DINHEIRO ? O vice-representante de Comércio, Richard Fisher, classificou de ?infantil? a reação brasileira ao acordo Chile?Estados Unidos. O que o sr. achou da declaração?
ANTHONY HARRINGTON ?
Essa declaração foi feita numa forma hipotética e não como apareceu. Na conversa que tivemos, ele me disse que tem grande respeito pelo Brasil e por sua liderança na região. E fez questão de dizer que não há nenhuma disputa entre Nafta e o Mercosul. O governo do Brasil teve uma reação à declaração na medida certa.

DINHEIRO ? O que significa o início das negociações do acordo entre EUA e Chile para o Mercosul?
HARRINGTON ?
Não acreditamos que o Chile terá que escolher entre o Mercosul e o Nafta. Por isso, acredito que o Chile vai continuar mantendo seu relacionamento com o Mercosul.

DINHEIRO ? Os Estados Unidos sugeriram o lançamento da Alca para 2003, o que não agradou ao Brasil. Qual a importância dessa decisão?
HARRINGTON ?
Eu acho que até pode fazer um certo sentido se alterar a data para a vigência do acordo, mas não acho que exista uma política do governo americano para se mudar o calendário original. É bom lembrar que só serão feitas mudanças se o Brasil e o resto da região estiverem de acordo com isso. Se a região achar que um maior acesso ao mercado americano será bom para a economia, para os negócios e para os consumidores, pode-se considerar uma antecipação do acordo. Caso contrário, nada será alterado. Mas mesmo que haja consenso na antecipação, isso não quer dizer que as mudanças vão ocorrer do dia para a noite.

DINHEIRO ? O que levou o Departamento de Comércio dos Estados Unidos a querer discutir mudanças na Alca a 30 dias do final do atual governo?
HARRINGTON ?
O timing, é verdade, foi meio interessante. Mas isso não representa qualquer ameaça ou estratégia do governo americano para colocar em risco o Mercosul. Nós temos apoiado sempre o Mercosul e acreditamos que o bloco será importante para complementar o processo da Alca. A importância do Mercosul vai além de comércio. O Mercosul é necessário para garantir a própria estabilidade política da região.

DINHEIRO ? Uma eventual antecipação da Alca pode ser positiva para o Brasil?
HARRINGTON ?
Acredito que o Brasil será um vencedor na Alca a qualquer tempo. Isso porque o País já mostrou uma determinação impressionante ao levar a cabo as reformas democrática e fiscal, que são muito difíceis de serem concretizadas para qualquer país do mundo. Ainda mais em um curto espaço de tempo. Além disso, a privatização e a abertura do mercado foram fundamentais para o progresso e o aumento da competitividade de sua economia. Por tudo isso, estou confiante de que o Brasil já está preparado para receber os benefícios do comércio ampliado.

DINHEIRO ? Então, o sr. concorda que não há Alca sem Brasil?
HARRINGTON ?
Concordo. Pois o Brasil é uma âncora para a região. Representa quase 50% da economia e território sul-americanos. Por isso, não vejo Alca sem o Brasil presente.

DINHEIRO ? Muitos países alegam que negociar abertura com os EUA será difícil por causa do excessivo protecionismo do País.
HARRINGTON ?
Os Estados Unidos têm hoje um déficit comercial de US$ 331 bilhões. Somos o maior país liberalizado do mundo. Para ver que isso é verdade é só olhar os números. Hoje, 68% das exportações brasileiras para os Estados Unidos entram no país com tarifa zero. A nossa tarifa externa média é de 2%, 3%, enquanto que a do Brasil é de 14%. Não estou criticando o Brasil. Vocês estão fazendo grandes progressos para abrir suas fronteiras. Mas não acho que podemos ser chamados de protecionistas.

DINHEIRO ? O que se diz é que os EUA são abertos nas áreas em que não possui competidores. Para aqueles em que há competitividade a política é de protecionismo, como é o caso da agricultura.
HARRINGTON ?
Eu diria que o setor de agribusiness como um todo nos EUA é favorável a um mercado aberto. Nós dependemos em vender nossos produtos pelo mundo. E não acho que a agroindústria, como um todo, seja protecionista. No ano passado, por exemplo, as exportações de produtos agrícolas do Brasil para os EUA foram sete vezes maiores do que as americanas para o Brasil.

DINHEIRO ? Os EUA estão mais dispostos a discutir assuntos como o protecionismo aos produtos agrícolas e medidas antidumping?
HARRINGTON ?
Tudo pode ser discutido na Alca e em múltiplas direções. Aliás, acho que a melhor maneira de se avançar nesses pontos é justamente por intermédio de uma negociação multilateral.

DINHEIRO ? Mas há espaço para se negociar sobre esses produtos?
HARRINGTON ?
Sim. E não será a primeira vez que discutiríamos com o Brasil e outros países interesses comerciais na área agrícola. Na Rodada do Uruguai já tratamos da redução das tarifas e do aumento nas cotas para açúcar e tabaco. Estabelecemos compromissos para se fazer mudanças e os cumprimos. Então, dá para comprovar na prática que estamos prontos para discutir realmente mudanças.

DINHEIRO ? Como contornar resistências domésticas nos Estados Unidos para se mexer nas barreiras que hoje protegem setores como o do agribusiness?
HARRINGTON ?
A agricultura está globalizada. É só olhar em volta. Conversei com um representante da família Cutrale (produtora de laranjas) e descobri a quantidade de laranjas que o Brasil está processando na Flórida. Da mesma forma, há companhias americanas beneficiando soja por aqui. Isso mostra, mais uma vez, que há interesses em comum para os dois países. Por isso, acho que as resistências não são tão sérias como se diz. É óbvio que os países tentarão defender os interesses de setores estratégicos. Até mesmo o Brasil, acho, vai querer que para alguns setores haja um período de transição antes da abertura total do comércio. Algumas pessoas, no entanto, perguntam: mas vocês nem conseguiram o fast-track (mandato negociador concedido pelo Congresso). E eu costumo responder que nós também não tínhamos fast- track para negociar com a China e o Caribe e mesmo assim fomos adiante.

DINHEIRO ? O sr. está querendo dizer que não será preciso fast-track para a Alca?
HARRINGTON ?
Bem, acho que conseguir o fast-track seria muito bom para a Alca. Aposto que o Congresso americano vai reconsiderar esse assunto em breve e que, dessa vez, haverá apoio substancial. Só não posso prever quando isso vai ocorrer.

DINHEIRO ? O sr. é amigo pessoal do presidente Bill Clinton. Apesar disso, é possível que continue embaixador do Brasil, mesmo com a mudança na Casa Branca?
HARRINGTON ?
Clinton e eu somos amigos, sim. Mas eu também tenho vários amigos republicanos. Você deve se lembrar que quando eu vim para cá havia sido nomeado pelo presidente Clinton. A nomeação foi confirmada 12 dias depois pelo Senado, composto por republicanos e democratas. De qualquer forma, todos os embaixadores servem aos presidentes. Mas eu espero poder continuar aqui para poder dar continuidade ao meu projeto.

DINHEIRO ? Qual a sua avaliação sobre o resultado final da eleição presidencial nos Estados Unidos?
HARRINGTON ?
Eu acho que um resultado como esse era esperado desde o início. Afinal, tínhamos dois candidatos muito fortes e com mais semelhanças do que diferenças no campo político. Embora eles fossem de partidos diferentes, ambos tinham uma postura de centro.

DINHEIRO ? O que se pode esperar da futura administração de Bush?
HARRINGTON ?
Acredito que, de uma forma geral, será uma continuidade da administração Clinton, mas com um envolvimento, compreensão e cooperação muito maior de todo o país. Quanto aos movimentos de integração, acho que o presidente eleito Bush possui um interesse muito forte pelo hemisfério como um todo. Aliás, o compromisso dele com a Alca é quase familiar, o que só vai beneficiar a região. Afinal, a Alca começou a ser discutida ainda na administração de seu pai (George Bush).

DINHEIRO ? O sr. está preocupado com a desaceleração da economia americana?
HARRINGTON ?
Eu não vendi minhas ações quando deveria, então não sou a pessoa mais apropriada para opinar sobre isso (risos). Mas, honestamente, estou otimista. Acho que a nossa indústria está mais eficiente, mais competitiva e mais produtiva. A inflação está sob controle e a economia bem gerenciada pela área econômica.

DINHEIRO ? O sr. está no Brasil já há quase um ano. Qual a sua avaliação da nossa economia?
HARRINGTON ?
Quando cheguei aqui no início do ano banqueiros, economistas, cientistas políticos perguntavam muito sobre a solidez da economia brasileira. Eu estava muito otimista na ocasião. Hoje estou muito mais. Se olhar em volta, o Brasil é uma âncora para a estabilidade em toda a região. O presidente Fernando Henrique tem feito muitos sacrifícios para em troca colocar o País numa posição melhor.

DINHEIRO ? E o que ainda precisa ser feito na sua opinião?
HARRINGTON ?
É preciso levar adiante as reformas tributária e da previdência, que são extremamente importantes. Mas sabemos, por experiência própria, que não é fácil se fazer isso.