A investigação do Ministério Público de São Paulo sobre supostos crimes cometidos por médicos e diretores da Prevent Senior na pandemia selecionou 51 casos de pacientes cujos prontuários passam por análise de peritos. Nos inquéritos, estão entre as suspeitas desde a inserção de informações falsas em documentos a homicídios, o que pode levar agentes da operadora a júri popular.

Nos Ministérios Públicos Estadual (MPE), do Trabalho (MPT) e Federal (MPF), três forças-tarefa se reuniram para apurar possíveis danos nas áreas penal, cível e trabalhista. Cada ramo atua de forma independente, mas há trocas de informações. As investigações iniciaram após o compartilhamento dos relatórios das CPIs da Covid, no Senado, e da Prevent, na Câmara Municipal de São Paulo.

Em São Paulo, CPI da Prevent Senior entrega relatório final ao MPT

O número de casos investigados subiu conforme avançaram depoimentos e acesso a documentos internos dos hospitais da empresa, fornecidos por força de um acordo com o MPE. Do total de casos, dez estão próximos de uma conclusão. Entre as peças-chave está o cruzamento de informações que médicos faziam constar em prontuários com depoimentos. Os promotores e procuradores de Justiça não se manifestam sobre os inquéritos, mas o Estadão teve acesso ao material.

Por meio de nota, a Prevent afirma ter a “convicção de que investigações técnicas, sem contornos políticos, possam restabelecer a verdade dos fatos”. A empresa lembra ainda que a Polícia Civil isentou profissionais de crimes e irregularidades. Segundo a polícia, que citou, mas não ouviu paciente ou parente, “não foram encontrados elementos informativos caracterizadores de ilícito penal”. Os três ramos do MP, porém, ignoram as conclusões.

“Estamos estudando a proposição de uma ação conjunta por danos morais coletivos”, afirmou o procurador Murillo Diniz, do MPT. “Não fazemos nenhuma ação política ou midiática. Nossa investigação é técnica. E teremos uma solução para o caso ainda neste ano.”

Em outra frente, a Prevent entrou com ações na Justiça comum nas quais pede indenização de R$ 600 mil por danos morais de médicos e uma advogada, que relataram supostas irregularidades. Já do paciente Tadeu Andrade, que foi ouvido pela CPI do Senado e pelo MPE, e contou ter recebido indicação de tratamento paliativo, são cobrados R$ 100 mil. Uma médica da Prevent que teria tentado convencer as filhas dele a adotar o paliativo foi a única com pedido de indiciamento feito pelos senadores por tentativa de homicídio.

A empresa não se manifestou sobre as ações que move contra médicos e Andrade. A Prevent também fez representações contra médicos nos Conselhos Regional e Federal de Medicina. A conduta fez o MPT incluir as ações contra os profissionais na investigação que apura suposto assédio moral e judicial praticado pela empresa.

Surpresa

Nos casos sob responsabilidade do MPE, o Estadão ouviu famílias que afirmam ter sido surpreendidas com os prontuários. Há registros de uso de remédios ineficazes sem conhecimento prévio – como cloroquina, ivermectina e flutamida, usado para tratar câncer de próstata – e supostas autorizações para tratamento paliativo.

No prontuário de Irene Pinto Castilho, que morreu aos 71 anos em abril de 2021, está, por exemplo, a autorização de sua filha, Katia, mas ela nega ter assentido. O documento mostra que ela rejeitou ainda a flutamida, mas, mesmo assim, sua mãe foi tratada com o medicamento. Alérgica, Irene tomou também dipirona. “Ela teve um choque anafilático”, afirmou Katia.

Pacientes foram, ainda, enviados a um hospital de campanha, mesmo em estado grave. Foi o caso de Sueli Oliveira Pereira, de 70 anos, que morreu no local. Ela recebeu ivermectina e bicalutamida, outro remédio para câncer de próstata, sem conhecimento de seu filho Luiz Cezar Oliveira. “Tiraram a minha mãe de um hospital onde tinha UTI e levaram para um hospital de campanha. Tiraram a única chance que ela tinha dando essa medicação”, disse Oliveira ao Estadão.

Operadora diz que relatório da Polícia Civil já isentou médicos

A Prevent Senior afirma, em nota, manter a “convicção de que investigações técnicas, sem contornos políticos, possam restabelecer a verdade dos fatos, como já ocorreu no relatório final enviado ao Ministério Público pela Polícia Civil de São Paulo, que inocentou os profissionais da empresa da prática de crimes e irregularidades”.

Ainda em nota, a empresa diz que “tem total confiança na responsabilidade dos promotores das várias esferas do Ministério Público e não pode comentar casos específicos sem ferir o sigilo de prontuários médicos, protegidos legalmente”.

Questionada sobre as ações contra médicos que fizeram denúncias contra a operadora e contra o paciente Tadeu Andrade, a empresa não comentou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.