23/04/2008 - 7:00
AMÁLIA MALDONADO, dona da Bracannes
É a terceira vez que Amália Maldonado, 40 anos, abre um negócio próprio. Desde julho, ela se dedica à Bracannes, fabricante de artigos para animais domésticos. Seu principal produto, pasmem, são cintos de segurança automobilísticos para bichos de estimação. Com investimento de R$ 10 mil, Amália espera colocar no mercado 800 cintos por mês a partir de maio, nas lojas especializadas. Para saber a viabilidade deste investimento, a nova empresária fez uma pesquisa de mercado, realizou parcerias com organizações não-governamentais voltadas para animais e propôs sociedade ao engenheiro especialista neste segmento Denis Rodrigues. Enquanto o negócio não gera dinheiro, Amália trabalha como atendente de telemarketing à noite e seu filho de 16 anos arranjou um emprego de dia. ?Minha filha, de 13 anos, administra a casa e cuida da gente?, brinca. Ela é separada e, como a maioria das empreendedoras brasileiras, abriu seu negócio para melhorar a renda da família. ?Poucas empresas querem pagar bem para uma mulher com a minha idade, mesmo tendo concluído a faculdade.? Amália cursou administração de empresas, mas não conseguiu um cargo compatível com sua formação nos locais onde trabalhou. E foi seu espírito empreendedor que falou mais alto na hora de investir na família. Sete anos antes, tinha resolvido dar uma guinada e abriu o primeiro negócio, uma rotisserie. Um ano depois, com duas crianças pequenas e recém– separada, Amália fechou o estabelecimento para dar prioridade à criação dos filhos. E foi por causa deles também que ela fechou seu segundo investimento, uma franquia especializada em planos de saúde. Agora, com os dois ?herdeiros? crescidos e companheiros nos negócios da mãe, ela espera finalmente conseguir a estabilidade que tanto buscou ao longo da vida.
TODOS OS DIAS, VERÔNICA NASCIMENTO, 36 anos, e Paola Tucunduva, 39, saem para trabalhar em seus próprios negócios. A primeira vende doces, salgados e bebidas em um carrinho e fatura cerca de R$ 1,5 mil por mês. A segunda é dona de uma lavanderia industrial, a Rotovic, com três unidades distribuídas entre São Paulo e Bahia e um faturamento anual de R$ 12 milhões em 2007. Em comum, elas têm garra e espírito empreendedor, características que vêm despontando cada vez mais entre as mulheres brasileiras, ainda que em realidades bem distintas. Segundo recente pesquisa da Global Entrepreneurship Monitor, realizada e divulgada no Brasil pelo Sebrae em parceria com o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP), pela primeira vez, as mulheres são maioria na abertura de novos negócios, representando 52,4% dos casos em 2007. Mas, ao contrário de Paola, que se tornou empresária por oportunidade, Verônica é quem carrega o perfil típico da maioria dessas mulheres. ?Se elas empreendem mais, ainda é por necessidade e para complementar a renda da casa?, afirma Paulo Okamotto, presidente do Sebrae. Ou seja, à medida que os negócios se sofisticam, os homens estão à frente deles, numa reprise do que ocorre em outras atividades. ?Em geral, quanto mais a renda familiar aumenta e as atividades crescem, mais é o homem quem conduz o negócio?, explica Paulo Bastos, pesquisador do IBQP.
CARLA SARNI, criadora da clínica odontológica Sorrident?s
Nascida em Pitangueiras, cidadezinha de 30 mil habitantes, a dentista Carla Sarni é um caso de superação. Filha de um motorista de ônibus e de uma cabeleireira, ela está à frente da Sorrident?s, uma clínica odontológica com 120 unidades, entre próprias e franqueadas, cujo faturamento soma R$ 4,5 milhões por mês. Hoje em dia, Carla raramente atende algum cliente. Cuida dos negócios. Em 2008, pretende faturar R$ 6 milhões por mês e, até 2010, quer abrir 250 unidades no Brasil. ?O lema da empresa é qualidade total, baixo custo e facilidade no pagamento.? Foi com essa filosofia que ela atendeu um senhor, logo depois de montar seu primeiro consultório. Ele pediu que ela extraísse seu dente de graça porque não agüentava de dor e não tinha como pagar. ?Cinco anos depois, ele voltou vestindo terno e gravata. Era pastor de uma igreja. Veio pagar o que devia e trouxe com ele a igreja toda para eu atender.? Carla lembra que, para conseguir sua primeira unidade, na zona leste, deu em troca seu carro, um Corsa 1994, que ela comprara ainda na faculdade. ?Fiquei três anos a pé, mas valeu a pena.? Dois anos depois, ela investiu R$ 150 mil, comprou uma casa em frente, reformou e chamou 25 profissionais para trabalhar com ela. ?Meus colegas queriam atender os pacientes da mesma forma que eu e, por isso, propunham sociedade.? Com 17 unidades próprias, ela resolveu, em 2004, abrir o sistema de franquias. O investimento inicial sai por R$ 300 mil. Com este ?jeitinho? de trabalhar, Carla conta hoje com 98 franqueados e 350 mil clientes ativos.
MARIA ALZIRA LINARES, dona da rede de lavanderias Lavasecco
Foi em um período sabático na Aldeia da Serra, na Grande São Paulo, que a especialista em mercado financeiro Maria Alzira Linares, 57 anos, descobriu seu espírito empreendedor. Em 1995, depois de passar 23 anos nesse setor, resolveu dar um ponto final à correria diária e ?viver como dondoca?, como define, entre risadas. Mas não passou muito tempo até ela perceber que faltava uma lavanderia naquela região que abrange outros bairros recheados de condomínios de alto padrão. Num primeiro momento, a opção foi obter uma franquia. ?Tinha certa empatia com o setor porque meu pai era alfaiate e cresci entre tecidos.? Mas certas divergências levaram à ruptura entre ela e a franquia e, em 2005, surgia a primeira unidade do seu negócio: a Lavasecco, com tecnologia italiana de lavagem a seco e voltada para o público classe A. Depois de tanto ser procurada, Maria Alzira resolveu aderir ao sistema de franquias. Hoje, são dez lojas, sendo sete próprias e três franqueadas, na capital paulista, e uma em Florianópolis. Juntas, empregam 86 pessoas. Em 2008, a idéia é abrir mais quatro pontos. O investimento em franquias soma R$ 1,5 milhão e o de lojas próprias, R$ 3,8 milhões. Em 2007, o faturamento ficou na casa dos R$ 3,5 milhões e a expectativa, para 2008, é fechar em R$ 5,5 milhões, sem contar com o plano de expansão. Até 2012, Maria Alzira quer abrir 60 lojas no Sul e Sudeste do País. Simpática, elegante e com sotaque tipicamente mineiro de quem nasceu na cidadezinha de Campanha, ela conta por que tem certeza do sucesso de seu negócio: na Europa, 60% da população utiliza o serviço de lavanderia, contra apenas 3% no Brasil. ?Agora que gostei do negócio, quero crescer e viver de royalties. Mas só terei retorno se meus franqueados forem bem-sucedidos.?
LURDS PESTANA, proprietária da Bazar Lued
Ao entrar no Bazar Lued, é possível encontrar quase tudo. São mais de cinco mil itens, distribuídos em prateleiras, que vão de doces caseiros a pijamas, passando pelo barbante para crochê e pintura para os cabelos. Há dez anos, Lurds Pestana, 54 anos, comanda o estabelecimento batizado com as iniciais dela e da filha Edlaine. Dos R$ 15 mil que a loja fatura por mês, Lurds paga sua única funcionária, reinveste na compra de mais produtos e tira o sustento da família. Tem sido assim desde que o marido, um ex-metalúrgico da Volkswagen, perdeu o emprego e não conseguiu voltar ao mercado de trabalho. ?Antes de acabar o dinheiro da rescisão do meu marido, resolvi abrir um local para vender de tudo um pouco.? Com R$ 1 mil no bolso, ela comprou produtos de papelaria numa distribuidora local, como pessoa física, e montou uma bancada de madeirite na garagem de sua casa. ?Comecei desse jeito porque conheço material de papelaria, já que tenho filhos.? Para exibi-los aos clientes, ela precisava de uma vitrine de vidro. Sem dinheiro, a alternativa foi desparafusar uns armários da cozinha com tampa de vidro e retirar o fundo. ?A loja estava montada, mas faltava convidar as pessoas do bairro para visitar.? Ela fez um convite datilografado, tirou xerox e distribuiu o folheto pelas ruas do Parque Selecta, bairro em São Bernardo do Campo. Durante dois anos, Lurds permaneceu na informalidade. Aos poucos, após alguns cursos sobre gestão, conseguiu ampliar as vendas e, há seis anos, alugou um estabelecimento na frente de casa. Por dia, cerca de 80 clientes passam pelo bazar. ?Mas, como vendo coisas miúdas, não percebo tanto a entrada de dinheiro.? Quando avista algum ponto que está para alugar, a ex-dona-de-casa sonha com a expansão do negócio. ?Mas ainda não dá. Quem sabe um dia.?
Cerca de dois terços dos dois mil brasileiros ouvidos, entre homens e mulheres, têm renda familiar abaixo de seis salários mínimos. Deles, 42% estudaram até o 5º ano do ensino fundamental e 60% atuam nos segmentos de alimentação, vestuário e beleza. As mulheres ainda estão muito focadas nas habilidades que exercem dentro de casa?, explica Bastos, do IBQP. Verônica cursou até o 5º ano. Antes de ter seu próprio negócio, no qual investiu R$ 200, ela trabalhava em uma padaria e sempre gostou de cozinhar. Por isso, além de vender os produtos, também cozinha por encomenda. Dependendo da quantidade dos pedidos, a renda mensal pode chegar a R$ 3 mil e ela garante que não troca isso por nada. A maioria das mulheres, segundo estudiosos, preferia seguir outro caminho. ?Muitas vezes, nas esferas mais baixas, o empreendedorismo surge como tábua de salvação e acredito que vários empreendedores gostariam de estar mesmo é com a carteira de trabalho assinada?, arrisca o professor do Departamento de Sociologia da USP Álvaro Comin. Quando realizou, com o Ipea, uma pesquisa sobre inovação nas maiores empresas do País, ele verificou que nas mais de 100 companhias analisadas havia apenas duas empresárias no comando. ?Você encontra mulheres em cargo de chefia alta geralmente quando são descendentes dos fundadores.?
ONDINA PAES LEME, fundadora do Centro Técnico Ondina
Aos 72 anos, Ondina Paes Leme vai formar- se este ano em direito, com especialização na área trabalhista. Dona de uma risada marcante, ela hoje está à frente do Centro Técnico Ondina e do Monalisa Cabeleireiros, negócio que rende R$ 1,4 milhão por ano. São três unidades em Campinas: centro estético, salão de cabeleireiros e centro profissionalizante, com 600 alunos formados. Há seis anos, ela conta com a ajuda do filho mais velho e de três netos para pensar na estratégia de ampliação. Até 2010, eles pretendem montar mais duas unidades, uma em Ribeirão Preto e outra na capital paulista e elevar o faturamento em 60%. Mas Dona Ondina, como é conhecida por todos, gosta mesmo é de cortar cabelo e dar aulas. Desde pequena. ?Quando via aquelas mulheres trabalhando no salão ficava até arrepiada.? Moradora de Franca, no interior de São Paulo, aos 13 anos ela atravessava as fazendas e canaviais oferecendo serviços para as lavradoras. Em troca, ganhava presentes, como arroz, galinha, ovos. ?Tinha dia que nem conseguia levar tudo para casa.? O primeiro salão ela conquistou um ano depois. Já casada e com um filho de colo, aos 14 anos, Ondina montou o Salão Paes Leme, depois de um empréstimo de um tio. ?Não tinha nem ferramenta de trabalho. Cortava cabelo com tesoura para roupas.? Onze anos depois, escondida do marido, ela saiu de Franca e mudou-se para Campinas em busca do seu sonho. Logo que chegou à cidade, conseguiu emprego no salão de beleza. Em um ano, montou seu primeiro negócio. ?Em um mês, havia fila de espera.? E foi neste salão que ela começou a dar aulas técnicas. ?Meus filhos, adolescentes, explicavam a teoria e eu, a prática.? Mas engana-se quem pensa que ela gosta só da estética. Está fazendo direito para entender mais sobre a legislação pois, segundo ela, seu negócio cresceu muito. ?Não dá para dormir no ponto, né??
VERÔNICA SOUSA, comerciante autônoma
Aos 36 anos, Verônica Sousa tem três sonhos: colocar sua filha de cinco anos para estudar em um colégio particular, comprar um carro zero e ter um apartamento na praia. E ela espera atingir seus objetivos com seu próprio negócio, uma lojinha ambulante na qual vende doces, salgados e refrigerantes a prazo. No início de cada mês, a comerciante arrecada o dinheiro com seus clientes. Sempre com sorriso no rosto. Por mês, fatura cerca de R$ 1,5 mil. Admite que os negócios já estiveram melhores. Mas nada que considere um obstáculo às suas conquistas. ?Tudo o que consegui foi com meu trabalho e sei que vou realizar meus planos.? Para incrementar a renda, Verônica cozinha sob encomenda e revela que faz pratos para todos os tipos de festa. Para tocar o negócio informal, conta com a ajuda do marido. No sobrado que ela comprou, há cinco freezers que estocam a mercadoria. ?No Natal do ano passado, tivemos tanto pedido que nem conseguimos fazer um jantar em família.? Quando é assim, sua renda mensal sobre para R$ 3 mil. ?Na época em que comecei, não tinha nem R$ 1 e hoje já construí um pequeno patrimônio.? Antes de tornar-se autônoma, Verônica, que nasceu no Recife e mora em São Paulo desde os dez anos de idade, trabalhava em uma padaria. ?Queria cuidar da minha vida.? Foi assim que surgiu a idéia de pedir um vale de R$ 200 ao marido. Com o dinheiro, comprou isopor, frutas, fez bolos e começou a vender nas portas de empresas. No primeiro mês de vendas, arrecadou R$ 500 e comprou um freezer à vista. O próximo passo foi financiar uma linha de telefone para aceitar pedidos. ?Paguei 24 parcelas de R$ 240.? No fim da conversa ela revelou ter mais um plano para realizar: voltar para sua terra natal a passeio. ?Faz 12 anos que não vejo meus pais. Quero ir este ano.?
No Instituto Empreendedor Endeavor, que apóia 35 companhias com faturamento entre US$ 1 milhão e US$ 15 milhões, os resultados ratificam a opinião de Comin. Há apenas duas mulheres apoiadas pelo programa do instituto. ?Precisamos fazer um trabalho para melhorar a auto-estima das mulheres em geral e fazê-las entender que elas podem mais do que complementar a renda. Podem arrojar?, comenta o diretor-geral do Endeavor, Paulo Veras. Nesse segmento de renda mais elevada, a pesquisa do Sebrae e do IBQP avaliou empreendedores que ganham até 18 salários mínimos. Esses representam apenas 3% da amostra e abrem seu próprio negócio por oportunidade, motivo que, na verdade, vem crescendo a cada pesquisa, no Brasil. Hoje, os empreendimentos por oportunidade correspondem a 57%. Mas a maioria desses empreendedores é homem. Paola é uma exceção nesta esfera. Acostumada ao ambiente de lavanderia por causa do seu pai, ela investiu R$ 300 mil e inaugurou uma unidade em 2000, ano em que faturou R$ 1 milhão. Pelo perfil arrojado e a forma como conseguiu superar um incêndio na sede de sua empresa, está entre as dez finalistas para concorrer ao Prêmio Mulher Empreendedora da ONU, que será entregue em Gana, na África, no mês que vem. Mas, independentemente do que leva a mulher a empreender, o fato é que ela leva vantagem em alguns quesitos em relação aos homens, o que facilita o sucesso na atuação. Pelo menos é o que afirma o gerente de orientação empresarial do Sebrae de São Paulo, Antônio Carlos de Matos. ?Elas buscam mais oportunidade e têm iniciativa, são mais comprometidas e persistentes.
VIVIANE LOPES, master franqueada da Citrus Gym
A busca por qualidade de vida despertou em Viviane Lopes uma capacidade empreendedora que nem mesmo ela imaginava. Aos 31 anos e morando em Florianópolis, ela é a sócia brasileira da rede de academia expressa Citrus Gym ? que concentra exercícios diários por 30 minutos ?, cujo investidor majoritário, John Kersch, fica em Chicago. São 12 estabelecimentos distribuídos em cinco Estados brasileiros que renderam, no ano passado, um faturamento de R$ 1,5 milhão, segundo a própria Viviane. No mês que vem, eles vão abrir a primeira filial fora do País e esperam fechar o ano com cinco unidades no Exterior e mais 30 no Brasil. Viviane é formada em direito, mas teve dificuldade de exercer a profissão quando chegou à capital catarinense. ?A cidade é voltada para o turismo. O melhor a fazer é abrir seu próprio negócio.? O próximo passo foi definir onde investir. ?Como nunca tive meu próprio estabelecimento, pensei em uma franquia no ramo em que gosto de atuar.? Ao fazer aula na Citrus Gym, quis investir na marca. Realizou pesquisas de mercado e injetou um capital inicial de R$ 120 mil para abrir uma unidade na Avenida Beira-Mar. No fim do ano, desembolsou mais R$ 150 mil e adquiriu a franquia master, localizada em São Paulo, transferiu a sede para Florianópolis e montou sua segunda unidade catarinense. Atento ao desempenho da brasileira, meses depois, Kersch fez o convite para ela tornar-se a responsável pelos negócios no Brasil. ?Tudo aconteceu rapidamente, mas fui determinada.?
Com jeitinho, elas conseguem muito.? E foi com jeitinho e persuasão que Verônica e Paola convenceram seus maridos a largar os trabalhos antigos e ajudar a tocar o empreendimento. Tanto uma como a outra estavam ganhando bem mais do que eles na época.