15/04/2017 - 11:14
“Não consigo nem sequer imaginar como seria minha vida se não fosse a Casa do Zezinho. Todas as oportunidades boas que tive são consequência do que passei lá dentro.” A frase foi dita pela estudante de Relações Públicas Juliane Silva Souza, de 23 anos, estagiária do banco francês Société Générale. Mas é corroborada por boa parte dos 20 mil e tantos “zezinhos”, como são chamados carinhosamente os que passaram pela ONG do Capão Redondo, bairro pobre da zona sul de São Paulo.
Juliane ingressou nas atividades da casa quando tinha 9 anos. “Vizinhos já participavam e eu fiquei com vontade de entrar também. Lembro que era muito difícil aparecer vaga, era muito disputado. Então um dia minha mãe conseguiu para mim e minhas três irmãs”, conta ela. “Lembro até a data: 28 de fevereiro.” Suas irmãs são Viviane, quatro anos mais velha, vendedora; Ana Paula, três anos mais nova, estudante de Nutrição; e Tayna, de 14 anos, estudante.
Dentro da ONG, Juliane fez aulas de tudo. Aprendeu música, participou de oficinas de artes. “Quando atingi uma certa idade, comecei a ser incentivada a fazer cursos profissionalizantes que a casa oferece. Webdesign, eu aprendi lá. Design gráfico também. Aprendi a mexer com estúdio de som… Tive aulas de informática, teatro – participei até de dois espetáculos da casa – e passei por sessões de coaching”, enumera ela. “Não tem como não se apaixonar pela casa.”
Quando tinha 15 anos, Juliane e outros quatro amigos receberam apoio para montar uma startup. Em uma sala emprestada pela própria ONG, funcionou por três anos um projeto que eles desenvolveram: uma estamparia de camisetas que operava em modelo de comércio eletrônico, com loja online. “Tivemos todas as orientações para abrir uma empresa e desenvolver nosso projeto”, conta. “Aprendi muito no processo.”
Filha de um cozinheiro e uma diarista, ela relata que sempre contou com apoio da família em todos os projetos. Mas a Casa do Zezinho tinha um papel de organizar seus sonhos e, ao mesmo tempo, orientá-la para os desafios da vida. “Até aulas sobre sexualidade tínhamos. Não havia assunto tabu”, recorda.
A crise que desde o ano passado dificulta a manutenção das atividades da instituição não atingiu diretamente Juliane. “Um dia minha mãe contou que sua patroa tinha ouvido dizer que a Casa do Zezinho ia fechar. Ficamos atônitas.” Mas os cortes de alunos afetaram sua irmã Tayna, que até o ano passado ainda frequentava a casa.
“Nosso medo é que eles cheguem ao ponto de ter de fechar as portas. Minha irmã tem uma família estruturada, o apoio da família. Mas e outras crianças que dependem da casa para tudo? Como vão ficar? Não quero nem pensar”, reflete ela.
Zezinhos. Oitenta dos 101 funcionários que atuam na Casa do Zezinho são “ex-zezinhos”. Michael Douglas Santos de Jesus, de 22 anos, nascido e criado no Capão Redondo, entrou para a ONG aos 14 anos. “No começo, só queria bagunça”, admite. Com o tempo, passou a se interessar por comunicação: oficinas de design, preparação de layouts, ilustrações. “Aos 16, me convidaram para trabalhar na Comunicação da casa”, diz ele, que se graduou em Design Digital e hoje é responsável pelas redes sociais da instituição.
Nilson Rafaelle Teixeira da Cruz, de 30 anos, lembra que foi motivado por amigos a procurar a Casa do Zezinho, 22 anos atrás. “Ele diziam: vamos para lá, tem comida”, conta. “Mais do que comida, também encontrei brincadeira e diversão.” Graduado em Logística, chegou a trabalhar em três empresas antes de voltar à Casa. É o coordenador de Logística e Operações da ONG – onde também dá aulas de jiu-jítsu.
Dezesseis dos 23 anos de Isabella Xavier foram passados na Casa do Zezinho. “Eu não tinha nem RG quando minha mãe me deixou aqui dizendo: ‘fica que tem almoço’”, lembra.
Aos 12 anos, a mãe morreu e o pai entregou-se ao alcoolismo. Mais velha de duas irmãs – uma de 11, outra de 8 – ela viu em atividades da casa o verdadeiro novo arrimo da família. “Envolvi-me cada vez mais com os projetos e identifiquei minha aptidão para a área ambiental”, conta. Formou-se em Ciências Biológicas, fez pós-graduação em Oceanografia e hoje é educadora de integração ambiental da ONG. Suas irmãs também trabalham ali.