09/06/2017 - 18:23
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro recorreu à beleza das praias e montanhas do distrito de Ponta Negra, no município fluminense de Maricá, para reforçar seus argumentos contra a construção de um terminal portuário na localidade. Nesta semana, o MP-RJ lançou o documentário Beachrocks em Chamas, uma iniciativa pioneira que traz, desde as primeiras cenas, ambientalistas, moradores e pesquisadores dizendo “não” ao polêmico empreendimento, que é defendido pela prefeitura de Maricá e pela Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro por gerar empregos e impostos.
Com 55 minutos, o longa foi dirigido, produzido e escrito pelo técnico judiciário do próprio MP Raphael Kindlovits, que também é formado em cinema. “Me preocupei muito com a narrativa. Pensei nos impactos que o terminal teria e contei em cada parte do filme”, diz o servidor. O lançamento ocorreu na última quinta-feira (8), na sede do MP-RJ.
O pedido para a produção do filme veio do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Gaema), que move uma ação civil pública para reverter o licenciamento prévio obtido para a obra no Instituto Estadual do Ambiente (Inea). Entre os principais argumentos do MP está a presença no local das formações rochosas chamadas beachrocks, arenitos de praia que despontam da areia e servem como testemunhas das variações do nível do mar no passado.
As beachrocks de Jaconé, no distrito de Ponta Negra, têm outra importância para a ciência: em sua passagem pelo Brasil, Charles Darwin descreveu as formações rochosas em suas anotações sobre a viagem pelo litoral fluminense. O “caminho de Darwin” é considerado de importância histórica para a ciência, já que o britânico é autor da teoria da evolução das espécies. Em 2011, a pesquisadora Kátia Mansur, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, publicou um artigo relacionando a descrição de Darwin às pedras de Ponta Negra: “Ele era um geólogo jovem, de 23 anos, deslumbrado com o mundo tropical, e que viu pela primeira vez no Brasil a biodiversidade”.
A empresa DTA Engenharia, responsável pelo empreendimento Terminais Ponta Negra (TPN), reconhece que há cerca de 100 metros de formações rochosas que coincidem com a área do projeto. “Esta questão está sob avaliação das autoridades ambientais e a DTA atenderá rigorosamente a todas as exigências determinadas pelos órgãos de regulação. A empresa se comprometeu inclusive a criar o Programa de Valorização do Patrimônio Geológico, com o objetivo de preservar e incentivar as pesquisas, além de dar visibilidade a este trabalho”, diz a empresa.
Para a geóloga e técnica pericial do Ministério Público Adriana Lima, mesmo nas áreas em que a obra não coincidir com as beachrocks haverá impacto sobre as rochas, porque vai criar um processo de erosão e sedimentação “que vai acabar encobrindo o que a gente consegue ver ou erodindo os que estão mais visíveis”.
O documentário traz também o depoimento de famílias que moram em Jaconé e temem o projeto. Criada em um loteamento em Jaconé onde sua família mora há cerca de 50 anos, a secretária Izabela da Costa Silva, de 36 anos, acompanhou o lançamento do filme em que ela também narra sua história. Izabela conta que vizinhos já tiveram as casas avaliadas para uma possível negociação, mas ela não pretende sair: “Me distanciar daquele lugar que me faz tão bem? Muitas pessoas, quando vão lá, se sentem maravilhadas, impressionadas com a beleza. Eu vou continuar lutando, sim”.
Sobre as famílias que habitam o local, a DTA afirma que, na primeira fase do empreendimento, não serão necessárias desapropriações. “Na etapa posterior, há um pequeno grupo de casas situadas em área de operação do porto. Neste caso, a empresa vai buscar, em parceria com moradores, uma solução de consenso”.
A história dos moradores e da passagem de Charles Darwin é explicada no filme. O coordenador do Gaema, promotor de Justiça Marcus Leal, pretende convencer a população a se engajar no processo. Por isso, explica que o documentário foi produzido em linguagem acessível, “que pudesse levar a essas pessoas a importância da participação da sociedade”.
Investimentos e empregos
Atuando contra o empreendimento, o Ministério Público argumenta que a instalação do terminal portuário causará danos às beachrocks e exigirá um desmatamento de 150 hectares. Ao mesmo tempo em que tenta suspender o licenciamento, o MP busca garantir o tombamento das beachrocks, o que já foi concedido em decisão liminar, explica Marcus Leal. “É um empreendimento privado que o Estado chancela como de interesse público”, questiona o promotor.
Em sua argumentação a favor do projeto na Justiça, a Procuradoria-Geral do Estado afirma que a interrupção do processo de licenciamento causa “grande impacto à ordem pública, econômica e social do estado do Rio de Janeiro”, pela paralisação de empreendimento com investimentos privados.
Outro questionamento do Ministério Público é sobre a mudança do zoneamento do distrito de Maricá, que foi alterado para permitir a realização de atividades industriais. O MP afirma também que não houve participação popular na mudança.
A prefeitura nega e afirma que a alegação do MP é improcedente. “As alterações na legislação foram objeto de ampla discussão, cumpriram os trâmites legislativos necessários na Câmara Municipal e contaram com a participação da população, inclusive em audiência pública”, diz a Secretaria Municipal de Comunicação, que considera o terminal uma alternativa de desenvolvimento sustentável.
Ainda de acordo com as informações da secretaria, o projeto TPN vai gerar em torno de 13 mil empregos diretos e indiretos no município, sendo uma alternativa econômica de desenvolvimento sustentável para Maricá, porque “permitirá à cidade crescer e melhorar a qualidade de vida da população, independentemente dos recursos finitos da extração do petróleo do pré-sal”.
De outro lado, a DTA Engenharia diz ainda que 70% das obras serão realizados em um terreno baldio, em área onde existiu um campo de golfe na década de 80. O terreno de 573 hectares do terminal, segundo a DTA, tem 350 hectares de Mata Atlântica que não serão derrubados. A vegetação que for suprimida, segundo a construtora, será compensada segundo a regulação ambiental.
A empresa afirma também que o projeto Terminais Ponta Negra conta com investimento de R$ 5,2 bilhões, criando 5 mil empregos diretos e 13 mil indiretos para a região. “Quando em operação, os negócios relacionados ao porto devem movimentar R$ 2,1 bilhões por ano na economia local, com geração de impostos, municipal, estadual e federal na ordem de R$ 490 milhões ao ano”, assegura.