12/05/2004 - 7:00
DINHEIRO ? A Bolsa caiu e o dólar subiu prevendo problemas com uma eventual alta dos juros dos EUA. Quanto o Brasil vai sofrer se isso ocorrer?
FÁBIO BARBOSA ? Uma das maiores mudanças no País nos últimos anos foi a virada nas contas externas. O Brasil passou a ter superávit na conta corrente e, portanto, depende menos dos fluxos financeiros internacionais para se financiar. Além disso, o Brasil não aproveitou tanto assim a fartura de recursos do mercado internacional dos últimos meses. Havia muito crédito à disposição e os juros estavam baixos. Mas, por várias razões, o Brasil não aproveitou muito essa liquidez internacional como outros países emergentes. Agora, vale o reverso da moeda. O Brasil não teve o bônus e não terá o ônus. O País não perderá muito. O impacto será menor do que avaliam alguns especialistas e do que foi em situações parecidas no passado.
DINHEIRO ? O que pode acontecer?
BARBOSA ? Já estamos vendo uma pequena elevação do Risco Brasil (índice que reflete a preocupação dos investidores e os juros pagos pelo país no exterior). Mas não deve acontecer nada muito relevante. Vejo até um lado positivo nesse momento. A alta dos juros reflete o crescimento da economia americana. Como o Brasil está apostando nos resultados da balança comercial como forma mais saudável de obter recursos externos, podemos até ganhar com as notícias de crescimento no resto do mundo. É sinal de que há campo para nossas exportações. O Brasil está menos vulnerável do que no passado.
DINHEIRO ? Qual seu cenário para a economia brasileira em 2004?
BARBOSA ? Continuamos apostando num crescimento entre 3,5% e 4,0% para o ano. Será um resultado bem melhor do que 2003. O ano passado foi de ajuste. Em 2002, houve uma leitura indevida por parte do mercado financeiro sobre o que seria o governo Lula. Nós, do ABN, mantivemos os investimentos no período da eleição, não acreditávamos numa aventura. Mas o mercado elevou o risco-País a 2.500 pontos (hoje está em torno de 600) e o dólar a R$ 4,00 (está por volta de R$ 3,00). Levamos o ano de 2003 para colocar as coisas nos lugares onde estavam antes de o mercado ter essa leitura. Isso é passado. No momento, estamos com bom crescimento considerando o que aconteceu nos últimos três anos. Estamos criando bases sólidas para crescer em 2005 e 2006.
DINHEIRO ? Não dava para baixar os juros mais rápido?
BARBOSA ? O Banco Central tem mais informações sobre a eco-
nomia do que nós, da iniciativa privada. A princípio, acho que a postura do BC foi adequada. Temos uma meta de inflação a ser alcançada. A meta é do governo e da sociedade. O BC é o instrumento para alcançá-la. Essa meta deve ser debatida pelo Conselho Monetário Nacional e pela sociedade. E está correto controlar bastante a inflação. Temos de evitar a idéia do passado
que um pouquinho de inflação traz um pouquinho de crescimento.
Isso não se mostrou verdade.
DINHEIRO ? Tem muita gente, principalmente no PT, defendendo a elevação da meta de inflação. Não seria um caminho para o País crescer mais rápido sem perder o controle?
BARBOSA ? Economia não é uma ciência
tão perfeita que possa se dizer que um ponto a mais ou menos vá causar algum impacto. Mas, acima de tudo, o que preocupa é o raciocínio de que um pouco mais de inflação permite crescer um pouco mais. Já tivemos essa experiência no passado. Os países que mais crescem no mundo são os que têm menos inflação.
Não são os que têm mais inflação. Há uma leitura indevida do processo. É óbvio que todos nós queremos crescimento. O que está em jogo é saber qual a melhor maneira de obter um crescimento sustentável.
Cada um defende um caminho. Quem quer inflação mais baixa não condena o País
a um crescimento menor.
DINHEIRO ? Qual é a sua opinião sobre o governo Lula e o ministro Palocci?
BARBOSA ? Considerando que o mercado errou e elevou o dólar e o risco Brasil em 2002, a margem de manobra era bastante estreita. Era preciso evitar que a inflação se propagasse pela economia e nos colocasse onde estávamos antes do Plano Real. Não havia muito alternativa. Muitos sonham com um atalho. O próprio presidente Lula pediu às pessoas que colocassem quais as alternativas críveis para a economia. Todos estamos insatisfeitos com esse crescimento, mas todos queremos que cresça de maneira sustentável. Não há atalhos para isso. Esse é o caminho: o da estabilidade monetária.
DINHEIRO ? Mas há muitas pressões por mudanças…
BARBOSA ? É absolutamente normal. Me preocuparia se não houvesse o debate. Acho que toda unanimidade é burra. Ainda bem que existe o debate e a vontade de crescer. É válido sugerir, pressionar, quem sabe alguém tem uma idéia compatível com a estabilidade da economia? Não me preocupo com as pressões. Acho que o governo tem mostrado consistência e determinação para buscar as bases para o crescimento sustentado. Não tem muito segredo. É bom senso. O País tem que enquadrar suas contas, os recursos são escassos, é preciso acomodar essa realidade.
DINHEIRO ? Alguns bancos levantaram dúvidas sobre essas
pressões e o futuro das contas públicas brasileiras. Como o
sr. vê essas análises?
BARBOSA ? Respeito que diferentes pessoas e organizações façam diferentes avaliações. Mas, do meu ponto de vista, o governo não deu nenhuma margem para que tivéssemos qualquer dúvida. O anúncio do novo salário mínimo foi uma demonstração inequívoca da disposição do governo em estabelecer metas que permitam o crescimento sustentável. Até porque o compromisso tem sido reiteradamente colocado pelo ministro Antônio Palocci. Todo mundo tem direito de ficar em dúvida. Mas, da nossa parte, continuo apostando, como apostei desde o início, que o governo tem uma linha clara sobre o que fazer. São fantasmas que muitas vezes se criam mas não tem fundamentação na realidade.
DINHEIRO ? Mas um analista de seu banco, em Nova York, também piorou a recomendação de investimentos no Brasil…
BARBOSA ? Em primeiro lugar, é preciso entender que se trata de um comparativo entre aplicações em um país e outros. Não se trata de uma avaliação do Risco Brasil. Além disso, o relatório do analista traz a mensagem clara que o Brasil está fazendo sua lição de casa. Ele ressalva que a política seguida pelo governo tem dado confiança aos mercados. Mas, na opinião dele, a perspectiva de valorização do papel brasileiro parece menos atraente do que os outros. Eu não estou nesse mercado de comparar países, apenas reforço que tudo que tem sido feito caminha para melhorar muito a condição do Brasil para o crescimento sustentável.
DINHEIRO ? Na época das eleições o seu nome foi citado como um possível integrante do governo. O sr. é ouvido pelo governo?
BARBOSA ? Tenho pouco contato, apenas eventualmente. Costumo dizer que faço minha parte da posição que estou.
DINHEIRO ? O que isso significa?
BARBOSA ? Como todos, quero ver este País crescendo de maneira sustentável. Felizmente, já existe a consciência fiscal (do equilíbrio das contas públicas). Mas também é preciso uma consciência dos valores da sociedade. Ao fazer as coisas certas, no dia-a-dia, está dando sua contribuição. Seja com relação ao meio ambiente, à diversidade ou aos projetos sociais. Mas não bastam os projetos sociais. Muitas vezes, empresas apelam para os projetos para apagar um problema qualquer, de má imagem. É necessário fazer as coisas corretas e com transparência rotineiramente. No banco, discutimos até com nossos fornecedores se adotam políticas socio-ambientais adequa-
das. Se um fornecedor cobra um preço mais baixo é minha responsabilidade saber por que e como ele o faz. Não podemos agir como se não fosse problema nosso.
DINHEIRO ? O Real (ABN-Amro) vende a imagem que é um banco preocupado com questões sociais e ambientais. Mas é possível convencer as pessoas que as palavras banco e ética se combinam num País com taxas de juros tão altas?
BARBOSA ? O problema de imagem dos bancos é histórico. Na
Bíblia já se fazia críticas à cobrança de juros. Na verdade, banco e ética não têm como não caminhar juntos. Ao agregar valor à sociedade, a instituição se viabiliza financeiramente. Sim, nós queremos o lucro, mas de maneira sustentável. A própria Febraban dirigida pelo presidente do Bradesco, Márcio Cypriano, tem em sua missão a defesa do desenvolvimento econômico e social do País. Não há como ter um sistema financeiro saudável sem um País saudável. Trata-se de um falso dilema. Existe dentro do País uma série de iniciativas do setor privado, ONGs e empresas com algum tipo de atividade social. Essa revolução nos valores da sociedade é importante para crescermos como Nação, trabalhar sério, sem esperteza, acabar com a Lei de Gerson.
DINHEIRO ? Mas os bancos são muito criticados por oferecer pouco crédito e cobrar juros altos. Os bancos ganham demais?
BARBOSA ? É sempre fácil criticar os outros. Cada um sabe exatamente onde a coisa pega. A rentabilidade do setor financeiro no ano passado, cerca de 16,5%, está na média dos setores da economia. Alguns tiveram rentabilidade mais elevada, outros mais baixa. Ficamos na média. A taxa de juros é um problema de toda a sociedade. Tudo que é raro é caro. Por razões históricas, o dinheiro é raro no Brasil. O governo se endividou demais nas últimas décadas. A responsabilidade é de toda a sociedade, seja por ação ou omissão. Esse endividamento elevado contamina o mercado e a taxa de
juros. Para evitar que essa dívida cresça, é preciso trabalhar com superávit primário. É preciso reduzir o tamanho da dívida em
relação à economia do País.