Se vivesse hoje, o célebre compositor teria incontáveis curtidas no Instagram. Mas ele tinha amigos de verdade ou será que viveu apenas para a música? Questões como essa serão exploradas no Festival Mozart de Würzburg.Se o célebre compositor Wolfgang Amadeus Mozart fosse uma criança prodígio nos dias de hoje, ele provavelmente teria milhões de seguidores nas redes sociais. Mas, já no século 18, o pai de Mozart, Leopoldo, alertou o filho contra os falsos amigos – os invejosos, mas também os bajuladores que lhe diriam o que ele queria ouvir.

O Festival Mozart de Würzburg deste ano aborda as amizades e supostos amigos de Mozart em mundos paralelos digitais. Seu lema, “Aber durch Töne: Freund Mozart” (“Através dos sons – o amigo Mozart”), sugere que ele preferia se comunicar pela música.

“Uma amizade verdadeira requer confiança e compreensão mútua”, diz a diretora artística do festival, Evelyn Meining, acrescentando que nada pode substituir uma amizade verdadeira, não importa o número de seguidores virtuais.

Maior e mais antigo evento musical na Alemanha em torno da obra do compositor, o Festival Mozart de Würzburg é aberto todos os anos na Residência de Würzburg, palácio reconhecido como patrimônio cultural da humanidade pela Organização das Nações Unidas Para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).

Uma vida inteira cercado por músicos

Mozart causou sensação em meados do século 18 como uma criança prodígio. Ele viajou durante anos com o pai pela Europa e impressionou as nobrezas das cortes com seu talento no violino e no piano. Não havia tempo para amizades intensas com outras crianças. “É claro que a família era muito focada em si mesma; esse vínculo era particularmente forte no início da década de 1760”, explica Meining à DW.

Mesmo em outras épocas, não seria possível imaginar Mozart em aconchegantes festas regadas a vinho ou em churrascos com amigos. “Eram relacionamentos mais do contexto musical; colegas, amigos músicos, professores, patronos ou músicos de orquestra.” No caso de Mozart, amizades e música não podem ser separadas.

Joseph Haydn, o amigo paternal

Mozart ainda é considerado um modelo para muitos músicos nos dias de hoje. Ele próprio também teve modelos, como o compositor Joseph Haydn e o filho de Bach, Johann Christian Bach, a quem admirava por sua música elegante e leve. Apesar de Haydn ser 24 anos mais velho do que ele, Mozart escreveu em cartas que ele era seu “amigo mais querido”. Em 1785, ele dedicou seis composições para quartetos de cordas a Haydn e lhes entregou as partituras com uma nota que dizia que elas eram seus “filhos” – uma alusão à amigável relação paternal entre ambos.

Entre os intérpretes, o trompista Joseph Leutgeb era um dos amigos mais próximos de Mozart, a quem ele escrevia provocações engraçadas na partitura, como “Para você, Sr. Burro”. Mozart também era amigo de Anton Stadler, um dos melhores clarinetistas de sua época, para quem ele compôs um quinteto e um concerto para clarinete. Mais tarde, à medida que Mozart ficava cada vez mais doente e solitário, ele escreveu que a música era essencialmente sua única amiga.

Os supostos falsos amigos

O pai de Mozart o alertou sobre falsos amigos. O filme Amadeus, de Milos Forman, de 1984, mostra Antonio Salieri, retratado como um compositor medíocre, como adversário de Mozart. O filme conta que ele era um falso amigo que conspirou contra Mozart pelas costas e até o envenenou. Embora refutada há muito tempo, essa história permaneceu na memória coletiva.

No Festival de Mozart, Evelyn Meining quer acabar com esses clichês. “Salieri não era um competidor malvado. Isso está completamente errado”, diz a diretora artística. Ele não foi um fracasso à sombra de Mozart, mas um compositor respeitado na corte. “Mozart e Salieri tinham um ao outro em alta estima.”

O “Mozart Negro”

Joseph Bologne, ou Chevalier de Saint-Georges, também foi retratado como um rival de Mozart na literatura e no filme Chevalier (2022), do diretor Stephen Williams.

Nascido em Guadalupe em 1745, filho de um nobre francês branco e uma escrava negra, ele foi para a França quando criança e, ainda jovem, fez seu nome como violinista e compositor. Mais tarde, Haydn compôs para a orquestra de Bologne. Ele chegou a ser cogitado para o cargo de diretor da Academia Real de Música, mas a discriminação racial impediu sua nomeação.

O duelo de violinos entre Mozart e Bologne, com o qual o filme começa, nunca aconteceu de fato. É questionável se Bologne, que era nove anos mais velho, sequer teria tido contato direto com Mozart. “Essa é mais uma perspectiva histórica” que apenas “reúne compositores que compuseram na mesma época e que eram artistas celebrados em seus círculos”, afirma Meining. O termo “Mozart negro” utilizado para descrever Joseph Bologne foi cunhado postumamente.

Amizades entre artistas no Festival de Mozart

As amizades também desempenham um papel especial entre os artistas do Festival Mozart deste ano. Na abertura, os amigos Nils Mönkemeyer (viola) e William Youn (piano) subiram ao palco, acompanhados pela Ensemble Resonanz sob a regência de Riccardo Minasi. Mönkemeyer e Youn se conheceram através da música. Eles amam Mozart, mas queriam algo moderno para sua apresentação.

Assim sendo, a composição foi comissionada a Manfred Trojahn, conhecido por produzir óperas modernas. Ele escreveu o concerto duplo Trame lunari – uma composição elaborada para dois solistas – para viola, piano e orquestra de câmara especialmente para essa combinação incomum de instrumentos.

Trame lunari significa algo como teias lunares. “Há muitas mudanças de cor na peça, muitas nuances de iluminação; é a isso que o título se refere”, explicou Trojahn à DW. Ele diz apreciar a transparência e leveza da música de Mozart, características que incorporou à composição preparada para o festival.

Mönkemeyer e Youn formam uma dupla bem ensaiada. Eles saboreavam os sons, às vezes extremamente delicados, de uma forma diferenciada e sensível. O público ficou entusiasmado, não apenas com os solistas, mas também com a orquestra, que fez ainda uma apresentação animada da Sinfonia Haffner de Mozart.

Amizade ontem e hoje

Sejam bons ou falsos amigos, profissionais da cultura poderão trocar ideias sobre o tema da amizade no “Laboratório Mozart” do festival em Würzburg, onde o foco está nas associações de artistas e redes sociais, “porque, é claro, estamos no meio de uma transformação social revolucionária, fortemente impulsionada por novos desenvolvimentos digitais, como a internet, as mídias sociais e a inteligência artificial”, diz Meining.

Ciente disso, o festival, que segue até 22 de junho, promoverá concertos em casas particulares, onde pessoas com ideias semelhantes se reunirão e talvez possam redescobrir a música como um “meio de amizade”. Desta forma, novas relações pessoais podem surgir de encontros casuais.