25/08/2001 - 7:00
Todos os anos, a subsidiária brasileira da Motorola recebe pedidos de empresas como fabricantes de peças para carros, televisores ou aparelhos de som interessados em encomendar chips para a modernização de seus produtos. Elas não querem o estado da arte da tecnologia, mas circuitos eletrônicos, ainda que ultrapassados, que substituam seus sistemas mecânicos. O potencial de negócios nesse ramo é de milhões de dólares. Mas, por incrível que pareça, a Motorola responde geralmente com um sonoro ?não? à maioria das solicitações. ?Falta interesse da matriz em desenvolver esses componentes, considerados obsoletos nos Estados Unidos e Europa?, explica Antonio Calmon, diretor de semicondutores da multinacional para a América Latina. O mais intrigante é que a companhia não entra neste mercado mesmo passando pela sua pior crise financeira. No semestre passado, acumulou um prejuízo de US$ 438 milhões ? a primeira vez em 16 anos que entra no vermelho. Agora, Calmon encontrou a saída para o dilema: a Motorola acaba de fechar um acordo com o governo gaúcho e o Ministério da Ciência e Tecnologia, além de pequenas indústrias de informática e telecomunicações, para a construção da primeira fábrica de protótipos de chips da América Latina ? o Ceitec. A unidade, a ser construída em Porto Alegre a um custo de R$ 100 milhões, fará os testes do que se pode chamar de ?chips tropicalizados?. São
menos sofisticados, mais baratos e destinados a mercados
carentes de aparelhos modernos.
Até agora, somente a Intel teve a coragem de investir em uma fábrica de chips na América Latina, mais precisamente na Costa Rica. A diferença, segundo Calmon, é que a unidade de Porto Alegre faz parte de uma estratégia muito mais importante. ?A fábrica será responsável pela fase final de desenvolvimento de chips. Depois vem a produção em série, que não tem muitos segredos e pode ser realizada por qualquer companhia, como a Flextronics.? A Motorola brasileira tem se dedicado desde 1997 a estudar meios de se inserir internacionalmente no mercado de chips. Seu parque industrial em Jaguariúna, no interior de São Paulo, foi o responsável pela criação do primeiro chip da empresa para televisores. ?Mas a gente projetava os produtos e tinha de testá-los e produzi-los em outro país.? Agora, Calmon recebeu autorização da matriz para construir uma fábrica de protótipos de chips.
Só que os tempos andam magros na Motorola, e a saída foi buscar parcerias, o que resultou na criação do Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada ? o Ceitec. A Motorola doará US$ 10 milhões em equipamentos. A construção do prédio, que tem início em 2002, e a doação do terreno ficam a cargo dos outros parceiros. A fábrica aceitará pedidos de qualquer companhia, inclusive da Intel
ou NEC. ?Isto não nos preocupa. Existem contratos que garantem
o sigilo dos protótipos testados?, afirma Calmon. Além disso, a empresa concluiu um acordo com a Unicamp e a USP para a
criação de um laboratório de estudos de materiais para semicondutores, como o silício e o gerânio. O que praticamente fecha o ciclo da produção de chips. ?Só não vamos fabricar os componentes no País porque ainda não temos escala.?
A decisão de abocanhar o mercado de ?chips tropicalizados?
coincide com os boatos que circulam em Wall Street de que a Motorola pretende vender sua divisão de semicondutores. ?Não
faz sentido. Os semicondutores são um dos setores que mais
geram receita para a companhia?, afirma Calmon. O executivo
parece ter descoberto um nicho para enfrentar a redução mundial
do mercado de semicondutores, que deve cair 25% neste ano por causa do desaquecimento econômico mundial. ?Só no Brasil existem 27 milhões de pessoas sem condições de comprar um equipamento de última geração. Eles poderão se tornar consumidores se tiverem aparelhos mais baratos.? A divisão de semicondutores pode ser a catalisadora de um crescimento de receita que a Motorola
persegue desesperadamente.