31/12/2002 - 8:00
Ao desembarcar em Brasília no último dia 11 de dezembro, vindo dos Estados Unidos, depois de sua última viagem oficial como chefe da nação, Fernando Henrique Cardoso trazia na mala um recorde difícil de ser batido: foi o presidente da República que mais viajou ao exterior na história do Brasil. De seus 2.922 dias no comando do País, nada menos que 374 ? isso mesmo: um ano inteiro e mais 9 dias ? foram dedicados à chamada ?diplomacia presidencial?. Em oito anos, FHC visitou 44 países em quase todos os continentes habitáveis. Do Canadá ao Chile e da África do Sul ao Japão, só a Oceania ficou de fora. Foram 96 viagens que proporcionaram conversas com os dirigentes mais poderosos do planeta. E tratar esse sobe-e-desce em avião como mero turismo é, no mínimo, uma injustiça. Tratou-se na verdade de um grande esforço para inserir o Brasil na economia globalizada.
Apesar de ainda haver muito a ser feito, o esforço deu resultados. Em 1994, o Brasil era apenas o 16º país do mundo em absorção de investimentos estrangeiros. Naquele ano, desembarcaram US$ 2,1 bilhões por aqui. Em 2001, os valores já estavam dez vezes maiores, atingindo US$ 22, 6 bilhões. O Brasil se tornou o segundo país que mais atrai dinheiro externo da atualidade ? perde só para a China. Na era FHC, o País recebeu investimentos diretos de US$ 300 bilhões, principalmente de Estados Unidos, Espanha, Holanda, França, Portugal e Alemanha. Das 500 maiores empresas globais, 405 delas estão em operação em território nacional, o que leva a economia brasileira a um grau de internacionalização de cerca de 20% do PIB. E o perfil dos investimentos mudou. A indústria, que até 1995 absorvia mais da metade dos recursos (55%), cedeu lugar ao setor de serviços. Em 2001, ele ficou com 59,8% dos investimentos. Destaque para as telecomunicações. Responsável por grandes fluxos a partir das privatizações iniciadas em 1996, o segmento injetou US$ 10 bilhões no País em 2002 (36% do total daquele ano).
?Passamos a ter uma projeção internacional inédita?, analisa o professor Amâncio de Oliveira, do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo. Em suas viagens oficiais, mesmo nas de cunho político, o presidente encaixava seminários de negócios e organizava conversas entre empresários locais e brasileiros. Numa delas, à Polônia, Roger Agnelli, homem forte da Vale do Rio Doce, fechou um contrato de US$ 400 milhões.
Do lado de cá do Atlântico, FHC assumiu a posição de líder do Mercosul. O bloco sul-americano continua inexpressivo diante do poderio de uma União Européia, mas saiu do limbo e seu potencial passou a ser levado a sério. O maiores entraves a um avanço mais significativo foram a fragilidade interna dos países membros e a falta de integração de suas políticas econômicas. Entre a desvalorização cambial no Brasil e na Argentina, por exemplo, houve um hiato de dois anos. A consolidação do Mercosul ficou para o atual governo resolver. Problema ainda mais sério é a questão dos subsídios agrícolas na Europa e das barreiras tarifárias ao aço e ao suco de laranja nos Estados Unidos. E os tímidos resultados obtidos não refletem o trabalho duro realizado. Nos últimos oito anos, o Itamaraty envolveu-se em 21 casos na Organização Mundial do Comércio (OMC) ? 14 como reclamante e 7 como reclamado. Treze foram concluídos, 11 com resultados positivos para o Brasil. E se não foi possível se aproximar como o desejado dos mais ricos, as relações com os chamados ?países monstros? (por sua dimensão geográfica e relevância econômica) tiveram uma grande expansão. Entre 1994 e 2001, o comércio exterior brasileiro com China, Índia e Rússia, por exemplo, cresceu cerca de 150%.
?O problema é que a inserção do Brasil na economia globalizada se deu de maneira passiva?, critica Antônio Lacerda, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transacionais e da Globalização Econômica (Sobeet). ?Nações que exportavam o mesmo que o Brasil 15 anos atrás, como Coréia do Sul, e México, hoje exportam o triplo?, diz ele. ?Abrimos demais a nossa economia sem contrapartidas e não usamos os recursos que entraram para financiar as exportações.? Mesmo assim, FHC, que manteve a alíquota média de importação em 14%, passa o bastão com o superávit de US$ 12 bilhões em 2002. Não muito longe dos US$ 10 bilhões de 1990, quando a alíquota média era de 14%.