10/02/2012 - 7:00
DINHEIRO ? Como a equipe de fiscalização do Banco Central detectou a fraude no PanAmericano?
ALVIR HOFFMANN ? A oferta de crédito vinha crescendo muito rapidamente desde 2005, em especial as linhas de consignado e veículos. Os bancos que não têm rede de agências para fazer captação de depósitos de clientes, como o PanAmericano, passaram a se financiar através da venda de carteiras de crédito a grandes bancos. Era, até então, uma operação nova e, portanto, irrelevante. Ao ganhar volume, percebemos que não havia regras e controles consagrados. Existiam dúvidas no mercado sobre como contabilizar as receitas que eram geradas nessas transações. Cada instituição fazia do seu jeito. Então, no fim de 2009, decidimos programar para 2010 uma fiscalização nessas linhas de crédito.
DINHEIRO ? A decisão de investigar já havia sido tomada no fim de 2009?
HOFFMANN ? Sim, eu era o diretor de fiscalização e orientei a equipe a ?ir fundo? na cessão de crédito. Pedi para eles checarem quais eram os maiores operadores, como cada instituição atuava e quais irregularidades poderiam eventualmente existir. O PanAmericano vendia um determinado montante de crédito, mas os compradores mostravam números bem maiores. Foi nesse confronto de informações, iniciado em março de 2010, que se identificou uma fraude de extrema complexidade. No dia em que o Banco Central divulgou o valor ? que foi o nosso nine eleven, o 9 de novembro ?, o rombo era de R$ 2,5 bilhões. Foi, então, nomeado um interventor no banco. Depois de 50 dias com a nova administração lá dentro do PanAmericano é que se conseguiu apurar que existia um buraco ainda maior, de R$ 3,9 bilhões.
DINHEIRO ? A fraude era incontrolável?
HOFFMANN ? O sistema estava viciado com alterações que geravam uma fraude extremamente engenhosa. Hoje se percebe que parte dos ativos do PanAmericano era irreal. Ele gerava mensalmente R$ 200 milhões de prejuízos e tinha de aumentar o tamanho da fraude a cada mês para esconder mais R$ 200 milhões, e assim progressivamente. É algo que não tem a ver com a crise internacional, mas com a maneira inadequada como as pessoas geriam o banco. Elas conseguiram inventar uma forma criativa que driblou todos os mecanismos de controle.
DINHEIRO ? O Banco Central não demorou demais para identificar o problema?
HOFFMANN ? O mercado costuma dizer isso porque a apuração de dados começou em março e só foi concluída no segundo semestre de 2010. Mas não é tão simples como parece. Um banco tem um crédito de R$ 10 para receber em cinco anos e vende para outro banco por R$ 4 para receber à vista. O vendedor dá baixa de R$ 10 e o comprador de R$ 4. Só nessa operação, há uma diferença de R$ 6. Imagine centenas de milhares de pessoas que pegam empréstimo consignado para pagar em 60 meses. Cada prestação é um crédito, que tem um valor de face, e cada uma com vencimento diferente. Como são milhões de operações, não se identifica o problema ?de orelha?, não é fácil. No caso do PanAmericano, a demora ocorreu porque os executivos provavelmente pensaram em maneiras de atender às solicitações do BC sem revelar as irregularidades, o que dificultou o nosso trabalho. Daí, nós fomos apertando os controladores ao longo de 2010, mostrando que os números não batiam. Chegou um momento em que o próprio banco declarou que precisava de ajuda.
DINHEIRO ? Na hora de divulgar a fraude, quais foram os cuidados tomados para não gerar um estresse no mercado?
HOFFMANN ? Procuramos a saída para o problema antes de divulgá-lo. Levamos de duas a três semanas até fechar a solução através do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), que foi anunciada no dia 9 de novembro.
Silvio Santos, ex-dono do PanAmericano, que vendeu o controle do banco para o BTG,
no ano passado, por R$ 450 milhões.
DINHEIRO ? Foi a saída mais adequada?
HOFFMANN ? O FGC tem um papel extremamente importante. Isso não é uma jabuticaba, existem mecanismos similares em vários países. O FGC sempre busca a solução de menor custo. Quando se liquida um banco, o fundo paga os depósitos até um determinado valor. No caso do PanAmericano, ficava mais barato fazer um empréstimo para o controlador do banco (o empresário Silvio Santos) do que pagar esses depósitos. Além disso, também evitou o risco sistêmico, ou seja, outras instituições poderiam viver estresse semelhante num efeito cascata no mercado. Foi a melhor saída, pois a liquidação traria dúvidas sobre a saúde de bancos do mesmo porte e que tinham operações de crédito similares, num total de 20 ou 30 instituições.
DINHEIRO ? Em 2009, a Caixa pediu o aval do BC para comprar 35,5% do PanAmericano. Por que o BC autorizou?
HOFFMANN ? A compra foi autorizada por uma medida provisória, que depois virou lei, e que permite que a Caixa e o Banco do Brasil comprem outras instituições financeiras. O Banco Central, ao ser informado, disse que não via problema, pois o interesse do comprador era legítimo. O negócio fazia sentido para a Caixa, que pretendia diversificar suas operações de crédito. Além disso, o banco foi submetido a uma due diligence, que não detectou esse problema. Desde a entrada da Caixa, o PanAmericano cresceu bastante porque ganhou credibilidade com um acionista de peso. Por essa razão, quando foi identificado o problema, a Caixa teve de manter o negócio. Se ela fugisse ou recuasse, certamente ficaria sujeita a reclamações dos investidores, que cobrariam dela os seus prejuízos.
DINHEIRO ? A presença da Caixa no PanAmericano facilitou ou atrapalhou o trabalho do Banco Central?
HOFFMANN ? Foi indiferente. Obviamente, que o problema tem conotação de ordem política, mas do ponto de vista técnico não mudou nada para a equipe de fiscalização do Banco Central. Se o acionista fosse uma instituição privada, a situação teria sido a mesma.
DINHEIRO ? Os controladores do banco não sabiam mesmo da fraude?
HOFFMANN ? Os controladores disseram que não sabiam. Se eles sabiam ou não, eu não sei. Aparentemente existia uma administração no banco que tinha a confiança desses controladores. O caso agora está com a Polícia Federal.
DINHEIRO ? Qual lição fica do caso envolvendo o PanAmericano?
HOFFMANN ? A lição que fica é que nada resiste a uma fraude. Quando você entra numa operação de qualquer nível, de qualquer empresa, a governança e os controles são extremamente importantes e têm de ser exercidos no seu nível máximo. Isso representa que havia falha nas normas? A rigor, não. Esse tipo de fraude pode acontecer. Para que não aconteça, é preciso ter políticas de governança claras e que sejam cumpridas com atenção e tensão máximas.
Agência da Caixa: o banco estatal comprou 35,5% do PanAmericano um ano antes
da descoberta da fraude.
DINHEIRO ? Quem garante que não há outros PanAmericanos no mercado?
HOFFMANN ? Fica a lição. Todos os agentes que fazem esse tipo de controle, obviamente, em função desse episódio, vão ficar mais atentos. Como conse?quência da fraude, vimos que era necessário um sistema de registro dessas cessões de crédito, chamado C3, gerido pela Febraban. Hoje, as operações são registradas de forma transparente.
DINHEIRO ? Os bancos brasileiros foram elogiados na crise de 2008 por estarem menos alavancados que os americanos. O mérito é da regulação do BC ou do conservadorismo das próprias instituições?
HOFFMANN ? As duas coisas. A nossa regulação, que exige 11% do capital (para cada R$ 100 emprestados, os bancos precisam ter R$ 11 de capital), é mais restrita que a da Basileia, que prevê 8%. Além disso, o fato de o Brasil ter passado por crises na década de 1990 impediu a criação de um histórico de crédito. Isso dificulta uma alavancagem maior. As próprias crises, que geraram a necessidade do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), fizeram com que os bancos brasileiros saíssem mais fortalecidos e aprendessem a lição de que a postura mais prudente foi, e continua sendo, boa para eles.
DINHEIRO ? Na Europa, o grande risco é a eclosão de um problema bancário?
HOFFMANN ? Depende de como a solução para a dívida desses países será equacionada. Se alguns países não chegarem a um acordo e declararem moratória, isso obrigará os bancos a reconhecer como perda os créditos que eles têm com esses países. Isso, sem dúvida, afeta diretamente o setor bancário.
DINHEIRO ? Isso poderia contaminar a América Latina e, em especial, o Brasil?
HOFFMANN ? Creio que não diretamente, pois os bancos europeus, com poucas exceções, não têm uma presença importante no Brasil. Porém, indiretamente, traz consequências no financiamento a empresas e bancos brasileiros. Isso pode travar as linhas de crédito para o comércio exterior, como em 2008. Nessas horas, as dúvidas fazem com que os bancos segurem o crédito, numa espécie de freio de arrumação. Quem mais sente o impacto são as empresas exportadoras.