Nada de masturbação, sexo conjugal duas vezes por semana, brinquedos sexuais inusitados: Museu Judaico revela facetas pouco conhecidas da vida amorosa dos judeus, entre tradições e transgressões.Com seus mais de 3 mil anos de história, seria justo esperar que o judaísmo tenha muitas observações, ideias, conselhos e sabedorias também sobre a vida amorosa. Até porque de seu meio saíram tantas figuras formativas para a reflexão sobre esse tema, como, por exemplo, o rei Salomão ou o psicólogo Sigmund Freud.

Uma exposição no Museu Judaico de Berlim explora como a percepção social da sexualidade evoluiu dentro da comunidade. Com mais de 100 peças expostas, o evento traz um título apimentado: Sexo: Posições judaicas.

Duas telas penduradas lado a lado formam uma espécie de declaração de intenções da mostra: Um casamento judeu, de 1903, do pintor holandês Jozef Israëls, e Um casamento judeu, do fotógrafo contemporâneo Yitzchak Woolf. Nesta, um casal homossexual tem sua união abençoada – de início, só na foto, pois não se encontrou nenhuma sinagoga disposta a encenar o ato.

“Esta mostra é sobre a relação do judaísmo e da tradição judaica com as ideias cambiantes de sexualidade, gênero e desejo”, explica a cronista e cineasta teuto-russa Anna Narinsky (Find the Jew, 2020), residente em Berlim.

Em entrevista ao jornal Berliner Zeitung, a diretora do museu, Hetty Berg, havia detalhado: “No tocante à sexualidade, como em qualquer outro tópico da tradição judaica, as leis religiosas não são rígidas, mas sim adaptadas às realidades atuais da vida e às estruturas sociais em mutação, através de interpretações, discussões e impulsos.”

Condenação do celibato, e “não é não”

Começando pelo “dever”: ao contrário do cristianismo e outras religiões, o judaísmo condena o celibato. Ninguém está autorizado a fugir do mandamento “Crescei e multiplicai-vos”. A Torá impõe ao homem três deveres perante sua esposa: alimentá-la, vesti-la e lhe conceder intimidade marital.

E de preferência duas vezes por semana: em alguns tratados talmúdicos, sexo insuficiente é considerado motivo suficiente para divórcio, com a mulher tendo direito a todos os pagamentos. Para tal, basta uma única semana sem ação na alcova.

Ao mesmo tempo, os livros religiosos frisam a importância do consentimento feminino nas relações sexuais. “Quando estiveres finalmente pronto para a união sexual, assegura-te que as intenções de tua mulher coincidem com as tuas”, reza, por exemplo, o Iggeret Ha-Kodesh, um texto cabalístico do século 13.

No entanto a Torá proíbe não só o sexo pré-marital como outras atividades “sem a intenção de procriação”. Masturbação, por exemplo, seria um “desperdício de sêmen”. Por sua vez, cabe à mulher evitar intimidades durante e depois da menstruação: ela só pode – e deve –- retornar ao leito conjugal sete dias após o último sangramento, tendo antes se purificado devidamente no mikvé, o banho de emersão ritual.

Arte LGBTQ: protesto contra as tradições

Ser diferente num sistema de valores tradicional é no judaísmo também uma questão importante, e muitas vezes complicada. “Na Torá, homens não se casam com homens, e mulheres não se casam com mulheres”, confirma o pesquisador de arte judaica contemporânea David Sperber em seu artigo The art of breaking taboos (A arte de quebrar tabus), escrito especialmente para a exposição.

Por trás de cada peça de um/a artista judia/eu LGBTQ está uma difícil história de luta contra o establishment conservador. Uma das salas mais frequentadas da exposição exibe tocantes documentários em que homens de famílias tradicionais contam sobre a aceitação de sua homossexualidade – com frequência a duras penas.

“Eu só rezo para que você não perca o seu caminho para Deus”, diz amorosamente, ao jovem de barba e quipá, sua mãe, embrulhada num lenço preto. “E quem quer que você seja, ninguém pode jamais lhe dizer que esta não é a sua casa.” A cena é de The holy closet (O armário sagrado), do cineasta israelense Moran Nakar.

Nada de sêmen desperdiçado

Numa vitrine de vidro está o Shulchan Aruch, um sumário das regras básicas que os fiéis judeus devem obedecer no dia a dia. O livro está aberto numa página tratando das práticas sexuais permitidas e proibidas, em especial a proibição da masturbação.

“Está alerta à excitação física, portanto não te deites de costas ou sobre o ventre, com o rosto para baixo. Deves dormir de lado, para evitar excitação física”, recomenta o manual. Tampouco é aconselhável dois dormirem na mesma cama. Não se deve ficar observando animais, sejam selvagens ou domésticos, quando machos e fêmeas se acasalam. Outra restrição: não cavalgar sem sela.

Numa vitrine separada, está um pequeno objeto que faz muitos visitantes sorrirem: um anel de metal a ser colocado sobre diversas falanges dos dedos, evitando que se curvem. Ele deve ser usado pelos homens à noite, a fim de evitar uma autossatisfação involuntária durante o sono.

Sex toy original

Mas a exposição do Museu Judaico de Berlim também oferece um contraponto: o Water Slyde, lançado em 2014 pela judia ortodoxa Maureen Pollack, visando a saúde sexual feminina. O dispositivo altamente antiortodoxo preenche duas funções: estimulador e ducha vaginal. Ele foi desenvolvido com a bênção de um rabino – como meio de promover a intimidade entre os cônjuges.

A milenar cultura judaica é cheia de proibições e restrições, mas também tem uma outra tradição: a de ser aberto consigo mesmo. “E é precisamente nessa tradição que se situa a mostra em Berlim”, arremata a intelectual Anna Narinsky. Sem medo nem falso páthos, os curadores apresentam para debates os tópicos íntimos centrais da cultura judaica.

“Eu realmente gostei do fato de que sexo e religião foram retratados com o mesmo respeito, mas também com o mesmo grau de humor”, comenta a cineasta. “Essa é a ideia central, que está muito próxima do meu coração. Tradições e crenças não exigem que a gente negue a própria identidade. Pelo contrário: elas nos encorajam a não nos trairmos- sob nenhuma circunstância. Nem a nós mesmos, nem aos nossos vizinhos.”