No terreno da antiga hidrelétrica de Kakhovka, explodida em 2023, renascem bosques e várzeas, animais de todos os tipos retornam. Ecologistas querem um parque nacional, mas o setor de energia tem outros planos.Até alguns anos atrás, haveria água vários metros acima do terreno da antiga barragem de Kakhovka, na Ucrânia. Depois da destruição da hidrelétrica local – pela qual a Ucrânia e a Rússia se culpam mutuamente –, de início a área se transformou num deserto. Hoje está coberta de vegetação, que é habitat para numerosos animais.

Ao longo do maior rio do país, o Dnipro, voltaram a formar-se as imensas várzeas existentes antes da construção da usina, em 1950.

O ecologista Vadym Maniuk confirma que o Dnipro tem vários distributários: não dá para ver o que acontece em grande parte das zonas marginais, mas existem riachos semelhantes por toda parte.

“Podem ser córregos de corrente bem veloz, mas também estreitos ou largos, que lembram lagoas. Todos esses labirintos já existiam antes de a área ser inundada para a construção da hidrelétrica.”

O murmúrio dos riachos é constantemente interrompido pelo canto dos pássaros. “Uma águia de cauda branca! Só por isso, já vale a pena trazer o binóculo. Ela é a verdadeira rainha das margens do Dnipro”, entusiasma-se Maniuk, perscrutando o céu.

Em nossas várias horas de passeios, descobrimos também diferentes gaviões, uma garça, andorinhas, cobras, um rato-almiscarado e até rastros de javalis. Gente do local conta que já avistou também corças e cervos. Além disso, as matas pululam de formigas, vespas, besouros, carrapatos, borboletas e louva-a-deus, relata o ecologista.

Pelo chão encontram-se ossos fossilizados de animais pré-históricos e cacos de cerâmica. Um dos fósseis parece um casco. Maniuk o recolhe e examina: “É um osso antiguíssimo. Na época não havia vacas. Aqui há muitos desses ossos, também de rinocerontes-lanudos e mamutes, ou seja, de animais de porte.”

Pela criação de um parque nacional

A DW já esteve na região com Maniuk um ano atrás. Desde então cresceram muito mais gramíneas: enquanto na época havia umas 200 espécies de plantas floridas, hoje são quase 500; onde antes só havia areia, hoje há prados verdes. Por toda parte florescem papoulas, carriços, cardos, cítisos, grãos silvestres.

Já há árvores de cinco a seis metros, em um ano os salgueiros e álamos cresceram cerca de um metro. “Com o tempo, vão se formar não só bosques aqui, mas também prados”, assegura o ecologista. A certa altura ele avisa que não devemos mais avançar, é perigoso demais: “O bosque se transformou, ficou maior e mais denso.”

O último ano não foi fácil para as várzeas: o verão e outono de 2024 foram secos demais, as árvores começaram a murchar. Porém conseguiram se recuperar, graças às chuvas da primavera: “Os prados venceram a primeira prova da seca, mas agora este verão nos preocupa.”

É questionável se esse ecossistema sequer tem um futuro, pois na Ucrânia ainda se discute se vale a pena reconstruir a hidrelétrica de Kakhovka.

O ecologista e historiador agrário Petro Volvach já vagava por esses prados na infância, antes da construção da barragem. Ele é contra a reconstrução, que aniquilaria a paisagem marginal reconstituída. Vadym Maniuk concorda: “Estou seguro de que este parque nacional seria um dos dez melhores da Europa. Ele é incrível!”

Estatal de energia quer hidrelétrica de volta

Engenheiros contra-argumentam que toda a instalação da hidrelétrica de Kakhovka é importante para o abastecimento da população com água e para as empresas da região, assim como para a irrigação dos campos cultivados, a navegação e o sistema energético: desde a destruição da barragem, alegam, não há água suficiente para todos.

Segundo o funcionário da hidrelétrica Oleh Pashchenko, a falta da barragem ameaçaria a sobrevivência de toda a região. Já nos primeiros seis meses apos a destruição da barragem, o nível hídrico caiu cinco metros; hoje a diferença seria de 15 metros ou mais. “A cada ano tem menos água nos poços”, afirma.

O engenheiro prevê que 2025 será um ano difícil para o rio Dnipro, pois o afluxo d’água já é de três a cinco vezes menor do que o usual. Se a barragem não for restaurada, tudo vai piorar, adverte: “Vamos ter um deserto.”

A situação só não seria ainda tão dramática devido à considerável redução da população – em decorrência da guerra iniciada pela Rússia em 24 de fevereiro de 2022 –, e pelo fato de a agricultura e a indústria não estarem funcionando com capacidade total. Mas quando os habitantes retornarem, a água ficará escassa, assegura Pashchenko.

Nesse ínterim, a estatal de eletricidade Ukrhydroenergo desenvolve planos para o restabelecimento da usina e da barragem. Depois do exame dos restos do reservatório e do fundo da barragem, os trabalhos de construção poderão levar de cinco a seis anos, dos quais dois só para recuperar o nível de água.

A empresa está convencida de que esse é o único modo de garantir o abastecimento da região com água potável. Seu diretor geral, Bohdan Sukhetsky, anuncia: “Se o Estado precisar, vamos construir lá uma grande hidrelétrica. Tudo depende da situação econômica. Além disso, sem a barragem de Kakhovka é impossível o funcionamento da usina nuclear de Zaporíjia, especialistas constataram.”