07/11/2022 - 6:25
De saída da Presidência do Brasil, Jair Bolsonaro não é esperado no encontro de chefes de Estado programado para ocorrer no âmbito da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP27), realizada no Egito deste domingo (06/11) até 18 de novembro. Com nomes confirmados como Joe Biden, líder dos Estados Unidos, uma das presenças mais aguardadas é a do próximo presidente brasileiro: Luiz Inácio Lula da Silva.
Ainda sem poder para decidir o rumo das negociações da delegação brasileira, o vencedor das eleições contra Bolsonaro deve comparecer à reunião organizada pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (Unfccc), na segunda semana das negociações.
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“A presença do Lula é um sinal muito positivo, sinal de um país que se volta para o mundo depois de anos como pária”, comenta Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente que será uma das conselheiras da Presidência na Conferência do Clima no Egito.
Em entrevista à DW, Teixeira afirmou que há uma grande demanda de delegações importantes para encontros com o governo de transição. A expectativa é que as discussões vão além de cooperações internacionais para a conservação da Amazônia.
“O Brasil chegará renovado, pautado pela sua democracia, por sua grande capacidade técnica na ciência, por sua juventude e povos indígenas. O mundo está esperando pelo Brasil”, declara Teixeira.
Alta nas emissões e no desmatamento
Sob chefia do atual ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, a delegação oficial vê a COP27 como momento de reafirmação dos compromissos de todos os países com a mitigação da mudança do clima, em particular os maiores emissores, informou o Itamaraty por email à DW.
Depois de China, Estados Unidos, Índia, Indonésia e Rússia, o Brasil é o sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, aponta uma plataforma dedicada ao tema mantida pelo World Resources Institute (WRI), com informações coletadas até 2019.
Desde então, os números só pioraram, como destaca Stela Herschmann, especialista do Observatório do Clima que acompanha as negociações no Egito. “O ano de 2021 foi o quarto seguido de alta nas emissões nacionais, puxada principalmente pelo aumento do desmatamento, ano após ano, critica.
Paralelamente aos órgãos oficiais, a carga de CO2 lançada na atmosfera anualmente pelo país é calculada pelo Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), projeto que reúne 77 organizações sob liderança do Observatório do Clima. O último levantamento mostrou que em 2021 as emissões chegaram ao maior nível em quase duas décadas, com 2,42 bilhões de toneladas brutas de CO2 (tCO2e).
A redução global de emissões de CO2 é a chave para o mundo atingir a meta estabelecida no Acordo de Paris: limitar até o fim do século o aquecimento do planeta a 1,5 °C em relação à era pré-industrial.
“O Brasil oficial que chega às negociações com representantes do atual governo brasileiro tem a identidade climática que vai do terraplanismo ao negacionismo, mas que concretamente entrega alta nas emissões e no desmatamento”, comenta Teixeira.
Omissão e isolamento
Logo que chegou à Presidência, em 2019, Bolsonaro avisou que o Brasil não iria sediar, como planejado três anos antes, a COP25. A mensagem negativa ecoou, e a imagem do país se deteriorou no cenário internacional a cada edição da conferência.
“Os dados só foram mostrando a destruição da Floresta Amazônica. E na COP26, em Glasgow, o governo escondeu os dados de desmatamento do Prodes”, pontua Herschmann, lembrando que a informação é divulgada anualmente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em meados de novembro.
Nos bastidores, acredita-se que o governo Bolsonaro dê ênfase ao tema energia em reuniões e eventos no pavilhão oficial. “Até no setor de energia a notícia é ruim. O Seeg mostrou que as emissões dessa atividade são as maiores desde a década de 1970”, destaca Hershmann.
Em sua Conferência do Clima de despedida, o isolamento internacional do atual governo visto nas COPs anteriores deve permanecer. “Foram quatro anos não só de abandono, mas de uma guerra declarada contra a agenda ambiental e climática, contra os povos indígenas, a Amazônia, contra as próprias agências federais que cuidam do meio ambiente”, analisa Carlos Rittl, especialista em políticas públicas da Rainforest Foundation da Noruega.
“Queremos, como país, voltar a ser parte da solução, e não parte do problema, como nos últimos quatro anos. A sociedade civil se preparou muito para essa transição, temos propostas muito concretas para discutir, tudo baseado em ciência”, diz Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade.
De olho no Brasil do futuro
Sem diálogo com o governo Bolsonaro, a sociedade civil cresceu em número, aumentou a interlocução internacional e ganha cada vez mais espaço nas COPs. Desde 2019, as organizações movimentam o Brazil Climate Action Hub, criado para dar visibilidade à ação climática no país.
“Infelizmente ainda estamos chegando ao Egito divididos, com um pavilhão do governo federal, outro da sociedade civil, e um terceiro dos governadores da Amazônia. A esperança é chegarmos unidos à próxima COP. A presença de Lula demonstra que o Brasil quer levar adiante a esperança e determinação de ser um player fundamental no combate às mudanças climáticas”, diz Ana Toni.
Na COP27, Lula deve dar mostras de que retomará políticas para reduzir o desmatamento na Amazônia que foram abandonadas sob Bolsonaro e terá um maior compromisso com a proteção climática, avalia Rittl.
“O Fundo Amazônia foi negociado na gestão de Lula, assim como as metas da Política Nacional de Mudanças Climáticas. A retomada dessas políticas, no entanto, deve ser adaptada aos tempos de 2023, com a urgência necessária com a qual a gente tem que tratar esse temas”, adiciona Rittl.
Na semana passada, o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS) enviou uma carta a Lula pedindo que o Brasil seja recolocado no centro das negociações climáticas globais e que o futuro presidente sinalize a vontade de o Brasil sediar a cúpula climática em 2025.
Para Izabella Teixeira, é hora de o Brasil decidir que papel e posição que quer ter no mundo. “É um país cheio de contradições, com muito trabalho pela frente, mas que tem alternativas e muitas singularidades, como a Amazônia. Não precisamos copiar o modelo de ninguém, temos que saber o que vamos fazer com essa riqueza que temos no país”, opina.