10/08/2021 - 21:27
Andrew Cuomo, que recentemente renunciou ao cargo de governador de Nova York em meio a alegações de má conduta sexual, relacionou seu comportamento – como muitos outros políticos – à mudança das normas culturais, uma defesa que os críticos veem como uma estratégia para se esquivar da responsabilidade.
Cuomo, de 63 anos, insistiu que sempre agiu dentro dos limites, mesmo quando várias mulheres, incluindo ex-funcionárias, começaram a testemunhar contra ele.
Mas nesta terça-feira (10), uma semana após o lançamento de um relatório devastador do gabinete da procuradora-geral do estado, com alegações que incluíam toques inadequados e intimidação de acusadores, o político disse que agora percebe que os limites mudaram.
“Fiquei muito familiarizado com as pessoas. Meu senso de humor pode ser insensível e desagradável”, se defendeu o governador em um longo discurso no qual anunciou a renúncia.
“Na minha cabeça, nunca cruzei os limites com ninguém”, afirmou o governador por quase três mandatos.
“Mas não percebi até que ponto os limites foram redesenhados. Há mudanças geracionais e culturais que não processei totalmente”, frisou.
Cuomo, que frequentemente elogiava seus esforços para acabar com a discriminação no emprego, não é o único homem poderoso acusado de má conduta sexual a atribuir o comportamento imoral à ignorância.
– “Tomada de poder” –
O ex-senador Al Franken, que renunciou ao Congresso americano em 2017 após uma onda de acusações de toques e beijos não consensuais, disse que “aprendeu com histórias recentes” que cruzou “a linha para algumas mulheres”.
O próprio presidente Joe Biden enfrentou várias acusações de contato físico inadequado, que ele e seus apoiadores atribuem ao seu estilo caloroso.
“Eu invadi seu espaço. Lamento que isso tenha acontecido”, declarou Biden, quando solicitado a se desculpar durante sua campanha presidencial em 2020. “Não lamento no sentido de que acho que fiz algo que foi intencionalmente projetado para fazer algo errado ou impróprio”.
Para Jean Sinzdak, diretora do Centro de Mulheres Americanas e Política da Universidade de Rutgers, essa defesa é “um argumento insincero e sem sentido”.
“Esse comportamento sempre foi impróprio”,afirmou à AFP. “Não há nada de novo no fato de ser inapropriado”.
“O que acontece é que agora nossa sociedade entende que é impróprio, que as mulheres sofrem com isso há muito tempo, e não é mais aceitável que sofram”.
Audrey Nelson, uma especialista em comunicação de gênero do Colorado, chamou de “bode expiatório” o fato de Cuomo culpar uma desconexão geracional.
“Espaço pessoal é espaço pessoal”, disse à AFP. “Não é geracional”.
A invasão daquele espaço, “se você quiser reduzi-lo a um conceito simples, é sobre poder”, garantiu Nelson.
Ela lembrou a gestão do ex-presidente democrata Bill Clinton, acusado por várias mulheres de assédio sexual na década de 1990 e que, de acordo com Nelson, “era conhecido por puxar as pessoas” ao cumprimentá-las.
“Você estendia a mão, então ele a agarrava pelo braço e puxava”, lembrou Nelson. “É uma tomada do poder”. O mesmo acontece no caso de Cuomo, acrescentou: “É sobre conquistar”.
– “Boas intenções” –
Diversos políticos republicanos, incluindo o ex-presidente Donald Trump e o juiz da Suprema Corte Brett Kavanaugh, também foram acusados de agressão sexual.
Sinzdak elogiou o movimento #MeToo por “destacar os problemas de assédio e abuso e dar às mulheres uma voz e uma plataforma para compartilhar suas histórias”.
“Foi o equivalente a um terremoto cultural no mundo político e vamos sentir as reverberações por muito tempo”, afirmou.
Para Nelson, parte desse terremoto significa que as “intenções” – que políticos, incluindo Cuomo, citaram para explicar que nunca tiveram a intenção de machucar as vítimas – não são mais uma desculpa válida para justificar o mau comportamento.
“Sejam conscientes. Prestem atenção”, disse. “O inferno está cheio de pessoas com boas intenções”.