13/05/2020 - 9:41
As aplicativos para controlar a propagação de coronavírus, fonte de grande preocupação no Ocidente, são onipresentes na China, onde as autoridades armazenam grandes quantidades de dados pessoais de seus cidadãos.
Os chineses não têm outra escolha, porque os aplicativos funcionam sem seu consentimento. Na maioria das vezes, porém, eles parecem aceitar que o sistema acompanhe seus itinerários.
“A epidemia é um contexto particular. É por isso que divulgar meus movimentos não me incomoda. A vida humana é a coisa mais importante”, diz à AFP Debora Lu, de 30 anos, uma funcionária pública que mora em Xangai.
O aplicativo criado pelo governo é baseado nos dados de geolocalização das operadoras e analisa os movimentos do usuário nos 14 dias anteriores – em particular para descobrir se ele esteve em uma área de risco, ou se esbarrou com alguém com COVID-19.
Existem muitos aplicativos semelhantes na China, onde 4.633 mortes por coronavírus foram registradas oficialmente desde o início da pandemia.
Em Pequim, por exemplo, o sistema “Health Kit” não usa geolocalização, mas outras fontes de informação, como passagens de trem, bilhetes aéreos, controles de identidade na entrada da capital, ou resultados de testes.
Todos os aplicativos têm em comum que o usuário, depois de baixá-los, deve digitar seu nome, número de identidade, telefone e, algumas vezes, foto.
O sistema gera um “código de saúde” verde (sem problemas), amarelo (obrigação de ficar em casa em quarentena), ou vermelho (quarentena em um hotel fechado, previsto para isso).
“Acho que mais de 99% da população considera isso um bom método”, diz Li Song, 37 anos, ator de Xangai.
“Não é como se hackers roubassem sua senha de cartão de crédito”, aponta Charlotte Wang, 33 anos, uma contadora de Pequim.
– “Sacrifício” –
A localização geográfica permite automatizar a busca de pessoas que estiveram em contato com pacientes. Também facilita o retorno ao trabalho e ao lazer.
O código verde mostra que, em princípio, a pessoa está saudável e é um passe de conduta segura para acessar edifícios, restaurantes, estações, ou lojas.
“É uma diferença cultural entre a China e o Ocidente”, diz Cui Xiaohui, professor do Centro de Pesquisa de Metadados e Inteligência Artificial da Universidade de Wuhan, cidade onde o novo coronavírus apareceu.
“A maioria dos chineses está disposta a sacrificar um pouco de sua vida privada, se for realmente pela saúde”, aponta.
Na França, há um debate sobre um aplicativo chamado StopCovid, que usa a tecnologia Bluetooth, menos invasiva que a geolocalização e que permitiria aos pacientes avisar anonimamente as pessoas que encontraram.
A prefeitura de Pequim diz que os dados pessoais “são usados apenas para combater a epidemia”. E garante que tem acesso apenas ao sobrenome das pessoas e aos dois últimos números da identidade.
“Mas, no final, quem tem acesso a esses dados? Estão à mercê de um pirata? Esse é o cerne do problema para as pessoas”, diz Cui Xiaohui.
“O Estado não venderá essas informações. Mas sempre existe o risco de um funcionário fazer isso em benefício próprio”, assegura.
Com a explosão do comércio on-line, os chineses estão cada vez mais atentos aos seus dados. As empresas armazenam cada vez mais números de telefone, ou preferências de compra.
“A China ainda não possui uma lei, ou um regulamento específico sobre a proteção de dados pessoais”, diz Zhou Lina, professora da Universidade de Correios e Telecomunicações de Pequim, especialista em proteção de dados.
O arsenal legislativo ganhou nos últimos anos uma lei sobre segurança cibernética (2017) que limita os abusos dos gigantes da Internet.
No entanto, essas leis não limitam a capacidade do governo de acessar dados pessoais, diz Jeremy Daum, especialista em direito chinês da Universidade de Yale (Estados Unidos).
“Quando há uma investigação criminal, por exemplo, a polícia tem um poder enorme para coletar informações”, aponta Daum.
“A lei é baseada no princípio de que os controles internos são suficientes para evitar abusos do Estado”, completa.