O movimento antivacina acaba de receber mais um golpe. A edição de  setembro da revista da Academia Americana de Pediatria trouxe mais um  ataque das autoridades contra os partidários da não imunização. A partir  de agora, pediatras norte-americanos podem se recusar a atender pais  com filhos não imunizados.

Vacinar é uma das formas mais  efetivas e de menor custo para reduzir a mortalidade infantil, conforme a  Organização Mundial da Saúde (OMS). No entanto, Europa, Estados Unidos  e, aos poucos, Brasil, precisam lidar com uma pedra no sapato: pais que  se recusam a vacinar as crianças.

A escolha, aparentemente  individual, afeta todo mundo: a lógica da vacina é que imunizar uma  população impede que o vírus se propague. Portanto, quanto mais pessoas  vulneráveis, mais chances o agente invasor tem de causar doenças.

Conforme  o médico Guido Levi, ex-vice-presidente da Sociedade Brasileira de  Imunizações, escreve no livro “Recusa de Vacinas: causas e  consequências”, entre as ações pregadas pelo movimento antivacina estão  retardar o início da vacinação até que o sistema imunológico esteja mais  maduro, separar as vacinas para absorver o remédio isoladamente (não em  uma única dose) e aumentar o tempo entre as imunizações.

‘Natureba’

Se  antes o movimento antivacina era encampado por religiosos ou  conspiradores contra a indústria farmacêutica, hoje ele está cada vez  mais “natureba”. O esforço agora também é contra a “artificialidade” da  vacina, que supostamente desregularia o sistema imunológico da criança a  partir de um remédio não natural (na verdade, a vacina é feita com  agentes encontrados na natureza).

“Isso é um mito. O  sistema imunológico é capaz e deve ser estimulado com a vacina para  proteger a criança. Só porque a doença não existe mais no país você não  vai vacinar? Ainda há doenças que existem em outros países, como a pólio  ou o sarampo”, afirma Carla Domingues, coordenadora-geral do Programa  Nacional de Imunização do Ministério da Saúde.

O sapato  começou a apertar o pé das autoridades em 1982, com o documentário “DPT:  Vaccine Roulette”. O filme causou uma grande polêmica ao associar a  vacina tríplice bacteriana, que protege contra difteria, tétano e  coqueluche, a danos cerebrais. A partir de então, as desconfianças  passaram a entrar de vez em pauta.

Um avanço histórico na  medicina passou a ser associado a consequências bem mais complicadas do  que uma simples dor no braço. Ali, a chama começou. Mas o fogo só foi  virar incêndio com o médico britânico Andrew Wakefield.

Em  1998, ele espantou a comunidade científica com um estudo publicado na  prestigiadíssima revista científica “The Lancet”. Ele analisou 12  crianças portadoras de autismo, das quais oito manifestaram os primeiros  sintomas da síndrome apenas duas semanas após tomarem a tríplice viral,  que protege contra caxumba, sarampo e rubéola.

Conforme  Wakefield, o sistema imunológico delas entrou em “pane” após os  estímulos “excessivos” da vacina ao sistema imunológico. Como  resultados, foi diagnosticada uma inflamação do intestino que levaria  toxinas ao cérebro. Os resultados apareceram em jornais e tevês do mundo  inteiro.

Wakefield, no entanto, pouco a pouco começou a  ser desmascarado. Uma série de investigações descobriu que algumas  crianças voluntárias do estudo haviam sido indicadas por um escritório  de advocacia que queria entrar com ações contra a indústria  farmacêutica.

Em 2010, a “The Lancet” retirou o estudo de  seu site. No mesmo ano, o Conselho Britânico de Medicina cassou a  licença de Wakefield e ele não pôde mais atender pacientes no Reino  Unido.

Mas o estrago havia sido feito. Nos Estados  Unidos, por exemplo, o sarampo atingiu 189 pessoas em 2013, após estar  erradicado há quase 15 anos, segundo o Centro de Controle e Prevenção de  Doenças (CDC).

Para controlar o estrago, vários Estados  não permitem a matrícula de alunos sem a apresentação da carteira de  vacinação completa. A nova posição da Academia Americana de Pediatria,  que autoriza pediatras a não receberem crianças não vacinadas no  consultório, com o intuito de conter uma possível infecção de crianças  não vacinadas por serem alérgicas ou imunossuprimidas, é outra  tentativa. Apesar disso, quase todos os Estados permitem a isenção de  vacinas em crianças caso a família alegue motivos religiosos.

O  assunto ainda desperta a curiosidade em pais de primeira viagem. Em  2014, o médico francês Bernard Dalbergue, ex-funcionário do laboratório  Merck, Sharp and Dohme (MSD) publicou o livro ‘Omerta dans les labos  pharmaceutiques: confessions d’un médecin’ (Omerta nos laboratórios  farmacêuticos: confissões de um médico), no qual supostamente revela as  entranhas da indústria farmacêutica.

No livro, Dalbergue  afirma que muitas das vacinas vendidas carecem de estudos aprofundados e  que não entregam o que promete. Como resposta, ele foi acusado de  querer se vingar da empresa após ser demitido.

Questionamentos  dessa ordem acontecem em um contexto no qual a medicina avança e a  população não convive mais com a doença e, é claro, seus efeitos, afirma  Lessandra Michelin, coordenadora do comitê de imunizações da Sociedade  Brasileira de Infectologia. “As pessoas falam contra a vacina porque não  têm mais contato com essas doenças, não viram seus efeitos”, diz.

O  medo das autoridades é que nós comecemos a voltar séculos atrás, quando  doenças relativamente simples causavam milhares de mortes. “O  desenvolvimento das vacinas, no século 20, foi um dos grandes avanços da  medicina, junto com antibióticos. Ela é de extrema importância para  todos e traz benefícios não só para a criança vacinada, mas para todos  que entram em contato com ela”, ressaltou Luciana Rodrigues Silva,  presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria.