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FORTUNA Naji Nahas diz que suas ações hoje valeriam US$ 7 bilhões

 

 

 

 

Já era quase madrugada em Paris, na quinta-feira 3. No L?ami Louis, um dos restaurantes mais badalados da alta roda francesa, o investidor Naji Nahas, libanês naturalizado brasileiro que fez história no mercado acionário com jogadas de altíssimo risco, dividia a mesa com alguns mitos do tênis mundial: o italiano Nicola Pietrangeli, o romeno Ilie Nastase, o argentino Guillermo Villas e o espanhol Manolo Santana, todos velhos campeões do torneio de Ronald Garros. Nahas decidiu organizar um jantar para homenageá-los, regado a muitas garrafas de um dos melhores tintos de Bordeaux, o Mouton Rothschild. Naquela noite, Nahas também festejava uma vitória particular, que encerra um drama pessoal de 15 anos. O pesadelo começou no dia 9 de junho de 1989, quando eclodiu a maior crise da história das bolsas de valores de São Paulo e do Rio. Acusado de manipular o mercado para inflar artificialmente o preço das ações,
Nahas chegou a ser condenado a 24 anos de prisão, sofreu a maior multa já
aplicada pela Comissão de Valores Mobiliários e liquidou seu grupo empresarial, o Selecta, que reunia 28 empresas e incluía desde a Internacional de Seguros até
a maior produtora nacional de coelhos para exportação. A vitória recente ? e definitiva ? de Nahas foi fruto de uma decisão unânime da Justiça Federal do Rio de Janeiro. Nela, o investidor foi inocentado das acusações de crime contra o sistema financeiro e a economia popular. Mais: de acordo com os juízes, o delito jamais existiu. ?Perdi os melhores anos da minha vida enfrentando um processo kafkiano?, disse Nahas à DINHEIRO. ?Em vez de fazer o que eu gosto, que é ganhar dinheiro, tive de viver me defendendo?

Sem mais nenhuma acusação que lhe pese sobre os ombros, Naji Nahas volta ao mercado financeiro com sede de dinheiro e de vingança. Seus principais advogados, Eduardo Galil, Paulo Lazareschi e Carmem Sílvia Parkinson, já preparam novas ações judiciais. Só que não mais na defesa ? e sim no ataque. Nahas agora quer ser indenizado pela Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Na sua mira, também está o ex-presidente da Bovespa, Eduardo Rocha Azevedo, o ?Coxa?, a quem acusa de ter orquestrado uma manobra para quebrá-lo. Nahas diz que Rocha Azevedo teria pressionado vários bancos a cortar o crédito nas operações que fazia para a compra e venda de ações. Um dos banqueiros, o ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, chegou a confirmar essa tese num depoimento à Justiça. ?Sem o golpe de 1989, o homem mais rico da América Latina não seria o Carlos Slim?, disse Naji Nahas, referindo-se ao dono da mexicana Telmex e da Embratel. ?Seria eu?. Sua conta é simples. Antes da crise das bolsas, Nahas era o maior investidor individual do Brasil. Sozinho, controlava 6% dos papéis da Petrobras e 10% da Vale do Rio Doce. À época, tais ações valiam US$ 490 milhões. Hoje, a mesma participação não seria vendida por menos de US$ 7 bilhões. No entanto, quando as ações desabaram, em junho de 1989, Nahas teve de liquidar sua posição e perdeu tudo. Dois meses depois, os papéis voltaram aos valores de antes, mas o portfólio de Nahas já estava nas mãos de outros investidores. ?Ele, que foi o único perdedor da história, acabou sendo perseguido durante 15 anos por um crime que não existiu?, declarou à DINHEIRO o advogado Eduardo Galil. ?Agora tudo acabou?.

 

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ROCHA AZEVEDO: Ex-presidente da Bovespa é acusado por Nahas de ter orquestrado sua queda

A simples possibilidade de retorno de Naji Nahas aos negócios com ações já causa frisson nas mesas de operação de grandes bancos e corretoras. Até porque Nahas, herdeiro de uma próspera família libanesa, tornou-se uma figura quase mítica no mercado financeiro nacional e foi o principal player das bolsas de valores. Em 1969, quando desembarcou no Brasil, trouxe US$ 50 milhões para investir. Nos fim dos anos 70, já tinha mais de US$ 1 bilhão e tentou dominar o mercado mundial da prata, associado aos Hunt, uma família texana. Na década de 80, quando transferiu seus negócios de São Paulo para o Rio de Janeiro, fez com que a bolsa fluminense girasse um volume três vezes superior ao paulistano. Um sinal da grande expectativa em torno dos próximos passos de Naji Nahas ocorreu duas semanas atrás, na quarta-feira 26. Naquele dia, um só investidor havia vendido 7 mil contratos do Índice Bovespa no mercado futuro. Era uma operação atípica, uma vez que, em média, negociam-se apenas mil contratos diariamente. Além disso, o mercado hoje é dominado por grandes fundos de investimento, sediados no Brasil ou no exterior. Raras são as operações feitas diretamente por pessoas físicas ? e era assim que Nahas atuava nos anos 80. Por isso, o boato disparado de um telefone a outro dos operadores era um só: o especulador havia voltado, com sua peculiar ousadia. Ele jura que não. ?Sempre apostei na alta, jamais na baixa?, afirmou.

Foi justamente acreditando na valorização dos papéis que Nahas comandou as polêmicas operações dos anos 80. Nelas, o investidor comprava as ações e tinha o prazo de cinco dias para pagar. Caso não tivesse dinheiro, poderia vender os papéis a um banco financiador e recebia os recursos à vista, no chamado D+0. Só que para entrar no negócio, os bancos embutiam uma taxa de juros. ?Para a operação dar lucro, a valorização das ações tinha que superar a taxa dos bancos?, explicou à DINHEIRO o investidor Alfredo Grumser, que foi dono da corretora Open e um dos principais personagens do episódio. ?Não houve crime algum e todos os bancos queriam financiar o Nahas porque sabiam que ele tinha patrimônio para cobrir as apostas?. O problema é que Nahas acabou sendo condenado por um cheque sem fundos, de US$ 10 milhões, quando a CVM decidiu mudar as regras do jogo e proibir as operações D+0. O cheque foi devolvido pelo falecido banqueiro Pedro Conde, do BCN. Nahas acredita que tanto Conde quanto Rocha Azevedo estavam do outro lado da corda, apostando na queda do Índice Bovespa ? e, no fundo, o que estava em jogo era uma queda-de-braço entre ?comprados? e ?vendidos? do mercado. ?Se eu não quebrasse, eles teriam quebrado?, disse Nahas. Como, depois de junho de 1989, as ações logo retomaram a tendência de alta, o ex-ministro Mário Henrique Simonsen declarou à Justiça que houve manipulação para baixo ? e não para cima. Na visão de Alfredo Grumser, Nahas apostou na tendência correta e seu único erro foi acreditar que as ações subiriam apenas 100%. ?O fato é que elas estavam muito mais baratas e decuplicaram de preço?.

Antes da crise das bolsas, Naji Nahas, ex-sócio dos grupos franceses Societé Génerale e Saint-Gobain, agia como um autêntico ?colunável?. Já havia trazido ao Brasil estrelas do cinema como Alain Delon, Gina Lolobrigida e Omar Shariff. No entanto, depois do episódio de 1989, ele submergiu e descobriu que sua nova
forma de atuar, discreta, lhe rendia mais frutos. Evitou negociar ações como pessoa física e investiu apenas por meio de fundos estrangeiros. Enquanto esteve na
sombra, Nahas continuou costurando uma intensa rede de contatos internacionais. Hoje ele é a pessoa mais próxima de Marco Tronchetti Provera, o controlador da Telecom Italia. O bilionário francês Robert-Louis Dreyfus, dono da Coinbra, um dos maiores grupos agroindustriais do Brasil, é quase um irmão. O mesmo vale para a família Lagardère, controladora do principal império de mídia e armamentos da Europa. Além disso, ninguém no Brasil é tão ligado à família real saudita quanto ele. No Carnaval deste ano, Nahas trouxe ao Brasil o embaixador saudita em Washington, o príncipe Bandar Bin Sultan. Na Capital, Bandar foi recebido num jantar com a presença do presidente Lula, do chanceler Celso Amorim, dos ministros Antônio Palocci e Dilma Roussef, assim como do presidente da Vale do Rio Doce, Roger Agnelli ? e praticamente nada foi publicado na imprensa. Lula gostou. Decidiu-se ali que os árabes irão abrir todo seu território para a prospecção mineral da Vale. Discretamente, Nahas também está pilotando o projeto de uma refinaria de
petróleo no Ceará. Depois do encontro, o presidente confidenciou a um inter-
locutor que conheceu um outro Nahas, bem diferente do personagem que
imaginava. E é este que agora começa a sair da sombra.