20/06/2025 - 8:42
Durante a guerra na Ucrânia, milhares de filhas, mães, irmãs e esposas buscam por soldados desaparecidos. Unidas, elas mantêm a esperança em trocas de prisioneiros e ajudam na identificação dos capturados.Durante mais de três anos de guerra contra a Rússia, a Ucrânia testemunhou o surgimento do maior movimento feminino da sua história. Milhares de mães, esposas, filhas, irmãs, avós, tias e noivas se uniram para procurar por soldados desaparecidos ou presos. Elas criaram grupos e associações informais que colaboram entre si em todo o país.
As trocas de prisioneiros são extremamente sigilosas – nem mesmo jornalistas ficam são sabendo sobre a hora ou local. Também não são divulgados os nomes dos prisioneiros de guerra ou os hospitais para os quais eles são levados para exames médicos após a libertação.
Mesmo assim, numa manhã, centenas de civis se juntaram no pátio de uma clínica em Chernihiv para aguardar a chegada de um ônibus vindo da fronteira entre a Rússia e a Ucrânia.
Nadia, uma aposentada de Khmelnytskyi, não perde uma troca de prisioneiros há mais de um ano. Seu filho Oleksandr Kololyuk, de 41 anos, desapareceu na frente de batalha perto de Bakhmut em fevereiro de 2023.
“Eu procuro e tenho esperança”, diz Nadia, segurando várias fotos.
Todas naquele pátio têm fotos de filhos, maridos, pais ou noivos, e querem vê-las divulgadas na televisão ou nos jornais, na esperança de que seus entes queridos sejam libertados.
Famílias mantêm a esperança
Famílias inteiras procuram a sombra de macieiras no pátio da clínica em Chernihiv. Elas se organizam conforme a brigada do exército dos seus familiares ou segundo o número da prisão russa onde estão. A bandeira da 36ª Brigada de Fuzileiros Navais é facilmente reconhecida à distância. Mais de 1.300 soldados desse grupo foram capturados em Mariupol, em abril de 2022. Desde então, os seus familiares esperam pela sua libertação.
Durante esse tempo, Olha Handzhala, da cidade de Uman, conseguiu enviar apenas uma carta para o seu filho Yevhen, de 34 anos. Ela nunca recebeu uma resposta. Esta é a sua quarta troca de prisioneiros.
“Venho para apoiar os nossos soldados. E talvez para encontrar alguém que tenha visto meu filho em um dos campos de prisioneiros, que possa me dizer como ele está e onde está”, diz Olha.
Valentina Ocheretna, de Zhmerynka, está procurando seu filho Nazar, de 36 anos, desaparecido desde abril de 2022. Ela ainda espera pelo melhor, já que ex-prisioneiros de Mariupol disseram que o viram nos campos.
“Informei isso ao escritório de coordenação. Eles localizaram um homem que o tinha visto e que poderia confirmar o que eu tinha ouvido. Mas Nazar ainda está registrado como desaparecido”, lamenta Valentina.
Várias dezenas de mulheres que chegaram juntas de ônibus da região de Sumy se posicionaram em frente a um cordão policial. Atrás dele, há um pátio onde os ônibus com os prisioneiros devem chegar. A mais jovem delas, Svitlana, segura um cartaz com fotos das tatuagens do seu noivo Oleh Halushka. Soldado da Guarda Nacional da 15ª Brigada Operacional, também conhecida como Brigada Kara-Dag, Halushka desapareceu da frente de batalha em Zaporíjia há um ano.
“Talvez alguém reconheça uma das suas tatuagens”, espera Svitlana.
A chegada dos prisioneiros deve ser uma celebração. Representantes do escritório de coordenação da troca de prisioneiros explicam pacientemente aos presentes como recepcionar os soldados, o que agradecer, o que não perguntar – tudo para evitar o estresse. Mas isso nem sempre é possível.
Nos poucos metros entre o ônibus e a clínica, uma estrondosa chuva de nomes, brigadas e prisões é gritada para os homens recém-libertados, que também recebem fotos nas mãos.
Apenas alguns deles param para olhar, responder perguntas ou falar com os jornalistas.
“É difícil, são tantos rostos”, diz, sorrindo, Yuriy, um fuzileiro naval de 36 anos, enquanto entra na clínica com uma pilha de fotos.
Papel fundamental da família dos soldados
Apesar de tudo isso, os parentes dos soldados e o escritório de coordenação acham que esses encontros são importantes.
“Desde agosto passado, isso virou uma espécie de peregrinação. Mesmo que os parentes não tragam muita coisa, os soldados veem o quanto são amados”, explica Petro Yatsenko, porta-voz do escritório de coordenação.
São os parentes que ajudam a identificar soldados em vídeos russos de baixa qualidade. Um dos maiores canais do Telegram sobre soldados encontrados ou presos conta com quase 122 mil inscritos. Diariamente, dezenas de nomes e fotos são adicionados lá. Quanto mais cedo alguém é identificado, mais rápido pode ser libertado, explica Yatsenko.
No final de maio, o projeto “UA Losses”, que usa dados públicos, listava mais de 6.000 soldados ucranianos presos. O número de prisioneiros não identificados diminui a cada dia, graças à ajuda das famílias, segundo as autoridades.
Ainda assim, cerca de 65 mil pessoas continuam registradas como desaparecidas. Embora a maioria nunca volte para casa, ninguém entre amigos ou familiares quer perder a esperança.
“Por isso é tão importante que os parentes estejam presentes nas trocas de prisioneiros: eles dão às pessoas algo em que se agarrar”, afirma Yatsenko.
“Quero ser uma luz para outras famílias”
Entre uma troca de prisioneiros e outras, as ativistas têm muito o que fazer: reúnem-se com as autoridades, realizam vigílias e homenagens, e participam de conferências.
“Quero fazer o bem e ser um raio de luz para as famílias… para que saibam que não foram esquecidas”, diz Kateryna Muslova, filha de Oleg Muslov, um fuzileiro naval que foi preso em Mariupol. A ONG de Kateryna, Heart of Action (ou “Coração em Ação”, na tradução livre), atua no lobby internacional em nome dos prisioneiros, além de ajudar as famílias a receber benefícios estatais.
O escritório de coordenação de intercâmbio de prisioneiros da Ucrânia realiza reuniões regulares com mais de 150 organizações civis e iniciativas familiares privadas.
“Ficamos felizes quando as famílias se organizam, pois isso facilita encontrar respostas para as suas perguntas”, diz o porta-voz Petro Yatsenko.
Ainda assim, a cooperação nem sempre é positiva. Yatsenko critica alguns grupos que, segundo ele, caem na provocação russa ou golpes, passando informações confidenciais ou organizando manifestações que acusam o escritório de coordenação de não fazer o suficiente.
“Cada troca de prisioneiros bem-sucedida sempre traz uma onda de frustração entre aqueles cujos parentes ainda não foram encontrados ou libertados”, conclui Yatsenko.