11/10/2024 - 7:30
O executivo Pedro Farme, CEO da multinacional americana Guy Carpenter, corretora de resseguros e consultoria de riscos, tem acompanhado de perto as transformações do mercado segurador no Brasil, principalmente depois da catástrofe das chuvas no Rio Grande do Sul. Ele ajudou a desenvolver uma nova equação de cálculo de riscos para as seguradoras, um modelo preditivo de alagamento, levando em conta a maior incidência de chuvas extremas.
A proposta é dar mais segurança às companhias e ampliar a cobertura no País. A companhia administra globalmente US$ 61 bilhões em contratos de resseguros, sendo cerca de R$ 5 bilhões no Brasil. A Guy Carpenter é uma empresa da Marsh McLennan, grupo líder mundial em gerenciamento de riscos, gestão estratégica e gestão de pessoas. Com receita anual de US$ 23 bilhões, a Marsh McLennan opera em 130 países e emprega mais de 85 mil funcionários.
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Na avaliação do executivo, as catástrofes do clima devem gerar um crescimento na demanda por seguros no Brasil, tanto por empresas quanto por pessoas que buscam proteção patrimonial. Mas esse aumento não vai colocar o País em níveis equivalentes às grandes economias no curto prazo.
Confira a entrevista:
Por que houve necessidade de antecipar a revisão dos modelos de seguro atual? Essa decisão foi tomada agora por causa do agravamento dos problemas com o clima?
Temos um histórico de lançar modelos onde os grandes provedores não atuam. Há empresas terceirizadas que desenvolvem modelos para o mercado de seguro, principalmente em áreas com catástrofes recorrentes, como o Golfo do México, Flórida, furacões no Atlântico Norte e tufões na Ásia.
No Brasil, nunca houve a percepção de risco pelos segurados, nem pelo mercado. Não havia necessidade de modelos para alagamento, vendaval ou outros riscos da natureza. Agora tem. As mudanças climáticas irão redefinir o setor de seguros no País nos próximos anos.
Mas esses eventos extremos não se limitam ao Brasil, certo?
Sem dúvida. Em várias partes do mundo, essa também não era uma realidade. Passou a ser. Por exemplo, inundações na Europa Central só começaram a ser modeladas no início dos anos 2000. O mesmo vale para granizo ou incêndios florestais, que não tinham modelos matemáticos por trás.
No Brasil, percebemos que as mudanças climáticas estavam mudando essa realidade. A incidência de ciclones extratropicais, por exemplo, aumentou substancialmente, assim como os danos econômicos. Então, o cenário está mudando em várias partes do mundo, mas chamam mais a atenção em locais em que não havia problemas.
As inundações do Rio Grande do Sul deixam essa realidade mais clara?
Sim, foi um evento de imenso impacto neste ano. Em 2023, já tivemos o terceiro maior alagamento da série histórica no Rio Grande do Sul, o que impulsionou essa discussão. Por isso, decidimos lançar um projeto para coletar dados e entender melhor esse risco no Brasil.
Então, o evento no Rio Grande do Sul acelerou esse processo?
Exato. Quando o evento ocorreu, em abril, conversamos com nossa matriz e aceleramos o desenvolvimento. Nossa prioridade inicial era apoiar a recuperação, mas logo percebemos que precisávamos quantificar esse risco para nos preparar melhor. Isso nos levou a lançar o modelo de alagamento no Brasil em agosto, como resposta ao mercado. Com a coleta de dados e informações, usamos algoritmos para prever locais que serão impactados e, assim, calcular melhor os custos e riscos, protegendo a operação das seguradoras e oferecendo aos clientes custos mais adequados.
Esse modelo se aplica apenas ao Brasil?
Não. A Guy Carpenter, braço de resseguro do grupo Marsh McLennan, opera globalmente, inclusive aqui no Brasil, onde lideramos o segmento. A força do grupo nos permitiu acelerar o desenvolvimento desse modelo para alagamento, semelhante a um modelo preditivo que um gestor de portfólio utiliza para gerir riscos.
Agora, com o modelo, conseguimos saber qual é a probabilidade de alagamento em qualquer ponto do território nacional e, assim, quantificar o risco e proteger melhor o mercado.
Isso não encarece o seguro? Essa modelagem não poderia aumentar os custos e afastar ainda mais as pessoas da cobertura?
Na verdade, não. O modelo não representa um novo seguro ou proteção, mas sim uma forma de quantificar e precificar riscos. Até julho deste ano, não existia nenhum modelo que indicasse a probabilidade de um dano por alagamento no Brasil. Sem essa ferramenta, o seguro de alagamento era mais caro porque as seguradoras não sabiam como precificar.
Com o modelo, várias regiões podem se beneficiar de preços mais baixos e uma oferta maior. O que esperamos é que as seguradoras se sintam mais confortáveis para oferecer essa proteção, resultando em mais oferta e concorrência, o que pode beneficiar o segurado.
O Brasil tem baixa penetração de seguros em comparação com outras economias, como Estados Unidos e Europa. Esse cálculo de riscos e custos tende a ampliar ou reduzir o número de segurados, em um primeiro momento?
O objetivo é aumentar, melhorando o gap de proteção. Com mais informações, as seguradoras poderão cobrar menos daqueles que vivem em regiões de baixo risco de alagamento, como no Cerrado, e cobrar um valor correto daqueles que vivem em áreas mais sujeitas a enchentes ou em áreas litorâneas. Como o aquecimento global e o aumento do nível dos oceanos, os riscos de perdas são muito maiores no litoral.
Mas você mencionou o gap de proteção. O Brasil tem um gap de proteção de 90%, certo? O que isso significa na prática?
O gap de proteção é a diferença entre as perdas econômicas causadas por um evento e o que é segurado. Globalmente, essa média é de 60%.
No Brasil, está acima de 90%, ou seja, de cada US$ 100 de dano, apenas US$ 10 são cobertos por seguros. Isso reflete a baixa penetração de seguros no Brasil. No caso do alagamento no Rio Grande do Sul, menos de 10% dos danos foram cobertos por seguros.
E o modelo pode ajudar a diminuir esse gap?
Sim. Queremos que as seguradoras tenham mais confiança para oferecer cobertura e que os segurados tenham mais opções a preços justos. Assim, esperamos que, em futuros eventos, o mercado de seguros possa cobrir uma parcela maior dos danos econômicos.
Além dos alagamentos, o Brasil enfrenta outras catástrofes climáticas, como secas e incêndios. Esse modelo se adapta a esses novos cenários?
O modelo é por tipo de risco. O que acabamos de lançar é específico para alagamentos, mas evidentemente teremos de criar para outros novos eventos extremos. No momento, estamos desenvolvendo um modelo para incêndios, que já existe em outras partes do mundo, como Europa e Estados Unidos.
Esses incêndios na Amazônia e no Pantanal acontecem todos os anos na Califórnia, por exemplo. Assim como há furacões todos os anos no Atlântico Norte e no Caribe.
Por isso, para o Brasil, também pretendemos desenvolver um modelo para secas, mas isso requer uma base de dados específica, que ainda estamos construindo. A estiagem na região amazônica, as queimadas recordes no Pantanal e no interior de São Paulo estão gerando dados para a criação desse banco de dados.
Qual será o impacto mais visível das mudanças climáticas nos próximos anos no mercado de seguros brasileiro?
As mudanças climáticas estão alterando o padrão de perdas e a demanda por seguros. Todos na cadeia, desde seguradoras até clientes, precisam entender que a gravidade dos danos está aumentando. Um comerciante que nunca precisou de seguro em 50 anos pode agora enfrentar novos riscos. Em um primeiro momento, o efeito mais visível é o aumento da demanda por seguros, mas haverá outros que precisão ser analisados nos próximos anos.
Há alguma previsão sobre o aumento da demanda por seguros nos próximos anos?
Esperamos um crescimento acima da inflação do mercado nos próximos cinco a dez anos. No entanto, ainda é cedo para imaginar que o Brasil alcançará o nível de maturidade de mercados como Estados Unidos e Europa, onde a penetração de seguros é muito maior.
Por aqui, o setor de seguros cobre cerca de 4% do PIB. Lá, passa de 12%. Há muito espaço para crescer no Brasil, mas não acredito que o País vai se igualar com as economias mais maduras no curto ou médio prazo. Vai demorar muito tempo ainda.
A legislação atual no Brasil é suficiente para atender essa nova realidade climática no setor de seguros?
A regulação brasileira é moderna e flexível, permitindo o desenvolvimento do mercado de seguros nesse cenário de mudanças. No entanto, é importante que o mercado continue se adaptando às mudanças climáticas, como vimos com os grandes furacões nos Estados Unidos, que causam bilhões em perdas. O furacão Helene deve gerar perdas de US$ 10 bilhões a US$ 15 bilhões. O Katrina, em 2005, gerou perdas de mais de US$ 100 bilhões.
Quais são as perspectivas para o mercado de seguros no Brasil daqui em diante?
A tendência é que o mercado de seguros continue crescendo. O Brasil já tem grandes grupos multinacionais atuando, mas acreditamos que novos players, tanto nacionais quanto internacionais, também podem entrar para atuar de maneira segmentada.
Qual segmento tem maior potencial de crescimento?
O mercado patrimonial tem um grande potencial, especialmente para pequenos negócios, residências e ativos de infraestrutura. Não tenho dúvida que todos os segmentos terão crescimento, alguns mais, outros menos. Mas o fato é que penetração ainda é baixa, com menos de 20% das residências cobertas. Acreditamos que esse é um segmento com muito espaço para crescer.
Esse novo modelo tem algum nome específico?
Não, por enquanto chamamos só de modelo preditivo de alagamento.