31/05/2000 - 7:00
DINHEIRO ? Como o sr. recebeu a manutenção das taxas de juros em 18,5%?
JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS ? Eu acho que a instabilidade que vem de fora coloca severas limitações para a queda da taxa de juros a curtíssimo prazo. Não fiquei surpreso com a decisão. Com este nervosismo do mercado seria difícil qualquer queda. Acho mesmo que não seria recomendável. Por outro lado, estou convencido de que a estabilização só vai se completar quando a economia voltar a crescer. E para isso é preciso baixar os juros. Acho que por mais um ou dois meses dá para esticar com as taxas atuais, mas não dá para evitar por muito mais tempo as pressões legítimas para voltar a crescer.
DINHEIRO ? De onde viriam os problemas?
MENDONÇA DE BARROS ? Sobretudo do ajuste fiscal. Nosso regime fiscal, montado depois de 95, é um regime de emergência. Os impostos em cascata não são permanentes. O CPMF era provisório, as vendas de ativos, a postergação de certas despesas, segurar o salário dos funcionários públicos… Este é um conjunto de medidas que se justifica num regime de emergência. Foi o tripé do Real: tira a inércia inflacionária, dá uma âncora cambial e mantém a economia em fogo brando por meio de um programa fiscal restritivo, deflacionário. Já o argumento da retomada do crescimento é simples: esses regimes fiscais de emergência, por sua própria definição, não são sustentáveis por prazos longos. O que é um regime fiscal permanente? Entre outras coisas, tem que se basear no aumento da base da arrecadação, que vem do crescimento. Senão, a única alternativa é aumentar imposto, aumentar imposto e aumentar imposto.
DINHEIRO ? O que o sr. sugere que se faça?
MENDONÇA DE BARROS ? É preciso baixar os juros e voltar a crescer. Este é o cerne da questão. Se o País voltar a crescer, a parte fiscal começa a melhorar. Você cresce um pouquinho e o Clóvis Panzarini (coordenador da administração tributária do governo de São Paulo) já começa a rir, porque o aumento da arrecadação alivia muito. E há vários setores para os quais a economia de escala é fundamental: quando as vendas aumentam, caem os custos fixos. O que garantiu a retomada da Coréia além dos superávits comerciais? Foi baixar os juros. Eles voltaram rapidinho para 12%. Foi o que puxou a economia. A dúvida que se coloca para a equipe econômica é a seguinte: se voltar a crescer não vai voltar a inflação? Meu argumento é o seguinte: no mundo atual não há condições ideais. Sempre há desequilíbrio em algum mercado. Ao invés de postergar a volta de crescimento, ela deve antecipar, porque é a única forma de fazer a consolidação da estabilidade.
DINHEIRO ? O que acontece se a economia for mantida em regime de banho-maria com juros altos?
MENDONÇA DE BARROS ? O risco é que piorem os fundamentos fiscais do País, porque as pressões vão aumentando. Vão se acumulando problemas, demandas não só sociais, mas problemas concretos, como buraco na estrada, falta de energia. O que significa que fica cada vez mais difícil para o governo se manter na defensiva. O arquiexemplo disso, embora valha só para comparação, é a Argentina. Tudo certinho, tem o apoio maciço da sociedade, mas chega um momento em que a falta de crescimento começa a gerar problemas difíceis de administrar. Por outro lado, se a arrecadação crescer mais rápido dá para manter bom juízo fiscal e acomodar pressões legítimas de gastos.
DINHEIRO ? O sr., portanto, não teme a volta da inflação?
MENDONÇA DE BARROS ? A inflação não vai voltar. Passamos pelo teste mais bruto possível no ano passado ? 50% de desvalorização ? e não teve inflação. O resultado inflacionário dessa desvalorização é coisa para livro. Nós vínhamos correndo com inflação em 1998 a 4% ao ano. Veio a desvalorização no câmbio de 50% e estamos projetando inflação este ano de 6%. O consumidor brasileiro aprendeu a lutar por preços mais baixos, mudando das chamadas marcas líderes. No ano passado, pela primeira vez que eu me lembre, o custo da desvalorização não foi repassado pelos oligopólios. Quem foi repassar preço perdeu o mercado. O sistema produtivo hoje é muito mais competitivo do que no passado. A capacidade de absorver nas cadeias produtivas certas pressões de custo é muito maior. Você teve redução da margem de lucro mas não teve inflação. É como uma economia capitalista normal se acomoda.
DINHEIRO ? Como fica a questão externa? Se os juros internos caírem isso pode atrapalhar a captação e a rolagem do déficit externo…
MENDONÇA DE BARROS ? Veja, embora o salto comercial esteja mais lerdo do que a gente gostaria, as exportações estão crescendo. Nós temos superávit, e não um déficit comercial, e portanto a pressão do dólar está muito menor. Estamos com o dólar a 1,85 por real. No ano passado nós chegamos a 2,18. Acho que podemos começar a crescer mais rápido pelo setor externo, exceto se aparecer uma crise americana. Além disso, existem duas formas pela qual o dinheiro externo entra aqui: arbitragem de juros e oportunidades de investimento na economia real. Se a economia voltar a crescer, atrai mais investimento direto. Com mais oportunidade de investir, vem mais gente. Segundo, vem o aplicador. Os nossos ativos reais, o valor das empresas, estão ajustados para uma faixa sem crescimento. Por isso eles são tão baratos em termos operacionais.
DINHEIRO ? O governo tem afirmado taxativamente que o País não depende mais de capital de curto prazo. Por que, então, é preciso manter juros altos para atrair capital?
MENDONÇA DE BARROS ? O que eles estão olhando não é o dinheiro de curto prazo, mas os bônus. A colocação de bônus de dois, três, quatro anos, do governo e das empresas. Não é hot money. Hoje essa captação de bônus está parada, mas se o País voltar a crescer os canais pelos quais o financiamento externo se fará serão diferentes. Em vez de colocar mais bônus, coloca-se mais ADR, mais outro tipo de investimento. Volto ao ponto: tudo tem risco, mas o que eu aprendi nesses anos de governo foi que todos os passos da estabilização se fizeram com algum risco. Se for esperar pela certeza, que não haja problema nenhum, em área nenhuma, nós vamos ficar olhando para o alto eternamente. E nenhuma economia do mundo funciona olhando para o alto eternamente.
DINHEIRO ? Os economistas de esquerda dizem que existe um problema mais grave, que a abertura financeira deixou a economia brasileira muito vulnerável.
MENDONÇA DE BARROS ? Eu discordo um pouco. É claro que nós estamos mais vulneráveis. Mas a própria escola de Campinas sempre disse que a economia brasileira nunca teria problemas de financiamento externo desde que existissem oportunidade de investimento. E eu acho que eles têm razão. Se voltarmos a crescer, e a experiência dos anos 50 mostra isso, o investimento estrangeiro é reinvestido. Você tem teoricamente uma possibilidade de remeter, mas se remete muito menos. Historicamente tem sido assim. Se tiver oportunidade de crescimento a conta capital se financia, eu não tenho dúvidas. Primeiro porque as empresas reinvestem e, segundo, porque se atrai mais capital. Veja a privatização. Muita gente previu forte redução na entrada de investimentos estrangeiros a partir de 98, mas foi o contrário. Aumentou. Continua entrando dólar, para recompra de minoritário e para investimento propriamente dito. Reconheço que existe uma situação de vulnerabilidade, mas ela é muito menor se o País voltar a crescer.
DINHEIRO ? O professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, aposta que os juros brasileiros vão subir junto com os juros americanos, por causa do déficit externo.
MENDONÇA DE BARROS ? Eu acho que isso não vai acontecer, mas como não estou mais no governo, realmente não sei.
DINHEIRO ? O sr. concorda com a crítica de que existe excessiva preocupação com Wall Street na condução da política econômica?
MENDONÇA DE BARROS ? Não colocaria desta forma. O que eu acho é que a situação de curto prazo ficou mais complicada desde a Ásia. É mais difícil. Este é o primeiro ponto. O segundo ponto tem a ver com a inflação. Quanto mais a gente avança, mais o risco de voltar para trás assusta. Baixar os juros para depois aumentar de novo é muito mais custoso do que demorar mais tempo para abaixar. Quem está no governo quer ter segurança de que vai poder soltar as amarras sem se preocupar com fator externo. Este é o argumento da cautela. Minha pergunta é a seguinte: nós vamos ficar consolidando a estabilização com uma política fiscal restritiva e cautelosa até quando? Crescimento é sempre um processo desequilibrado. Assim como não existe ?primeiro eu estabilizo e depois eu cresço?, não existe crescimento absolutamente equilibrado. Crescimento é, por definição, um processo tenso, de desequilíbrio. Algumas coisas vão na frente das outras. Se não fosse assim não seria economia.