Nos últimos 60 anos, a Mattel, maior fabricante de brinquedos do mundo, tem alimentado as fantasias de milhões de crianças. Que menina nunca brincou com uma Barbie? Se não brincou, conhece. E os pais adoram. É uma marca forte, tradicional e respeitada, vinculada a segurança e qualidade. Tudo isso, no entanto, foi posto em xeque na semana passada. Poucos dias depois de tirar do mercado 967 mil brinquedos fabricados na China com níveis tóxicos de chumbo na tinta (o que culminou no suicídio do fornecedor local e num prejuízo de US$ 30 milhões), o grupo anunciou outro megarrecall. Desta vez, de 21,8 milhões de produtos, 850 mil vendidos no Brasil, entre eles ícones como a Barbie, o Batman e a Polly Pocket. Motivo: a empresa descobriu que os ímãs presentes em algumas linhas de bonecas se descolavam facilmente e, se ingeridos, poderiam provocar lesões nas crianças. O detalhe é que em novembro do ano passado a Mattel já havia retirado das prateleiras brasileiras 100 mil bonecas Polly, depois de apurar três casos de ingestão dos ímãs no Exterior. O novo episódio imediatamente derrubou o valor das ações do grupo em 6%. Foi tão grave que o executivo Bob Eckert veio a público em carta de próprio punho: ?O longo histórico de segurança da Mattel explica por que somos um dos nomes mais confiáveis para os pais. Estou certo de que as ações que estamos tomando manterão essa confiança.?

À medida que o reino dos sonhos da Mattel se transforma num pesadelo sem fim, o caso levanta a questão: até onde a marca agüenta? ?Só o tempo e o próximo escândalo irão dizer?, avalia Edson Giusti, especialista em gestão de imagem. ?A Mattel vai rever sua cadeia de fornecedores para evitar que isso se repita.? Para Marcos Machado, consultor de gestão de marcas da TopBrands, a empresa precisa convencer o público de que a natureza do problema não teve a ver com negligência: ?Se conseguir, ela tem uma chance razoável de se sair bem dessa história?, diz. As manifestações que se seguiram ao anúncio do recall dão uma idéia da pressão que a empresa sofrerá, e como sua marca pode ser afetada. No Brasil, órgãos de defesa do consumidor e entidades e empresas do setor foram duros nas críticas. O Procon de São Paulo, por exemplo, instruiu os consumidores prejudicados a buscar reparações na Justiça por danos morais e patrimoniais eventualmente sofridos.

?Vejo isso com bastante consternação, pois denigre o setor às vésperas das vendas do Dia das Crianças. É preocupante?, diz Aires Leal Fernandes, diretor de marketing da Estrela. A Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos) foi além: ?É uma irresponsabilidade sem tamanho, um retrocesso no mercado de brinquedos. Acho que essa empresa americana deveria pedir desculpas e se retirar do Brasil?, protesta Synésio Batista, presidente da associação.

Para minimizar o impacto junto aos consumidores, a Mattel se mobilizou em várias frentes. O braço nacional disponibilizou um telefone gratuito, e-mail e site. Em espaços pagos na mídia, veiculou informativos explicando como proceder na devolução dos produtos. Não se fala em valores, mas tendo em vista o volume de brinquedos envolvidos no recall e seu preço médio (por aqui, de R$ 60 a R$ 120), pode-se afirmar que o custo será de pelo menos R$ 51 milhões, somente no Brasil. ?Temos como primeira prioridade a segurança de nossas crianças. Não pouparemos nisso. É essa credibilidade que queremos preservar e reforçar?, diz Ronald Schaffer, diretor financeiro da subsidiária brasileira. O dano, porém, está feito ? não só à empresa, mas aos fabricantes chineses, responsáveis pela produção de 80% dos brinquedos em todo o mundo. ?Esses escândalos estão se tornando freqüentes e muitos vendedores começam a se preocupar na hora de vender brinquedos chineses?, diz um analista de varejo ouvido por DINHEIRO. ?Haverá mais pressão.?