18/04/2025 - 9:59
É de forma coletiva que as mulheres vão tecendo, bordando, compartilhando histórias e denunciando as violações de direitos humanos e socioambientais dos quais são vítimas no Brasil. Reunidas em oficinas, essas mulheres – que integram o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) – vão conversando sobre as situações que enfrentam e, por entre retalhos, linhas e agulhas, vão transformando sua história em memórias.
Parte dessas obras produzidas em oficinas foi agora reunida e está em exposição no Museu de Arte de São Paulo (Masp), que neste ano trabalha o tema Histórias da Ecologia. Chamada de Mulheres Atingidas por Barragens: bordando direitos, a exposição apresenta 34 arpilleras produzidas por essas mulheres e que denunciam, principalmente, os impactos sociais e ambientais causados pela construção, operação e pelo rompimento de barragens no país.
Notícias relacionadas:
- Masp abre programação do vão livre com instalação de Iván Argote.
- Exposição apresenta mulheres e plantas estigmatizadas na história.
Arpilleras é uma linguagem têxtil e politicamente engajada que surgiu no Chile, explicou uma das curadoras da mostra, Isabella Rjeille.
“Durante os anos 70, essa linguagem ganhou tons políticos, porque foi utilizada por mulheres para denunciar violações de direitos humanos que estavam ocorrendo durante o regime ditatorial de Augusto Pinochet”, disse ela, em entrevista à Agência Brasil.
Arpillera significa juta, uma fibra na qual essas mulheres bordavam as histórias que estavam presenciando. “Vendo seus companheiros e seus filhos serem sequestrados pelos militares e todo esse tipo de violação, essa era uma maneira de elas registrarem essas histórias nesses bordados, já que existia muita censura”, explicou a curadora.
Para ela, uma arpillera é, na realidade, um testemunho têxtil do ambiente social.
“Uma arpillera não termina no objeto que está na parede. Ela é todo o processo de feitura e também todo o processo de leitura disso depois”.
As oficinas
O coletivo de mulheres do MAB começou a utilizar essa técnica a partir de 2013.
“A gente foi fazer uma oficina na Argentina para aprender essa técnica potente e trazê-la para o movimento. Foi assim que começamos a trabalhar e já temos mais de 200 oficinas realizadas em todas as regiões do país”, contou Iandria Ferreira, da coordenação nacional do MAB.
Cada peça pode demorar dias para ser confeccionada e todas são elaboradas em grupos de pelo menos cinco mulheres, explicou Caroline Mota, integrante da coordenação do MAB em São Paulo e da Secretaria Nacional do movimento. “As arpilheiras são bordadas diretamente na juta. Às vezes, a gente forra a juta com tecido de algodão mas, em princípio, tem que ter a juta, senão não será uma arpillera. Em todo começo de oficina debatemos sobre um tema, seja da região, seja um tema de que a gente sofre relacionado ao preço da luz ou sobre as enchentes, as barragens ou mudanças climáticas. Fazemos então um debate com as mulheres, em um grupo de, no mínimo, cinco pessoas. Debatemos o tema e depois continuamos para fazer o bordado”, disse Caroline.
Enquanto no Chile as peças eram produzidas de forma individual, no MAB elas passaram a ser feitas de forma coletiva. “O tripé da nossa estratégia é a luta, a formação e a organização da ação. Como movimento social, a gente acredita numa luta coletiva. As arpilleras são o espaço onde esse tripé acontece”, ressaltou Iandria.
“Nessas oficinas há um encontro dessas mulheres, ou seja, você cria um espaço seguro para que elas possam dividir, compartilhar e conversar sobre a experiência que estão tendo naquela situação de serem atingidas. Então, a arpillera não é apenas um objeto, mas também uma ferramenta de educação popular”, reforçou a curadora.
Durante a exposição, o público poderá fazer parte da experiência. O MAB vai promover uma oficina de arpilleras para o público, no dia 27 de abril, das 10h30 às 13h30.
Denúncias
No Masp, as peças em exposição denunciam não só o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, como também a reforma trabalhista, a especulação imobiliária, a insegurança alimentar, a violência sexual e até mesmo as consequências provocadas pela pandemia da covid-19. “As artistas [que confeccionaram essas peças] são todas atingidas por barragens. Todas elas foram atingidas pelo modelo energético e por esse sistema capitalista e patriarcal. Essa é a beleza e a denúncia que a gente traz por meio das arpilleras”, afirmou Iandria.
Uma das peças, por exemplo, trata do desmatamento. “Enquanto eles desmatam e destroem, nós plantamos a vida”, bordaram as mulheres nessa obra.
“Hoje em dia, a ideia de atingido e atingida incorpora muitas outras questões, não só pelas barragens, hidrelétricas ou mineração, mas também pelos atingidos pelas mudanças climáticas”, disse a curadora. “Muitas dessas arpilleras vão falar da perda de vínculo com a comunidade, por exemplo, pois quando chega uma barragem, as pessoas são deslocadas. Você é expulso daquela região e vai para outra casa que foi construída para receber essas pessoas. São todas casas impessoais, sem nenhum tipo de intervenção de quem vai morar ali. E, muitas vezes, essas casas ficam apenas no nome do homem”.
Cada arpillera vem acompanhada por uma carta, escrita por essas mulheres. “Na arpillera sempre tem uma cartinha, que leva a mensagem de denúncia para todo o país e até para fora dele”, explicou Iandria.
Na mostra, o público terá acesso à seleção de seis cartas manuscritas. “Todas as peças têm uma carta que é produzida coletivamente pelas mulheres que a fizeram. Nem todas são manuscritas: algumas são digitadas, mas todas têm uma carta que fica guardada num bolsinho bordado atrás da peça”, disse a curadora.
Mais informações podem ser encontradas no site da mostra. O museu tem entrada gratuita às terças-feiras e também nas noites de sexta, a partir das 18h. O agendamento para entrada no museu é obrigatório no site do Masp.