22/02/2013 - 6:00
DINHEIRO ? Por que o escritório central brasileiro foi transferido de Curitiba para o Rio de Janeiro?
FRANÇOIS DOSSA ? Isso é consequência da construção da fábrica. Quando o CEO mundial da Renault-Nissan, Carlos Ghosn, decidiu que a fábrica seria em Resende, ficou claro que a sede não poderia continuar em Curitiba. A primeira decisão foi estratégica, pela afinidade que temos com o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e pela localização privilegiada da cidade, que fica na via Dutra, entre Rio e São Paulo. É uma região que está se transformando em novo polo automotivo, com a chegada de companhias como a Michelin, a MAN, a PSA e, agora, a gente. É bom estar no meio de empresas do mesmo setor. A transferência para o Rio de Janeiro foi uma questão natural. Vai acontecer muita coisa na cidade. É, na verdade, mais uma de nossas apostas para o futuro.
DINHEIRO ? Esse compromisso tem relação com as metas da empresa para o mercado brasileiro?
DOSSA ? Sim. Todos sabem que tivemos problemas, no ano passado, com as cotas de importação do México. Hoje temos uma limitação e nossa ambição no mercado brasileiro é vender muito mais carro do que temos direito com a cota. A fábrica fará toda a diferença. Por isso estamos trabalhando tanto para não haver atraso e já em 2014 ter uma produção local em Resende. Nosso acordo com o governo vai até 2015.
DINHEIRO ? Qual é, hoje, a participação da Nissan no mercado brasileiro?
DOSSA ? Fechamos o ano com 3% de market share e nosso objetivo é chegar a 2016 com 6%. A gente quer mais que dobrar as vendas, porque o mercado também vai crescer. A nova fábrica vai começar com um turno e três meses depois já terá terceiro turno. Estamos fazendo tudo muito rapidamente para chegar à produção máxima em um ano de funcionamento.
DINHEIRO ? Formar mão de obra é um desafio?
DOSSA ? É, sim. Eu achava que teríamos muito mais problemas, mas a Nissan é atrativa, pois ficou claro que temos um compromisso aqui. Afinal, são R$ 2,6 bilhões de investimento. Mas essa mão de obra tem de ser treinada. Montamos um plano para treinar os operários no México, onde somos líderes de mercado. Normalmente é o pessoal de fora que vem treinar o pessoal aqui. Achamos melhor mandar os funcionários para fora a fim de que vejam como é a fábrica funcionando. Lógico que é muito mais caro, mas a ideia é que aprendam bem o modelo mexicano para que possamos até aprimorá-lo no Brasil.
DINHEIRO ? A Nissan vai continuar apostando nos modelos populares para crescer no Brasil?
DOSSA ? Para entrar bem no mercado e fazer nosso nome, a estratégia correta é apostar no carro popular. Em sete dos dez anos em que está no Brasil,a Nissan ficou com menos de 1% de participação, porque tentou entrar pelo mercado de luxo. Não deu certo. A partir do momento em que começou a vender o March, o Versa e o Tiida, pulou para 3%. Mas só com o carro popular não se faz uma marca. Vamos continuar importando os carros de luxo, como o Altima. Temos de ter toda a gama de produtos para oferecer ao consumidor brasileiro. Mas a decisão sobre uma nova fábrica para modelos de luxo ou intermediários ainda é coisa para o futuro.
O Nissan Leaf é o automóvel elétrico mais vendido do mundo
DINHEIRO ? Como o sr. vê o regime automotivo brasileiro? As montadoras vão investir no aprimoramento técnico dos carros?
DOSSA ? Eu acho muito bom. O carro no Brasil estava muito atrasado. Não tinha airbags, não tinha ar-condicionado. O governo está fazendo a coisa correta, com o Inovar-Auto, pois tem preocupação com a segurança. Para isso, tem de obrigar a introdução desses itens, se não a coisa não acontece. Também defendo a eficiência energética, preconizada pelo governo. Temos de poluir menos. Mas vale lembrar que a preocupação com as emissões e a eficiência energética acabam, inevitavelmente, no carro elétrico.
DINHEIRO ? O sr. acha viável o Brasil começar a produzir modelos totalmente elétricos?
DOSSA ? Não há outra saída para as grandes cidades do mundo inteiro. Caso contrário, em metrópoles como São Paulo e Cidade do México ninguém vai respirar mais. A solução é o carro, o ônibus e o caminhão elétricos. Com uma bateria normal, o motorista já roda cerca de 160 quilômetros sem ter de carregar. Noventa por cento das pessoas no mundo não costumam rodar mais de 160 quilômetros por dia. A Nissan já conseguiu com a nova bateria atingir uma autonomia de 230 quilômetros. Os jovens vão passar a exigir o carro elétrico. Quem não produzi-lo vai perder mercado.
DINHEIRO ? Nos últimos anos, o Brasil vem adotando uma política tributária com reduções eventuais de IPI para incentivar o consumo. Não seria melhor uma alíquota menor e mais estável?
DOSSA ? Eu não sou ministro da Fazenda (risos), mas pensando de forma mais macro, comparando com a França, de onde eu venho, cujo governo também é intervencionista, é assim mesmo. Um liberal diria que é um horror, mas acho justo. Quando o governo vê que o mercado não está andando como deveria, tem a arma do IPI.
A presidenta Dilma Rousseff ao lado do presidente
francês, François Hollande
DINHEIRO ? Por que os empresários se queixam tanto de que é caro produzir automóveis no Brasil?
DOSSA ? Realmente é caro. O carro brasileiro é o mais taxado do mundo. É uma discussão que temos sempre com o governo, através da Anfavea. O governo alega que há muitos gastos e investimentos a fazer. Talvez cheguemos a um meio-termo. Nosso argumento é que, taxando menos, poderemos vender mais carros e, com uma base maior, a arrecadação deve aumentar.
DINHEIRO ? E em termos de custo de produção?
DOSSA ? A energia está caindo de preço. A mão de obra se equipara com a de outros países. O que faz o carro ser caro são as taxas, é a parte fiscal. Os custos de produção são compatíveis com o restante do mundo. É claro que há países com custos mais baixos, mas será que é bom ter mão de obra escravizada? Eu, sinceramente, acho que não.
DINHEIRO ? O mercado já absorveu a invasão dos carros chineses?
DOSSA ? O que ficou definido, numa decisão acertada do governo, é que importação em massa não pode funcionar mais. O IPI e o Imposto de Importação a inviabilizam. Quem quiser crescer no mercado brasileiro tem de investir, construir fábrica. Se os chineses acharem por bem produzir no Brasil, eles podem. O consumidor vai avaliar se o produto deles é bom ou não. Mas invasão, via operações de importação, não vai mais acontecer.
DINHEIRO ? Os carros brasileiros ainda padecem de uma defasagem tecnológica grande. Isso será superado?
DOSSA ? Em quatro anos, ela será totalmente superada, graças a essa política do Inovar-Auto. É uma decisão correta. No primeiro momento, as montadoras reclamaram, porque exige investimentos. Mas a Nissan está entrando com tecnologia e não vai vender carros de segunda linha. Estamos trazendo um estúdio de design para o Brasil. Isso era feito lá fora. Queremos criar um carro com o gosto do brasileiro. Inicialmente, será uma adaptação de um modelo existente. Mas, depois, poderemos produzir um modelo Nissan-Brasil até para exportação.
DINHEIRO ? Qual o cenário traçado pela Nissan para o Brasil nos próximos dez anos?
DOSSA ? O Brasil se tornará o terceiro mercado automobilístico mundial. É muito claro: nos Estados Unidos, há 700 carros para cada mil habitantes; na Europa são 500; e no Brasil, a relação é de apenas 250 carros. Isso significa que a produção por aqui pode chegar ao nível da Europa e dobrar dos atuais quatro milhões para oito milhões de veículos por ano. É por isso que todas as montadoras estão investindo no Brasil. Agora chegou a nossa vez.
DINHEIRO ? Que tipo de carro será fabricado no País?
DOSSA ? O carro 1.0, que já representou 60% do mercado e hoje é 49%, deve ficar em 35%, nos próximos anos. Isso porque a gama dos veículos mais potentes vai aumentar bastante. E o carro elétrico também será uma realidade. Mas o governo deve mudar o quadro fiscal. A importação do carro elétrico, por exemplo, é taxada em 55%. É preciso testar os produtos, antes de erguer uma fábrica. Em segundo lugar, necessitamos de uma infraestrutura de recarga. Para isso, já até assinamos um protocolo com a BR Distribuidora para a instalação de pontos de abastecimento elétrico em seus postos de combustível.
DINHEIRO ? Como o patrocínio da Olimpíada ajuda a consolidar a marca Nissan no País?
DOSSA ? A ideia é mostrar que a Nissan não veio aqui para brincar. Fizemos um investimento pesado, mas não é uma coisa que tenha muita visibilidade. Sendo patrocinadora dos Jogos Olímpicos, colocaremos cinco mil carros nas ruas para transportar todas as delegações e autoridades. O mundo inteiro vai ver, não só o Brasil. Viemos para ficar. Já começamos com o Time Nissan. Vamos ajudar 30 atletas a ganhar medalhas. Isso é bem diferente do que faz a maioria das empresas patrocinadoras, que só chegam na reta final. Para isso, contamos com a experiência de dois mentores: a Hortência (ex-jogadora de basquete) e o Clodoaldo (nadador paralímpico). Eles têm uma liderança fantástica.