30/01/2008 - 8:00
DINHEIRO – A compra da Brasil Telecom pela Oi é importante para o País?
JUAREZ QUADROS – Há riscos. As telecomunicações são o único setor de infra-estrutura que realmente funciona no Brasil. Portanto, estamos inventando uma solução para um problema que não existe. Há pouco, os espanhóis levaram as rodovias. Como vamos fazer? Tomar deles? Criar uma empresa para concorrer?
DINHEIRO – A criação da empresa nacional é desnecessária?
QUADROS – No momento da privatização, em 1998, foi feita uma modelagem com participação de consultorias privadas, para a exploração econô- Entrevista / Juarez Quadros mico-financeira e do serviço. O processo brasileiro foi ímpar, devido à realidade brasileira e ao tamanho do Brasil. Concluímos que era preferível dividir o Brasil em quatro regiões de outorgas (a telefonia fixa ficou com Telefônica, Oi e Brasil Telecom, e a longa distância, com a Embratel).Como não havia poupança interna para adquirir a Telebrás, acabou se concretizando a entrada de grupos externos em que somente uma empresa, a Telemar, teve participação mais acentuada de capital nacional.
DINHEIRO – Esse seria o momento de fazermos o que não se conseguiu há dez anos?
QUADROS – Esse discurso de fazer uma empresa nacional, para concorrer com dois outros grupos estrangeiros, não se encaixa. Primeiro tem o problema do que é a empresa nacional. Na legislação brasileira, uma empresa nacional é aquela constituída tesob as leis brasileiras e com sede no País. Essa é a definição. Se o capital é interno ou externo, não importa. A lei brasileira não entra neste detalhe.
DINHEIRO – Então todas as operadoras são brasileiras?
QUADROS – De acordo com a legislação, todas são empresas brasileiras.
DINHEIRO – Mas o capital é externo…
QUADROS – Neste setor não tem por que reclamar de capital externo. Todas as empresas têm cumprido com suas obrigações de universalização e de modernização tecnológica. Neste caso de fusão, será que é necessário que o BNDES despenda recursos nesse negócio? Será que não existem outros setores dentro da área de infra-estrutura que estejam requerendo investimentos, como rodovias, ferrovias e portos? O governo poderia estabelecer prioridades para liberar recursos do banco de desenvolvimento, no caso o BNDES. Essa fusão é de mais interesse da iniciativa privada do que do governo propriamente.
DINHEIRO – Quais são os riscos?
QUADROS – As quatro regiões de operação foram estabelecidas em uma modelagem equilibrada. Hoje, ao se permitir a fusão, essa nova empresa vai ficar com uma cobertura de 70% do mercado nacional de telefonia. Isso enfraquece os segmentos que ficam com menores participações. Hoje todas essas empresas exploram o serviço de longa distância. Tanto nacional quanto internacional. A Embratel com o 21, a Telefônica com o 15, a Telemar com o 31 e a Brasil Telecom com o 14. De repente, uma fusão entre Telemar e Brasil Telecom diminui a competição na longa distância, porque não pode haver superposição de licenças. Ou o 31 ou o 14 terão que desaparecer. Também terá que diminuir o número de competidoras na banda larga. O que me preocupa é que as regras hoje não estão claras.
DINHEIRO – Nem há garantias de que a empresa nacional seguirá nacional…
QUADROS – Não há mesmo. Além do risco da concentração de mercado, não há garantias. Quais as garantias que se tem que o grupo nacional não vai se internacionalizar? Negócio é negócio. É uma coisa que está na mão da iniciativa privada, que tem uma autorização, uma concessão do governo para a exploração de serviços públicos. E todos os serviços públicos são de responsabilidades da União. Na eventual falta ou falha de uma concessionária, a União tem que assumir de volta o serviço. E decidir se ela vai de novo terceirizar ou não. Na hora em que se caminha para a criação de uma megaempresa, a União aumenta sua responsabilidade em uma eventual assunção do serviço público. Com quatro grupos, se um falha, o mercado se reorganiza e a União não tem uma obrigação de reassumir uma megaempresa.
DINHEIRO – Quando é importante ter uma empresa verde-amarela forte?
QUADROS – Em vários setores. Mas não há nenhum planejamento estratégico de longo prazo, para 20 anos ou 30 anos, que trate disso no setor de telefonia. Para que fazer uma empresa nacional agora? Para poder competir com o investimento estrangeiro, contra os recursos oriundos da Telefônica da Espanha ou do Carlos Slim? Precisa? Eu fico com a pergunta. Se houver um estudo econômico que mostre que essa fusão é interessante, balizado com todos os parâmetros, dentro de uma nova modelagem, que se convença a sociedade disso. A sociedade está à margem desta discussão.
DINHEIRO – Os ministros do presidente Lula reclamam que o governo anterior não deixou estudos suficientes para o setor de infra-estrutura como um todo. O Ministério das Comunicações, por exemplo, estava sucateado.
QUADROS – A palavra certa não é sucateado. O Ministério seria extinto porque havia uma orientação de governo para toda a área de infra- estrutura ficar com as agências reguladoras.
DINHEIRO – Agora ocorre o contrário. As agências estão esvaziadas. Não seria importante, nesse momento em que se tenta remodelar o setor, ter uma agência mais forte do que as operadoras?
QUADROS – Claro. Mas até hoje ainda há uma vaga de conselheiro na Anatel, que não foi preenchida. Por que está demorando, uma coisa tão natural? O governo tem que estar pronto com as alternativas na mesa para substituir e não ficar nessa dependência de negociações políticas.
DINHEIRO – A Anatel terá condições de lidar com a empresa resultante da fusão entre a Oi e a Brasil Telecom?
QUADROS – Não. Embora isso dependa do pulso firme do presidente, o que o Ronaldo Sardenberg tem. Esse é um outro risco da fusão. Oi e Brasil Telecom juntas têm condições de enfraquecer os outros e assumir toda a operação. Corremos o risco de ter uma só empresa no Brasil explorando todos os serviços. Acabamos com o monopólio público para entrar no monopólio privado? Em regime de competição desequilibrada, de repente um vai ganhando do outro e os investidores podem se desinteressar e até ir para outras partes do mundo.
DINHEIRO – Não é um pouco de terrorismo? O nosso mercado de 180 milhões de brasileiros é bem atrativo.
QUADROS – Se não fosse um bom negócio, eles não teriam entrado, porque eles, sim, têm planejamento de longo prazo, o que o governo deveria ter. Contudo, esse é um setor que no mundo está nas mãos da iniciativa privada e situações de proteção podem desagradar ao investidor. Essa megaempresa nacional tem um outro problema.
DINHEIRO – Qual?
QUADROS – A internacionalização das empresas tem aumentado significativamente. Como será no momento de expandir para mercados internacionais? Vai para onde? Para a África? Lá sim está faltando investimento. Eles estão com dificuldades porque a penetração dos serviços de telecomunicações é baixa. Mas será que é interessante uma empresa brasileira tentar se expandir para mercados com problemas de regulação, sem segurança empresarial e jurídica?
DINHEIRO – Mas isso já é um problema da iniciativa privada.
QUADROS – Não é porque tem dinheiro do BNDES e dos fundos de pensão. Mesmo sendo considerada uma empresa privada, são recursos dos fundos de pensão de empresas estatais que estão lá. Previ, do Banco do Brasil, Petros, da Petrobras. É algo que tem que ser avaliado.
DINHEIRO – Há consultores dizendo que o negócio pode trazer dinamismo ao mercado. Não há essa chance?
QUADROS – Hoje há uma efetiva competição desses grupos privados, que já estão se digladiando na questão de mercado. Por isso dentro do planejamento estratégico dessas empresas se analisa ações como fusões. Isso pode ser melhor para o investidor. Mas será que melhora para o consumidor?
DINHEIRO – O que o sr. acha? Hoje, com toda a competição, metade dos municípios não tem telefonia celular, porque não é lucrativa.
QUADROS – Com a licitação de terceira geração este problema foi equacionado. Não resolvido. Fizeram uma equação. Vai precisar de tempo para o serviço chegar a todos os municípios brasileiros. O que falta, sim, é a banda larga. A penetração é muito baixa. O Brasil está aquém da sua capacidade econômico-social de ser atendido com serviço de banda larga. Mas não vai ser essa fusão que vai resolver a questão da banda larga.
DINHEIRO – Como podem ser ampliados os serviços de banda larga?
QUADROS – Tem projetos do governo e do mercado. A própria solução de celular na terceira geração vai permitir mais competição e melhorar também o serviço de banda larga onde não há exploração do serviço.
DINHEIRO – A tecnologia WiMax pode solucionar o problema?
QUADROS – Acho que o 3G tem mais capacidade tecnológica de dar a solução. Entendo que o WiMax será algo complementar. Mas o melhor para o Brasil é que o modelo implantado em 1998 continue competitivo. Estamos falando de gigantes. E não é bom termos um gigante ainda maior.