14/02/2014 - 21:00
De tempos em tempos, atribui-se a São Pedro a responsabilidade pelas enchentes na cidade de São Paulo, pelos deslizamentos de terra em morros e regiões serranas no Rio de Janeiro ou, mais recentemente, pelo baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas e das represas que abastecem de água as regiões metropolitanas. Ou seja, clama-se contra a falta de chuvas tanto quanto pelo do excesso delas, transferindo a responsabilidade pelos excessos na conta do velho santo do clima.
Essa lenga-lenga, repetida à exaustão nas últimas semanas pelo governo do tucano paulista Geraldo Alckmin, para justificar o racionamento de água em algumas regiões do Estado, e pela equipe da presidenta Dilma Rousseff, para se esquivar das críticas em relação ao risco energético, é apenas mais uma tentativa de maquiar, em ano de eleição, a inegável improvisação que marca a gestão pública de todos os níveis de governo nas últimas décadas, especialmente na área de saneamento. O Sistema Cantareira, maior reserva administrada pela Sabesp, foi inaugurado na década de 1970, quando viviam na região metropolitana da capital paulista pouco mais de 8,1 milhões de habitantes.
O projeto foi concebido para atender a 15 milhões de pessoas, no máximo, 5 milhões a menos que a população atual. De lá para cá, não houve investimentos em novos mananciais e o resultado está aí. A outra grande reserva hídrica da região, a Represa Billings, começou a operar em 1958, há exatos 56 anos, onde se despeja esgoto e, ao mesmo tempo, se capta água para alimentar as torneiras de 1,2 milhão de clientes na zona sul de São Paulo e na região do ABC. Não há como negar que este é o mais árido período em décadas. Os meteorologistas asseguram que se trata do menor volume de chuvas em 30 anos.
Outros dizem que, na verdade, é a pior seca em 80 anos. Sejam 30 ou 80, o fato é que a ausência das chuvas trouxe à tona a fragilidade do abastecimento no Estado, que responde por 40% do PIB brasileiro. Os defensores do governo estadual garantem que a única alternativa ao problema, já que a escassez de chuva é uma fatalidade, seria o uso racional (leia-se redução pura e simples do consumo). Segundo essa corrente, não existem novas opções de captação de água – tese que não convence nem os mais leigos. O diagnóstico para o estado crítico do abastecimento de água em São Paulo serve para explicar as causas do risco energético que surge no horizonte.
Os blecautes vistos nas últimas semanas sinalizam que o sistema elétrico nacional está no limite. Os grandes investimentos no aumento da geração de energia elétrica, principalmente com as hidrelétricas de Belo Monte, Jirau e Santo Antonio, ainda não resultaram em eletricidade. As usinas estarão em plena capacidade a partir de 2019, embora algumas turbinas já comecem a girar no ano que vem. Enquanto isso, existem 40 parques eólicos no Nordeste gerando eletricidade para ninguém, por falta de linhas de transmissão que liguem os cata-ventos ao sistema.
Em alguma medida, isso também ocorre em relação às termelétricas, que embora tenham capacidade instalada (e cara) para suprir o déficit gerado no sistema hidrelétrico, carecem de uma rede transmissora capaz de fazer chegar todo seu potencial aos consumidores. Nos próximos anos, haverá novamente temporadas de chuvas intensas e ciclos de estiagem, como sempre houve. Isso é previsível. Já é hora de assumir as responsabilidades e, sem culpar São Pedro, fazer aqui embaixo o que deve ser feito.