05/11/2020 - 10:38
A descoberta dos restos mortais de uma jovem, enterrada há quase 9.000 anos nos Andes peruanos junto com suas armas, mostra que as mulheres da época participavam da caça, até mesmo de presas grandes – concluiu um estudo publicado esta semana, que questiona a ideia consagrada de que se tratava de uma tarefa reservada aos homens.
As conclusões publicadas pela revista Sciences Advances se baseiam na análise de uma equipe liderada por Randall Haas, cientista da Universidade da Califórnia-Davis. Após ter estudado vários túmulos, ele estima que entre 30% e 50% dos caçadores no continente americano naquela época seriam mulheres.
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A base deste estudo e suas conclusões inovadoras são os esqueletos de seis pessoas, incluindo dois caçadores, desenterrados em 2018 por Haas, sua equipe e membros da comunidade Mulla Fasiri, em Wilamaya Patjxa, no distrito peruano de Puno, importante sítio arqueológico da Cordilheira dos Andes.
A análise dos ossos e dentes permitiu a identificação de uma mulher de entre 17 e 19 anos, batizada WMP6, e de um homem com entre 25 e 30 anos.
As descobertas neste local foram especialmente interessantes, disse Haas à AFP.
Junto ao esqueleto da mulher, os cientistas descobriram pontas afiadas, pequenas lanças, uma faca, pedras talhadas e outros objetos usados para desmembrar animais e esvaziar suas vísceras. Tudo isso estava dentro de algo que acabou se desintegrando, provavelmente uma mochila de couro.
“Isso nos mostra que as ideias pré-concebidas eram imprecisas, pelo menos para parte da pré-história humana”, disse Randall Haas, referindo-se à crença de que, na época, as mulheres coletavam, e os homens caçavam.
Segundo ele, as conclusões deste estudo mostram também que “as disparidades atuais em termos de salários, promoção e progressão na carreira profissional, entre homens e mulheres, (…) não são nada naturais”.
WMP6 usava uma arma chamada “atlatl”, um propulsor que permitia aumentar a velocidade e a distância que sua lança alcançava. Sua presa seria, principalmente, as vicunhas, ancestrais selvagens das alpacas e do gamo andino.
– Algo normal na época –
Para descobrir se essa mulher era uma exceção, os cientistas estudaram cerca de 429 esqueletos enterrados em 107 locais no continente americano, com idades entre 17.000 e 4.000 anos.
Neles, encontraram 27 pessoas que eram caçadoras, cujo sexo foi estabelecido de forma confiável. Onze deles eram mulheres.
“A amostra é suficiente para concluir que a participação das mulheres nas tarefas de caça de grandes presas era normal na época”, escreve a equipe em suas conclusões.
Haas e sua equipe insistem em que este estudo adiciona um grão de areia à teoria de que, “muitas vezes, a ideia moderna de gêneros não reflete o passado”.
Em 2017, um estudo genético já havia demonstrado que os restos mortais de um guerreiro viking eram, na verdade, os de uma mulher viking.
Não se sabe, neste momento, por que outras sociedades de caçadores-coletores, mais modernas, mostraram discriminação de gênero nas atividades de caça.
Talvez devido a influências externas, talvez porque o propulsor de WMP6 fosse mais fácil de usar do que outras armas usadas em tempos posteriores e meninos e meninas podiam aprender a manuseá-lo antes que as mulheres atingissem a idade fértil.
Era diferente do tiro com arco, por exemplo, que exige um longo aprendizado e prática constante.
Randall Haas espera que este estudo estimule pesquisas adicionais para descobrir se outras caçadoras existiram nessa época em outras partes do mundo.