Amoda é uma indústria controversa. Tendo as mulheres como principal foco de consumo, na maioria das vezes a gestão e a criação fica na mão de homens. Mas adaptando-se aos novos tempos, essa indústria também tem apresentado mudanças. De acordo com o relatório Inside the Mind of a Fashion CEO, organizado pela Nextail, plataforma de inteligência para o varejo de moda, no ano passado 31,4% das CEOs contratadas na indústria foram mulheres. Um aumento de 28,7% em relação ao ano anterior. O movimento crescente traz esperança, apesar de ainda estar longe do ideal.

A predominância masculina na liderança é observada com mais frequência nos grandes grupos. Para Marília Carvalhinha, coordenadora da pós-graduação em Fashion Business do Centro Universitário Faap, em São Paulo, isso é motivado pela pressão do mercado financeiro e por um sexismo generalizado no mundo corporativo. “As empresas maiores sofrem interferência não apenas da sua própria história, mas também das outras partes interessadas”, disse.
Quando a análise é direcionada para marcas independentes, ou pequenas e médias empresas, esse panorama se inverte. Participando do movimento de mudança no padrão de gestão, grifes brasileiras, criadas e geridas por mulheres, têm costurado o próprio caminho e alçado relevância nacional. Muitas das criadoras já são nativas do mundo fashion, comportamento tradicional do setor. “A moda vem muito dessa tradição do contato da pessoa com esse universo”, disse Marília.

Martha Medeiros

Conhecida no mundo da moda pelas rendas feitas à mão por artesãs nordestinas e pelos vestidos de festa, a Martha Medeiros passa por uma transformação guiada por Gabriela Medeiros, que aprendeu a costurar ainda na escola. Na arara, os vestidos de casamento que consagram a grife agora dividem espaço com peças casuais e coleção resort para atender as necessidades do mercado e das clientes. Segundo Gabriela, “buscamos sempre trazer tendências atuais, porém sem perder nossa essência artesanal, agregando modernidade a nossas peças atemporais”. Como resultado da diversificação, a empresa cresceu 32% em vendas em 2022 e abriu espaço para a expansão com a abertura de lojas físicas. São três em São Paulo e um in shop (loja dentro de uma multimarca) em Goiânia, e ampliação dos parceiros multimarcas, chegando a 25. Mesmo com a expansão, a diferenciação com a arte nacional continua. “Carregamos em nossas peças a cultura brasileira e a arte das rendeiras por meio da renda renascença”, disse Gabriela.

Carol Bassi

Anna Carolina Bassi cresceu em meio às confecções da Guaraná Brasil, empresa criada nos anos 1980 pelos seus pais, mas foi apenas aos 40 anos que decidiu empreender no universo da moda. Separada e mãe de dois filhos pequenos, ela mudou de vida e criou a Carol Bassi (CB) em 2014. A coleção inicial possuía 20 peças e a venda acontecia no fundo da loja dos pais, na Alameda Lorena, em São Paulo. A marca ganhou projeção até que em 2021 foi comprada pelo Grupo Arezzo por R$ 180 milhões. A grife está em um momento de expansão das lojas físicas, com atuais quatro unidades, o dobro em relação ao primeiro trimestre de 2022, o que colaborou para o crescimento de 76% no comparativo entre os períodos. Em relação a ter mais mulheres no mundo da moda, Anna Carolina entende que é preciso ocupar todos os espaços e ter a colaboração. “Vejo que tenho a responsabilidade de ser uma agente transformadora, por isso fico tão à frente da minha marca, não só em todos os processos internos e estratégicos, mas também sendo a própria mulher CB, compartilhando nas minhas redes sociais e da marca a força que a mulher tem”, disse

Niini

A Niini é a aposta na moda da Carol Célico. Criada durante a pandemia, a marca é nativa digital, pensada e desenvolvida para o e-commerce e redes sociais. Atenta às discussões de inclusão, 30% das coleções são classificadas como agênero, ou seja, não possuem um estilo definido para homens ou mulheres. Além disso, a empresa busca ampliar seu público consumidor oferecendo roupas em modelagem menores, com números começando no 32. De acordo com Carol Célico, “levamos o estilo fresh, sexy e chic da Niini para o maior número de pessoas através de modelos diversos, modernos e que estimulam autoestima e autoconfiança.” Como quase toda empreitada que nasce no mundo on-line, a Niini transportou-se para o físico. Em abril de 2023, foi inaugurada uma flagship no shopping JK Iguatemi, em São Paulo. Para Carol, “o mundo empresarial é um ambiente muito masculino e, por vezes, você pode ter sua capacidade e inteligência questionadas. É essencial ser firme em seus pensamentos e posicionamentos.”

Corello

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A Corello é uma tradicional grife de sapatos femininos. De gestão familiar, Carla Silvarolli é a atual CEO da companhia. Ela representa um cenário de forte presença feminina na empresa. As mulheres são 65% da força da Corello e 75% da liderança. Para Carla, “as mulheres precisam ser incentivadas, empoderadas a seguirem suas carreiras e perseguirem seus sonhos”. E isso passa também pela responsabilidade das empresas de dar oportunidade de crescimento e isonomia salarial. Apesar de tradicional no estilo e na história, a Corello tem se adaptado aos novos tempos. Agora, 100% omnichannel, a empresa teve 50% de crescimento nas vendas on-line em 2022, o que motivou a reformulação do e-commerce com foco na experiência de compra. “Ajustamos todos os processos e entregamos um site mais intuitivo e fácil para a nossa cliente”, disse Carla. Em cinco anos, a empresa quer dobrar o número de lojas e chegar a 48 unidades, todas próprias.

PARADIGMAS O caminho a percorrer ainda é longo e envolve mudanças de comportamento e percepção que vão além do mundo da moda. Para Marília Carvalhinha, é um processo de mudança de paradigmas, que começa desde a formação profissional e o acesso a oportunidades nos cargos de gestão. “Neutralizar uma história é um processo lento e difícil”, disse. Mas exemplos pessoais e evoluções gradativas mostram que a caminhada já começou.