21/06/2017 - 9:01
A auxiliar de cozinha Solange Bueno dos Santos, de 43 anos, não se sente nem um pouco culpada por tomar uma medida extrema para tirar a filha de 17 anos do crack: acorrentou a jovem por 43 dias no quarto. “Fui mãe. Não fui carrasca. Fiz isso porque amo minha filha, que estava sendo levada para não sei aonde pela droga.”
A menina foi libertada há uma semana, após uma denúncia anônima levar agentes da Guarda Civil Municipal e do Conselho Tutelar à casa de dois cômodos no bairro Nova Esperança, um dos mais violentos de Sorocaba, no interior paulista.
A adolescente foi para um abrigo e Solange, para o plantão da Polícia Civil, de onde saiu indiciada por maus-tratos. Dias depois, a garota fugiu da instituição e voltou a ser recolhida pela mãe em uma “minicracolândia”.
400 noites
Desta vez, foi Solange quem a levou para o Conselho Tutelar. A garota está sob cuidados médicos para desintoxicação e será internada compulsoriamente em uma clínica estadual para dependentes químicos. “Depois de 400 noites em claro, finalmente consegui dormir, pois sei que ela está sendo cuidada.”
“Sempre fomos muito pobres, mas nunca deixei de lutar. Sou mãe solteira, tenho outros quatro filhos: uma menina de 19, que já está casada; um de 16; outro de 13; e o pequeno de 4 anos. Cuidei de todos sozinha.” Solange trabalhava como auxiliar de cozinha, mas teve de sair do emprego porque a filha tinha começado “a dar trabalho”. Para ter comida em casa, virou catadora de recicláveis.
Por uns tempos, dormia em calçadas e praças com os filhos. “Tinha vergonha e me escondia. Foi quando uma instituição espírita me tirou da rua e fez uma casa de dois cômodos e banheiro para mim e as crianças.”
A família viveu uma curta boa fase, segundo ela. “Minha filha estudava e me dava orgulho. Era muito boa em Química, Física e Matemática. Todo ano era a melhor da classe. Até que, de 2015 para 2016, começou a mudar. Ela, que era tímida, de poucas palavras, começou a tagarelar. Achei que estava alterada.”
A adolescente trabalhava como babá e ganhava dinheiro para comprar sandálias e roupas. “Começou a ir em baladinhas, andar com algumas amizades. Foi quando conheceu o ‘doce’ (droga sintética).” A garota começou a matar aulas e o colégio suspendeu sua vaga. “Ela se perdia no caminho da escola. Aí parei de trabalhar. Larguei tudo para ficar em cima.”
Solange conta que, um dia, a menina invadiu a casa onde havia trabalhado, pegou roupas e bijuterias e as jogou na rua. “Foi quando compreendi que ela estava fora de si por causa da droga. Apanhava na rua e chegava machucada. Ficamos três meses presas em casa – eu e ela -, com porta e janela trancadas. Ela ‘surtava’ e queria explodir botijão, quebrar batedeira.”
A mãe procurou ajuda, chegou a internar a filha no Centro de Apoio Psicossocial (Caps), mas ela fugia. “Não posso afirmar que ela se prostituía, mas desconfio que sim, pois sempre tinha dinheiro para droga.”
Decisão extrema
Solange conta que decidiu acorrentar a filha quando percebeu que ela corria risco de vida. “O cerco estava se fechando. Eu já tinha ido atrás de traficantes para pagar a droga que ela devia, mas aí acusaram minha filha de sumir com uma droga que eu não tinha dinheiro para pagar. Vi a corrente que usava para trancar o portão, tive a ideia e comprei o cadeado.”
Nos 43 dias acorrentada, a filha dormiu pouco. “Ficava a noite inteira ouvindo funk e ninguém dormia. Ia até6 da manhã. Meus filhos precisavam levantar cedo para a escola.”
Com o início do tratamento da filha, Solange espera ter mais tempo para cuidar dos outros filhos. No bairro, segundo ela, há muitos casos de dependência química.
Solange espera que a filha se recupere e retome os estudos, mas sabe que há um longo caminho. Sobre o processo por maus-tratos que terá de responder, não se preocupa tanto. “Espero que o delegado e o juiz tenham filhos. Eles vão entender.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.