Para o executivo, caso o tema não seja tratado com a urgência necessária, pode não haver nem mesmo um planeta a ser salvo no futuro.

Em novembro passado, Walter Schalka foi um dos painelistas da COP26, em Glasgow, Escócia. No mesmo período, nasceu sua segunda neta. A coincidência elevou o sentimento do executivo em relação às condições do planeta hoje e nas próximas décadas. Há quase dez anos à frente da Suzano S.A., gigante do setor de papel e celulose que em breve completará um século, Schalka tem visto sua agenda ser tomada por questões ambientais e sociais. O comprometimento com a sustentabilidade foi um dos destaques do Suzano Day, na quarta-feira (30), quando a empresa apresentou resultados e metas. “Temos de olhar cada vez mais para o lado social e a responsabilidade geracional na questão ambiental”, disse Schalka.

Dinheiro — Como definir a Suzano hoje, prestes a completar 100 anos de vida?
Walter Schalka — É uma empresa em transformação constante, e que tem a ver com os conceitos de inovação e sustentabilidade. A gente chama de “inovabilidade”. Se você pegar uma fotografia da Suzano de cinco anos atrás, verá que ela era bem diferente do que é hoje.

O que mudou?
Há cinco anos não havíamos feito a fusão com a Fibria [que transformou a empresa na maior produtora de celulose de eucalipto do mundo]. E a beleza disso tudo é que daqui a dez anos já não será igual a hoje. Estamos entrando em novos segmentos, alicerçados por um programa de reinvestimento constante. Cerca de 90% do caixa operacional é reinvestido na própria empresa.

Qual o desafio de coordenar essas transformações?
Venho aprendendo a olhar de forma mais ampla para dois campos nos quais eu tinha uma visão menos refinada. O primeiro é o da transformação, da inovação. O segundo, no qual a empresa também vem amadurecendo, é a nossa responsabilidade de olhar depois da cerca. As empresas e a minha geração de executivos foram preparadas com foco em evolução dos ganhos de produtividade e eficiência dentro das operações. Temos de olhar cada vez mais para o lado social e a responsabilidade geracional na questão ambiental.

As mudanças climáticas impactam a gestão?
A crise climática vem se agravando, e não adianta só discurso bonito, precisamos de ação, e ação já. Isso é fundamental. A temperatura está subindo, há fenômeno de seca em algumas regiões, excesso de chuva em outras, redução das áreas de gelo e aumento do nível dos oceanos que vai gerar perda muito grande com pessoas tendo de sair de suas regiões. Teremos mais imigrantes climáticos nos próximos anos. A outra questão é a das desigualdades na sociedade brasileira e global. Temos mais concentração de renda, mais desigualdade de oportunidades e cada vez mais temos de endereçar as questões dos públicos com menos oportunidades — LGBT, mulheres, pessoas negras. Isso é uma responsabilidade que transcende a empresa, é de todos nós, mas a empresa precisa ter um papel. Como cidadãos do mundo, temos de agir nessas duas questões que não podem ser postergadas. Não adianta querer jogar uma responsabilidade climática para daqui 20 ou 30 anos, pois se continuar assim pode ser que até lá não tenhamos planeta para salvar.

“Há seca em algumas regiões, excesso de chuva em outras, redução das áreas de gelo e aumento do nível dos oceanos. Teremos mais imigrantes climáticos” (Crédito:Istock)

E qual é o papel da Suzano em tudo isso?
Primeiro é ser vocal nesse tema e depois agir nessa direção. Então colocamos metas muito ambiciosas de lideranças negras e femininas na empresa, e temos trabalhado nessa direção. Colocamos metas relevantes de percepção de inclusão de LGBT e PCD para 100% dos colaboradores. Se não atingirmos os objetivos, a remuneração variável dos colaboradores será afetada, começando por mim.

A Suzano pretende reduzir a pobreza no entorno de suas unidades. Como fazer isso?
Definimos como meta tirar 200 mil pessoas da pobreza até 2030. O primeiro passo é estabelecer um programa de renda sustentável para as famílias. Discutimos com cada comunidade, apresentamos opções e depois escolhemos juntos o que queremos fazer.

Pode dar um exemplo?
Temos um programa para produção de mel. Damos acesso às pessoas para nossas áreas de eucalipto, oferecemos equipamentos e treinamento de como produzirem adequadamente. Depois ajudamos a vender o mel por meio de nosso programa de exportação ­— vendemos celulose para 86 países — e para o mercado local, e 100% da renda vai para a comunidade. A gente gera renda estruturada, recorrente e permanente. Mas isso não é suficiente. Renda estruturada é importante para essa geração. Para a próxima, é fundamental educação. Nessas comunidades, colocamos uma meta para que 100 mil crianças aumentem em 40% o nível de suas nota no Ideb [Índice de Desenvolvimento de Educação Básica] até 2030. Com isso preparamos a próxima geração para também ter uma ascensão social e igualdade de oportunidades.

A empresa é referência no campo de ESG, mas ainda é cobrada sobre os impactos ambientais da monocultura do eucalipto. Como lidam com essa questão?
Primeiro, vamos construir aqui uma quebra dos paradigmas sobre esse tema. A Suzano só entra em áreas para plantio de eucalipto que tenham sido antropizadas [áreas que tiveram características originais alteradas] antes de 1992, geralmente abertas para pecuária e que ao longo do tempo foram degradadas. Fazemos um programa de plantio de eucalipto e de recuperação das áreas com fertilização. Hoje temos aproximadamente 1,5 milhão de hectares plantados com eucalipto, mas também 1 milhão de hectares de áreas que preservamos. Sobre a monocultura, planta-se eucalipto em uma determinada área como se planta trigo, soja, milho e outras, também monoculturas. Ouvimos muito que nossas florestas não têm a mesma biodiversidade de uma nativa. É óbvio que não tem, pois é uma floresta plantada, diferente de uma área de floresta nativa, que também temos. Ainda assim, a biodiversidade é muito maior do que em milho, soja e pecuária. Inclusive, criamos um programa de interligação entre esses fragmentos de áreas preservadas. São 500 mil hectares integrados por corredores para melhorar a biodiversidade. Um ponto muito importante na questão ambiental é que se trata de um programa de convergência, de construção. Não estamos competindo com ninguém, estamos fazendo com outras pessoas. A preservação do meio ambiente tem a ver com 8 bilhões de pessoas, não é um jogo em que um ganha e outro perde. Ou ganhamos todos ou perdemos todos. Precisamos reduzir a emissão de CO2, limitar o aumento de temperatura a 1,5°C e preservar a biodiversidade.

A COP26 produziu algum avanço nesse sentido?
Ali há dois mundos: o das negociações entre os países e o da sociedade civil, que está muito engajada na questão da descarbonização global e de suas consequências. Os países estão tentando construir soluções estruturadas para que isso seja regulamentado pela ONU. E negociação da ONU é muito delicada e difícil, porque são 197 países negociando e não existe voto, só veto. Como construir uma solução que acomode os interesses de todos?

O que a Suzano está fazendo neste sentido?
Uma das nossas metas é tirar 10 milhões de toneladas de plástico da matriz econômica e global até 2030, substituindo por produtos derivados das árvores. É um absurdo comprar uma pacote de batatinha frita, que tem 60 gramas, e jogar aquela embalagem na natureza para sempre. O período de degradação é muito longo, dezenas de anos.

Como é a empresa na exportação de energia?
Isso já representa de 6% a 7% do volume total de receita. Somos produtores de energia limpa há bastante tempo. Vendemos energia todos os dias a partir de várias das nossas fábricas. Com a nova unidade, o Projeto Cerrado, vamos gerar 180 MW. Estamos investindo mais de R$ 19 bilhões. O número de pessoas trabalhando é crescente, nos próximos meses teremos cerca de 10 mil pessoas.

Como a Suzano vê o mercado de carbono?
Nesse momento estamos investindo para transformar parte da matriz energética. A Suzano participará tanto do mercado regulado quanto do voluntário. Mas nem todo sequestro de carbono pode ser comercializado, porque tem uma coisa fundamental que se chama adicionalidade — tudo o que é status quo, tudo o que eu tenho business as usual, não posso negociar. Vou dar um exemplo: se eu conseguir aumentar minha produção de energia limpa, isso é adicionalidade, portanto eu posso negociar, mas tudo o que fiz para o passado não posso mais negociar.

“Na questão dos fertilizantes, teremos um efeito de curto prazo sobre todos os países que dependem da importação, e o Brasil é um deles” (Crédito:Istock)

Qual é o impacto da guerra entre Rússia e Ucrânia para os negócios da Suzano?
Em primeiro lugar, é fundamental mencionar nossa tristeza com o lado humanitário do que está acontecendo. No outro lado da equação, que é o do negócio, empresas de países que antes escolhiam os melhores lugares no mundo para produzir agora estão privilegiando o abastecimento em relação à questão do custo. Vamos ver um processo de fragmentação da produção de diversas cadeias no mundo, demonstrando quão importantes são essas questões geopolíticas que estão sendo colocadas nesse momento. Na questão dos fertilizantes, teremos um efeito de curto prazo sobre todos os países que dependem da importação, e o Brasil é um deles. A Suzano também é dependente de fertilizantes, e estamos vendo um aumento de custo significativo. Outra questão é a do transporte marítimo, que está muito estressado desde o ano passado.

Como a queda do dólar afeta os negócios?
A valorização do real nos afeta negativamente, porque exportamos mais de 90% da nossa produção. Dos nossos custos, entre 15% e 20% são em dólar, então para nós uma valorização do real gera uma queda de margens. Olhamos isso com tranquilidade, pois já vimos esse filme dezenas, centenas de vezes. Não somos especuladores cambiais, e por isso fazemos hedge cambial para os próximos 18 meses.

Quais as metas para este ano?
O que a gente pode falar é que a companhia teve em 2021 o melhor ano de sua história: Ebtida de R$ 23,5 bilhões; geração operacional de caixa próxima de R$ 19 bilhões; redução de nosso endividamento, que aumentou quando tivemos a operação Suzano/Fibria porque parte relevante foi feita com caixa. Nossa dívida é longa e barata, com taxa fixa em dólar de 4,3%. Para uma companhia brasileira estamos muito bem posicionados.

Como avalia as próximas eleições no Brasil?
Falando como cidadão, acho que é uma eleição muito importante, porque precisamos olhar para o futuro e para a qualidade de vida do brasileiro. Nos dez últimos anos, no Brasil, o crescimento acumulado do PIB foi zero e o País precisa gerar oportunidade, emprego, dignidade para o trabalhador. Temos uma boa oportunidade no final do ano de escolher pessoas que consigam prover as necessidades fundamentais para a qualidade de vida da população brasileira.