A fonte era boa. E o aviso foi claro: “o pior ainda está por vir”. Talvez, das palavras de Emmanuel Macron, melhor entender bem o que o presidente francês quis dizer com “pior”. Do ponto de vista militar é difícil supor outro desfecho para a guerra ucraniana. Os mapas da expansão russa “envelopando” Kiev, cada dia mais, são suficientes. Com maior ou menor tragédia, o que mais parece confirmado é o “quando” e não o “se” este fato acontecerá.

É provável que o “pior” de Macron tenha referência  ao dia seguinte da queda de Kiev. Foi neste contexto que a decisão de cortar a importação americana de petróleo russo foi tomada. Custe o que custar em termos de inflação. Com destaque para a frase de Biden: “nossos aliados não podem arcar com essa decisão”. Os europeus, chanceler alemão à frente, apenas repetiram que não há o que fazer quanto a dependência do gás russo.

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Nesse discurso Biden completou: “demos um passo que outros não podem dar”, definição exata dos limites da união entre Europa e EUA. A maior economia europeia depende em 45% do gás russo. É ainda mais grave nas outras grandes economias europeias. O primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, foi explícito: “não temos carvão, nem nuclear, nossa energia vem toda do gás”. O primeiro-ministro holandês, Mark Rutti, foi bem mais incisivo falando da “dolorosa realidade” da dependência europeia do gás russo. E Rutti foi demolidor ao lembrar das “perigosas ramificações” de um corte desse gás. Porque esse “corte” não deixa só casas desaquecidas…

Aqui mora o perigo maior da guerra econômica “escondida” nas “ramificações” mencionadas pelo holandês Rutti. O grande capital europeu, bancos alemães e franceses à frente, desde os anos 1990, assumiram fortes investimentos no promissor mundo russo. Em uma infinidade de setores, com parcerias, joint ventures, de todo tipo. Parte considerável desses aportes não estão visíveis a olho nu.

Declarada a guerra,  no caso mais espetacular, a British Petroleum, apenas reconheceu a “desistência” de um investimento de US$ 25 bilhões com a gigante petrolífera russa Rosneff. O curioso é que no dia seguinte dessa “desistência”, as ações da BP não despencaram. O mercado não puniu a BP, nem nenhuma outra empresa que anunciou a mesma “desistência”. O mercado ficou emotivo ou sabe que os laços do grande capital europeu com Moscou vai bem além da nossa “vã filosofia”?

Mas, e as sanções? A pior delas, o confisco das reservas cambiais, não é bem tudo o que parece.  O respeitado Thomas Friedman, no artigo desta semana sobre a “querida China”, escreveu que o confisco pega pouco mais da metade dessas reservas. Ele tem razão. Elas estão 32% em euros, 16% em dólar e 6,5% em libras. O restante está diversificado. Ou seja, a resiliência financeira russa pode ser maior do que se supõe.

O “pior” de Macron pode ter muitos ângulos. Não haverá só um “interesse do Ocidente” na hora da negociação com Putin. Biden também sabe disso. Foi por suas respectivas economias, e não pela Ucrânia, que Scholz e Macron aceitaram aquele acanhado lugar naquela longa mesa do Kremlin.

* Leonardo Trevisan é professor de Relações Internacionais da ESPM e da PUC/SP