09/02/2025 - 9:00
A mudança de “casamentos arranjados” para “casamentos por amor” na Arábia Saudita tem impactado a economia do país, especialmente na área do empreendedorismo. É o que as pesquisas do professor Robert Manning, que se debruça sobre o tema na região do Oriente Médio e Norte da África (Mena, na sigla em inglês), têm apontado.
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“É uma mudança notável. Hoje, as mulheres têm mais tempo para escolher sobre o casamento, o que lhes permite investir em educação e carreira antes de iniciar uma família”, explica o pesquisador. Um movimento, segundo ele, visto por países como o Brasil há 50 ou 60 anos, quando vivemos o período nacional desenvolvimentista, com forte industrialização doméstica.
O professor Manning atua hoje como consultor em Nova York, viveu seis anos no Oriente Médio, onde lecionou em Universidades da região e escreveu “A crescente geração de jovens empreendedores sauditas: uma análise empírica do papel do gênero no rápido crescimento do ecossistema de pequenas empresas da Arábia Saudita”. O pesquisador foi um dos participantes da Global Labour Market Conference, conferência promovida pelo país para debater os desafios do mercado de trabalho, onde conversou com IstoÉ Dinheiro sobre seus estudos a respeito do país.
A Arábia Saudita tem vivido uma significativa transformação cultural marcada por mudanças nos costumes sociais e no papel das mulheres na sociedade. Assinar contratos, abrir conta em banco e dirigir são exemplos do tipo de coisas que as mulheres do país não podiam fazer há cerca de 10 anos.
Mas, a partir de meados da década passada, o reino começou a colocar em prática seu plano Visão 2030, que prevê um país mais aberto cultural e socialmente e com a economia mais diversificada, menos dependente do petróleo, sendo hoje o maior exportador da commodity. O plano incluiu, entre outras medidas, uma flexibilização da participação das mulheres na sociedade.
“Enquanto as mães dessas mulheres se casavam, em média, aos 19 anos, a idade média do casamento atualmente gira em torno de 29 anos. Esse intervalo adicional de 10 anos é utilizado por muitas sauditas para concluir o ensino superior, economizar e até iniciar negócios próprios, frequentemente a partir de casa”, conta Manning.
Com mais mulheres no mercado de trabalho e no comando de negócios, a economia de serviços do país floresce, diz ele.
Empreendedorismo e empoderamento
É comum que o empreendedorismo seja uma forma de entrada no mercado de trabalho e independência financeira de mulheres em diferentes lugares do mundo, e na Arábia Saudita não está sendo diferente.
“Para os homens, o objetivo principal é o lucro, enquanto as mulheres veem o empreendedorismo como uma ferramenta de empoderamento, sustentabilidade e impacto social. Além disso, hoje elas podem gerir negócios com menos dependência masculina, o que era impensável há uma década.” De acordo com seu estudo, cerca de 75% das mulheres empreendedoras começam seus negócios sem empréstimos bancários ou apoio familiar, utilizando apenas recursos próprios.
Setores como serviços pessoais, entretenimento e iniciativas ecológicas têm sido dominados por mulheres. As sauditas, especialmente as jovens, também são entusiastas de tecnologias como redes sociais para expandir seus empreendimentos e criar soluções para o mercado local.
“Com dispositivos móveis, as empreendedoras conseguem fazer networking e identificar nichos de mercado. Elas têm transformado segmentos como o de serviços, antes ocupados em boa parte por trabalhadores estrangeiros”.
Essas mudanças resultam em maior consumo de serviços sociais e de entretenimento, criando novas oportunidades para empreendedoras. Além disso, a modernização cultural, impulsionada pela exposição à economia global e ao estilo de vida ocidental, tem fomentado inovações que desafiam os modelos tradicionais de negócios.
“Elas não querem apenas ganhar dinheiro, mas transformar a sociedade. Estão focadas em negócios que promovam sustentabilidade, melhores salários e igualdade de gênero. Isso não é só dobrar o número de empreendedores no país, é trazer uma visão completamente nova.”
*A jornalista acompanhou a conferência a convite da organização da GLMC