14/03/2019 - 14:42
O Ministério Público Federal propôs ação civil pública com pedido de liminar para que a Polícia Federal suspenda os processos de análise e concessão de novos Certificados de Registro de Armas de Fogo (Craf) na Baixada Fluminense, ou não aplique na permissão as novas regras previstas no decreto de Bolsonaro, o Decreto nº 9.685/2019.
Para o procurador da República Julio José Araujo Junior, “o decreto é ilegal, ao contrariar o Estatuto do Desarmamento (lei 10.826/2003), generalizando o requisito de comprovação de efetiva necessidade para a aquisição de armas de fogo por pessoas físicas”.
Uma ação semelhante já foi movida pelo Ministério Público Federal em Goiás. Na ação, que foi precedida de representação da entidade Fórum Grita Baixada, o MPF alega que o Decreto nº 9.685/2019, sob o pretexto de regulamentar o Estatuto do Desarmamento (lei 10.826/2003) e rever o decreto anterior (nº 5.123/2004), “contrariou os termos da lei, alterando as suas premissas e avançando sobre competência do Poder Legislativo, em afronta à separação de poderes”.
A legislação prevê a declaração de efetiva necessidade de arma de fogo, em conjunto com os demais requisitos legalmente previstos, que devem ser analisados de maneira prévia, específica, pessoal e individualizada para a concessão de Certificados de Registro de Armas de Fogo.
Já o novo decreto “toma como base o simples aspecto geográfico (área rural ou área urbana em unidade federativa com índice anual de mais de dez homicídios por 100 mil) ou profissional (titulares ou responsáveis por estabelecimentos comerciais e industriais), sem estabelecer critérios estritos para a aferição da efetiva necessidade da arma de fogo”.
“As mudanças trazidas pelo Decreto nº 9685/2019 não configuram simples mudança de política governamental, mas sim estipulam disposições contrárias ao próprio texto da Lei nº 10.826/2003”, sustenta o procurador. “Em vez de uma política de restrição e controle pelo Estado do acesso a armas de fogo, como se extrai das balizas firmadas pela lei, o novo decreto incorre em regulamentação que, sob o pretexto de conferir novos parâmetros limitadores, promove a ampla liberação da posse de armas de fogo”, alerta.
Impacto desproporcional sobre determinados grupos sociais
A ação do Ministério Público Federal destaca que, conforme apontado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), “o decreto não atende ao objetivo alegado de conferir maior segurança à população”.
O número de homicídios por arma de fogo passou de 6.104, em 1980, para 42.291, em 2014, o que demonstra que armas de fogo continuam sendo usadas em grande quantidade, causando maior violência e insegurança, e não o contrário, afirma a Procuradoria.
A ação aponta que 94,4% das vítimas de homicídio por arma de fogo são do sexo masculino e 71,5% das pessoas assassinadas a cada ano no país são pretas ou pardas. O documento indica ainda que a maioria é jovem, entre 15 e 29 anos. “Constata-se, assim, que o aumento de posse de armas de fogo tem um grande potencial para causar impacto sobre um público específico, jovem e negro”, explica o procurador Julio Jose Araujo Junior no processo.
Especificamente na Baixada Fluminense, de acordo com o Fórum Grita Baixada, houve 2142 casos de letalidade violenta em 2018, ou seja, 56 mortas a cada 100 mil habitantes, sendo 71,2% causadas por homicídio.
O maior índice é o de Japeri (102,92), seguido por Itaguaí (93,72), Queimados (83,74), Belford Roxo (62,72) e Nova Iguaçu (59,47). O perfil das vítimas é de jovens (até 24 anos), geralmente pretos e pardos, do sexo masculino, com baixa escolaridade.
Para o Ministério Público Federal, as mudanças do novo decreto “acarretam uma discriminação indireta sobre a população negra e jovem, gerando um impacto desproporcional nesse grupo”.
“Apesar das novas regras serem aparentemente neutras, seus efeitos são adversos a essa determinada parcela da população, mais exposta à violência e ao aumento dos homicídios”, diz a ação civil. “Além disso, prescindir da demonstração da efetiva necessidade, pode ensejar o aumento de ocorrências de homicídios por motivos banais e de feminicídios.”
Ao final do julgamento da ação, o MPF pede que seja declarada a ilegalidade do artigo 12, § 1º e § 7º, incisos III e IV do Decreto nº 9.685/2019, e que a Delegacia de Polícia Federal de Nova Iguaçu não emita CRAFs sem a análise prévia, específica, pessoal e individualizada do requisito legal da efetiva necessidade, adotando a sistemática prevista pelo Decreto nº 5.123/2004.