O primeiro encontro aconteceu em 1986. Daniel Dantas, então um jovem prodígio do mercado financeiro, foi ao encontro de Naji Nahas, o legendário investidor libanês radicado no Brasil, a pedido de Lázaro Brandão, que era seu chefe no Bradesco. Daniel tinha a missão de obter de Nahas, um dos mais influentes homens do mundo das finanças, informações sobre mudanças nas regras de investimento. Na antesala, Dantas fixou longamente o olhar numa foto de Nahas, rodeado por poderosos, num cruzeiro marítimo. O investidor então entrou no ambiente, deu um leve tapa nas costas do garoto e disse, em meio às baforadas do charuto: ?Naquele dia, eu perdi um bilhão de dólares; acho que você nunca conheceu alguém que já perdeu um bilhão.? Dantas parou, pensou e respondeu: ?Com esse sorriso, de fato, nunca conheci?. Nahas referia-se a um passo em falso no mercado da prata ? ele e membros da família real saudita sonharam em ter quase toda a prata do mundo nas mãos e perderam fortunas quando os preços despencaram. Mais de quinze anos depois, quis o destino que Nahas e Dantas voltassem a se encontrar. O megainvestidor, uma das raras pessoas do mundo capazes de perder US$ 1 bilhão e ainda sorrir, tinha mil e uma histórias para contar. Foi ele o epicentro do maior terremoto já visto no mercado financeiro brasileiro ? o colapso da Bolsa de Valores de São Paulo, em 1989. Dantas, por sua vez, já não era apenas um garoto promissor. À frente do Opportunity, ele hoje administra investimentos de mais de R$ 10 bilhões. E, juntos numa negociação pela primeira vez, os dois solucionaram uma das maiores brigas societárias do País: a disputa entre a Telecom Italia e a Brasil Telecom. O acordo foi assinado na madrugada da quarta-feira 28, por Daniel Dantas e Marco Tronchetti Provera, presidente da operadora italiana. Dois dias depois, Nahas e Dantas brindaram o acerto num almoço na mansão do investidor em São Paulo, no Jardim América. Comeram quibes, coalhadas e saladas árabes. ?Mesmo um mau acordo é quase sempre melhor do que uma boa briga, e este foi um acordo excelente para as duas partes?, disse Nahas, que aconselhou os italianos, à DINHEIRO (leia sua entrevista na página 63). ?Naji foi sempre construtivo e elegante?, devolveu Daniel.

O acordo entre a Telecom Italia e a Brasil Telecom colocou um ponto final numa briga sangrenta. Discretamente, todas as negociações foram pilotadas por Naji Nahas, amigo íntimo de Tronchetti Provera há mais de vinte anos. Pelo acerto, os italianos reduziram sua participação na operadora brasileira e terão direito a lançar nacionalmente o serviço celular da Telecom Italia Mobile. ?Fui injustamente massacrado pela mídia, mas nunca perdi bons relacionamentos?, disse Nahas, dono de uma agenda de fazer inveja. Naji Nahas é um homem tão poderoso que, em junho deste ano, teria convencido o líder da Arábia Saudita, o príncipe Abdullah, a enviar o Boeing saudita a Paris. O avião foi à França buscar o governador cearense Tasso Jereissati para um encontro em Riad, onde se discutiu a implantação de uma refinaria de US$ 2 bilhões no Brasil. Nahas também foi o organizador de um jantar para Bill Clinton, em Paris, logo depois que o ex-presidente americano deixou a Casa Branca. Na capital francesa, os dois são habitués do L?ami Louis, um dos mais exclusivos restaurantes parisienses e, não raro, sentam à mesma mesa. No mundo empresarial, há informações de que Nahas aconselha grandes multinacionais, como a Elf-TotalFina, quarta petroleira do mundo,
e a Hutchinson Wampoa, maior conglomerado de Hong Kong.

Sua entrada em campo para resolver a pendenga da Brasil Telecom foi fruto exatamente dessa rede de relacionamentos globais. Em maio deste ano, durante o torneio de tênis de Monte Carlo, Nahas e Tronchetti Provera foram convidados para passar um fim de semana no iate de um amigo comum. Entre uma raquetada e outra de Andre Agassi, o campeão do torneio, Nahas ? que tem o tênis como uma de suas grandes paixões ? e Tronchetti Provera debateram o affair Opportunity. ?Disse a ele que talvez pudesse ajudar.? Durante mais de três meses, agindo em silêncio, Nahas fez o meio de campo entre Dantas e Provera. Todas as conversas anteriores vinham sendo infrutíferas porque as equipes técnicas da Telecom Italia e da Brasil Telecom odiavam-se. Nahas foi o grande conciliador. Nascido de uma família de negociantes com tradição milenar, ele gosta de apontar nos livros da sua estante as menções às origens fenícias. E todo o trabalho era facilitado pelas afinidades eletivas entre Dantas e Nahas. O professor Mário Henrique Simonsen foi uma espécie de guru de ambos. Antes de depor em favor de Nahas no caso da Bolsa, Simonsen aconselhou-se com Dantas, que considerava o investidor inocente. E Nahas, mesmo dez anos mais velho, sempre admirou o dono do Opportunity. ?O Simonsen me dizia que ele era seu primeiro, segundo e terceiro melhor aluno?. Além disso, Dantas recebeu uma ligação de Provera, em que o italiano foi claro: ?Falar com o Naji é o mesmo que falar comigo?.

Com bom árabe, Naji Nahas sempre teve uma vida repleta de aventuras. Ele, que já era casado com uma brasileira, chegou ao Brasil aos 23 anos, com visto permanente, num vôo da Varig que foi seqüestrado e levado para Cuba. Não era um imigrante qualquer. Veio com US$ 50 milhões no bolso e, aos 37 anos, já comandava um império de 27 empresas. Aos 43, era disparado o maior investidor no mercado acionário brasileiro, até o momento em que a Bolsa, em 1989, foi à lona. Nahas teve seu financiamento cortado pelos bancos e várias corretoras ficaram com posições a descoberto. Em 1997, foi condenado à prisão, mas a sentença foi revista um dia depois. Em todos os processos que ainda restam, Nahas vem sendo absolvido. O fato é que nunca, no mercado brasileiro, houve alguém tão ousado e audacioso. ?Se o Naji pudesse ser comparado a um automóvel, ele seria como uma Ferrari do ano… sem freio?, disse um banqueiro à DINHEIRO. A despeito das polêmicas, Nahas já vinha assessorando, mesmo antes do acerto na telefonia, outros grandes negócios. Foi ele quem conduziu a venda da empresa de serviços públicos Vega para a francesa Suez. Nahas também acompanhou a aquisição da Gaspart, distribuidora de gás no Nordeste, pela Enron. ?Há muitas novas oportunidades no Brasil?, diz Nahas. ?Como os árabes vêem os Estados Unidos com desconfiança, o Brasil pode ser uma Nova América para investimentos.? Nahas também gere fundos internacionais. Seus filhos, em São Paulo, administram uma incorporadora de imóveis, diversos estacionamentos, e, em conjunto com investidores árabes, pretendem erguer um complexo empresarial numa área de 20 mil metros quadrados em plena Avenida Faria Lima.

De volta ao palco iluminado dos grandes negócios, Nahas ainda não deu por encerrado seu trabalho com o Opportunity. Ele agora terá que se entender com Roberto Mangabeira Unger, professor de Harvard e coordenador do programa de Ciro Gomes, que foi nomeado advogado por Daniel Dantas para resolver as últimas pendências do caso. Nahas e Mangabeira definirão parâmetros conceituais nas questões litigiosas que restaram ? numa ação judicial, o Opportunity reivindica uma indenização pelos prejuízos causados pelos italianos à Brasil Telecom, especialmente no episódio de superfaturamento da compra da operadora CRT. ?Tudo será superado?, garante Nahas. Na sua visão, a Brasil Telecom e a Telecom Italia Mobile ainda poderão trabalhar juntas e afinadas no futuro. ?Somos todos bons amigos.?

“E quem ganhou na bolsa?”

Naji Nahas: prepara agora pedidos de indenização
Logo depois de brindar o acordo fechado entre a Telecom Italia e o Opportunity, Naji Nahas recebeu a DINHEIRO para uma entrevista. Nela, o investidor diz que os verdadeiros amigos ? que o conhecem ? nunca se afastaram e que ele está, passo a passo, restabelecendo a verdade.
DINHEIRO ? Em 1989, o sr. foi acusado de ser o pivô da quebra da Bolsa. O trauma já foi superado?
NAJI NAHAS ? Fui vítima do maior golpe da história do Brasil. Como alguém que perde US$ 300 milhões num dia pode ter sido o autor do golpe? O fato é que todos sabem quem perdeu, mas ninguém se preocupa em saber quem ganhou. No fim dos processos todo mundo vai saber.

DINHEIRO ? E quem ganhou?
NAHAS ? Na época, eu disse tudo claramente. Foi o Eduardo Rocha Azevedo, ex-presidente da Bolsa, e a turma dele. Mudaram as regras do jogo e pressionaram os bancos para que cortassem meu crédito. É essa a verdade. Por isso, Mário Henrique Simonsen ficou do meu lado, e prestou depoimento de sete horas na Justiça sintetizando: ?Naji não manipulou nada?.

DINHEIRO ? O sr. foi condenado à prisão em 1997…
NAHAS ? Fui, mas a decisão era esdrúxula e foi cancelada 24 horas depois. Se eu não tivesse sofrido aquele golpe em 1989, minha carteira de ações hoje valeria uns US$ 6 bilhões. Eu comprava os papéis porque acreditava no Brasil e apostava na valorização de empresas como a Petrobras e a Vale do Rio Doce. Hoje, estou sendo absolvido em todos os processos.

DINHEIRO ? É verdade que o governo americano proibiu sua entrada nos Estados Unidos?
NAHAS ? A proibição nunca existiu. Minha filha casou-se e mora lá. Vou umas dez vezes por ano aos Estados Unidos.

DINHEIRO ? Você se sentiu perseguido?
NAHAS ? A perseguição foi tão grande que, pela pressão dos manipuladores, todas minhas empresas foram atingidas. Existe até um voto do relator do Conselho de Recursos Financeiros, que disse o seguinte: ?Procurei de tudo para incriminar o Naji, mas não encontrei?.

DINHEIRO ? O que o sr. pretende fazer?
NAHAS ? Os advogados estão estudando. Certamente, vou pedir reparações. Não é pelo dinheiro. Tenho filhos, netos e eles não podem ouvir que o nome Nahas é de alguém que manipulou o mercado. Você não sabe o que essa injustiça custou a mim e a minha família.

DINHEIRO ? Quem são seus parceiros nos novos negócios?
NAHAS ? Trabalho no assessoramento a vários grupos multinacionais. Não posso enunciá-los. Conselheiro bom sempre age em silêncio.

DINHEIRO ? Qual o segredo para se relacionar tão bem?
NAHAS ? Mesmo quando perdi dinheiro, nunca perdi o respeito de quem me conhecia. O segredo é a confiança.

DINHEIRO ? Como o sr. conheceu a família real da Arábia Saudita?
NAHAS ? O príncipe Abdullah é casado com uma libanesa cujo irmão é grande amigo meu. Depois, você sabe, nas escolas do Cairo, no Egito, e do Líbano, nós conhecíamos muita gente. São pessoas da minha geração.

DINHEIRO ? E o Clinton?
NAHAS ? Temos muitos amigos comuns, como por exemplo o James Carville, que fez as campanhas políticas, do ex-presidente. Clinton é brilhante e é uma simpatia. O meu relacionamento com pessoas assim é que considero o meu maior capital.

DINHEIRO ? Como foi possível costurar o acordo na telefonia?
NAHAS ? As equipes da Telecom Italia e do Opportunity foram brilhantes e sempre tiveram uma postura profissional.