros, seu biógrafo, em Laudo Natel, Um Bandeirante (Imprensa Oficial de São Paulo, 2010). Do pai, ele se lembrava de que “não era um homem de estar acarinhando os filhos e era muito rigoroso na educação”.

O pai queria que Laudo fosse médico ou oficial da Marinha, duas profissões que ele logo rejeitou “por absoluta falta de vocação”. Em 1937, ao terminar o curso ginasial, abandonou também a ideia de fazer Direito, por falta de recursos. Bento Natel morreu naquele ano sem deixar qualquer herança. Desde 1932, quando São Paulo se revoltou contra o presidente Getúlio Vargas, na Revolução Constitucionalista, Laudo se mudou para continuar os estudos. Não foi além do antigo colegial, não fez nenhuma faculdade. Alistou-se para o Tiro de Guerra em Pirajuí, aos 17 anos, e começou a trabalhar no Banco Noroeste, seu primeiro emprego.

Foi em Pirajuí que conheceu Maria Zilda, uma ligação instantânea, mas que demorou para chegar ao namoro, pois a família dela era de costumes rígidos e desencorajou maior aproximação. O pai, José Gamba, era um comerciante “abonado”, o que provocou certo desdém dos vizinhos, como revela o biógrafo Ricardo Viveiros, porque consideravam haver um desnível social entre a moça e o bancário pobre.

Laudo e Maria Zilda casaram-se em 1943, em Pirajuí. Ele acabava de se mudar para Marília, após um período em Lins, quando se transferiu do Noroeste para o Bradesco, recém-fundado por Amador Aguiar. Dois casamentos estáveis. Laudo foi casado com Maria Zilda até 1992, quando ela morreu de câncer, e permaneceu ligado ao banco até o fim da vida, embora aposentado. Para Amador Aguiar, que o tinha como seu braço direito, Laudo foi o filho que ele não teve. Laudo Natel foi diretor da Associação Comercial de São Paulo, presidente da comissão bancária do Sindicato dos Bancos de São Paulo e consultor da Bradesco Seguradora.

Eleito tesoureiro do São Paulo Futebol Clube em 1952, foi mais tarde diretor financeiro e presidente. Foi ele quem conseguiu recursos para a construção do Estádio do Morumbi, uma obra, como gostava de dizer, não dependeu de dinheiro dos governos municipal, estadual e federal. Consta que, ao observar a grandiosidade do estádio ao assistir a um jogo ao lado de Natel, o presidente Medici decidiu fazer dele governador em 1971. Para concorrer nas eleições indiretas pela Arena, ele se licenciou da presidência do São Paulo.

Discreto, mas administrador eficiente, Laudo Natel levou adiante ou iniciou projetos importantes, em seus dois mandatos, como a criação da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), com a unificação de 11 hidrelétricas, e deu prosseguimento aos estudos básicos para a construção do Metrô. Modernizou o sistema fazendário por meio de seu secretário da Fazenda, Antônio Delfim Netto. Com ênfase no desenvolvimento do interior, unificou a malha ferroviária na Fepasa (Ferrovia Paulista S.A.), prosseguiu na construção da pista ascendente da Rodovia dos Imigrantes, criou a Sabesp e a Cetesb e aprovou um plano para o desenvolvimento do Vale do Ribeira.

No segundo mandato, demitiu por carta o prefeito nomeado de São Paulo, engenheiro José Carlos de Figueiredo Ferraz, por discordâncias administrativas. Alegou falta de sintonia de Ferraz com o Estado e a União, depois de o prefeito ter afirmado que “São Paulo precisa parar”, numa hora em que os governos federal e estadual festejavam um milagre econômico, que conforme Delfim Netto diria mais tarde, nunca existiu.

Na área política, o governo de Laudo Natel foi um período tumultuado pela repressão do regime militar, com participação das Polícias Civil e Militar do Estado de São Paulo, aos assaltos e luta armada dos grupos de esquerda. Natel conheceu pessoalmente o líder da guerrilha no Vale do Ribeira, capitão Carlos Lamarca, quando ele treinou exercícios de tiro para funcionários do Bradesco, em Osasco, antes de desertar do Exército.

O governo de Natel coincidiu com o período mais duro da censura imposta à imprensa pela ditadura militar. Foi quando o então diretor do Jornal da Tarde, jornalista Ruy Mesquita, inventou um receita culinária com o nome de “lauto pastel”, jogo de palavras em homenagem ao governador, em meio às receitas de doces e bolos publicadas para cobrir o espaço aberto pelos cortes dos censores.

Ao deixar o Palácio dos Bandeirantes, em 1975, aos 55 anos de idade, Laudo Natel abriu mão de direitos e privilégios, como carro e agentes de segurança. Voltou a morar em sua residência, um casarão no bairro do Pacaembu, e reocupou sua vaga no Bradesco, não mais como bancário, mas como conselheiro de uma seguradora. Sugestão de Amador Aguiar, para evitar constrangimentos entre os colegas.

“O senhor Laudo ganha menos do que eu, uma aposentadoria abaixo de R$ 3 mil”, confidenciou Suely Salete Paes Manso, sua secretária há mais de 37 anos. O ex-governador manteve a rotina de ir diariamente a seu escritório, na Rua Nestor Pestana, no centro de São Paulo, mesmo depois de não ter mais condições de saúde para conversar sobre política e sobre o São Paulo. Não se interessava mais por futebol nem acompanhava a crise pela qual passava o País. Se um amigo ia vê-lo, a visita não passava de três minutos.

Laudo Natel cumpriu o projeto pessoal que se impôs, quando tinha mais atividades, conforme registrou o jornalista Ricardo Viveiros:

“Estou com 89 anos. Meu objetivo é chegar aos 90 sem nenhum compromisso externo. Isso não significa que eu vá parar, que eu vá ficar em casa só rezando. Eu gostaria de ficar um pouco livre, porque seria a única ocasião na vida que eu ficaria livre. Eu sempre fui muito compromissado ora com escola, ora com carreira, ora com o clube, ora com política…Meu compromisso agora é não ter compromisso nenhum. Não quero fazer nada.”

Longe da vida social, o ex-governador nem era reconhecido quando aparecia em público. “Alguém já lhe disse que o senhor tem a cara do Laudo Natel?”, ele ouviu mais de uma vez essas palavras ditas ao pé do ouvido por pessoas que não esperavam que ainda estivesse vivo.