Por Ricardo Brito

BRASÍLIA (Reuters) – Não há “caça às bruxas” na investigações dos atos de apoio ou de omissão em relação aos ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro, disse o procurador-geral de Justiça Militar, Antônio Pereira Duarte, em entrevista à Reuters, destacando que seu papel é evitar ser “leviano” nas acusações para não incorrer em abuso de autoridade.

“A nossa visão é de que os atos do 8 de janeiro afetaram sobremaneira a nossa democracia, mas que as instituições estão funcionando harmônica e responsavelmente, não desencadeando caça às bruxas, mas efetivando o devido processo legal”, afirmou.

A manifestação de Duarte ocorre na semana em que o Diretório Nacional do PT aumentou a pressão sobre a investigação de integrantes das Forças Armadas aprovando uma resolução em que cobra a responsabilidade de todos envolvidos nos ataques, “inclusive militares”.

Já a Polícia Federal anunciou que vai ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta sexta para questionar se pode investigar militares pelos atos violentos ou se isso é atribuição exclusiva da Justiça Militar.

A possibilidade de que militares sejam eventualmente julgados pela Justiça específica da caserna enfrenta posições antagônicas dentro do governo Lula e é rejeitada por boa parte da esquerda, que considera a existência de tribunais militares como uma herança mal resolvida da ditadura.

Quarenta dias após os ataques violentos, o procurador-geral militar disse que não houve prisão de militar da ativa em flagrante e que dois da reserva estão detidos, em caso acompanhado pelo Ministério Público Federal.

“A responsabilidade do Ministério Público Militar não é com acusações, é com a realização de Justiça e com a defesa da democracia. A nós não interessa que nenhum indivíduo que eventualmente tenha concorrido para essa verdadeira barbárie fique sem a devida resposta legal. O Ministério Público não pode ser leviano sob pena de incorrer em abuso de autoridade”, reforçou o chefe do MP militar.

Até o momento, segundo informações do Ministério Público Militar, foram abertas 15 investigações ligadas a atos ligados ao 8 de janeiro envolvendo a atuação de militares em Brasília. A maioria, 11, são notícias de fato, fase preliminar de apuração –uma delas refere-se a suposta omissão de generais no caso, conduzida por Duarte.

O procurador-geral militar analisa a atuação do Comando Militar do Planalto e do Gabinete de Segurança Nacional durante os ataques, entre outros fatos, tendo requisitado diligências sobre os generais em busca de respostas para verificar se houve algum desentendimento ou falha de normas, regulamentos e instruções, que agrediu a ordem administrativa-militar ou abalou o prestígio da instituição.

Na entrevista, concedida na quarta-feira, Duarte não falou em prazos para a conclusão das apurações e fez questão de ressaltar que investigações podem comprovar envolvimento, gerando denúncias criminais, ou isentar os militares, arquivando os casos.

    “Não se pode desencadear irresponsavelmente acusações porque senão eu estaria no banco dos réus por abuso de autoridade”, disse o procurador-geral militar.

Um dos casos questionados pela reportagem foi o que envolve o general Gustavo Henrique Dutra, que comandava o Comando Militar do Planalto durante os atos golpistas. No cargo, Dutra teria abortado, segundo relatório da intervenção federal, o cumprimento da ordem do Supremo para prender na noite do dia 8 de apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro que participaram dos atos violentos e depois se abrigaram em acampamento montado no Setor Militar Urbano em Brasília.

Dutra foi deslocado na quinta-feira para um novo cargo, o de propor políticas e planos para missões de paz.

O procurador militar disse que analisa o caso para avaliar eventuais diligências e apurar responsabilidades.

“Todos os fatos estão sendo apurados, nós sabemos que o comandante Militar do Planalto, quando da ocorrência desses fatos, ele espontaneamente destacou uma tropa, não dizer uma tropa, conjunto de homens e mulheres militares para poder atuar na eventualidade de ser decretado uma ação de garantia da lei e da ordem (GLO) ou uma determinação do comandante-em-chefe das Forças Armadas, que afinal de contas é o próprio presidente”, afirmou ele.

Duarte disse que o caso mais avançado em termos de investigação é o de um coronel do Exército que participou dos atos no dia 8 de janeiro, pediu golpe de Estado e xingou a cúpula das Forças Armadas por supostamente não aderir ao movimento. A reportagem identificou ainda outros dois inquéritos, o primeiro sem alvo identificado e um segundo também envolvendo um coronel que participou dos atos golpistas.

CONTRASTE

A situação das investigações sobre militares, em sua maioria em fase inicial, contrasta com o rápido avanço das investigações conduzidas pela Polícia Federal, Procuradoria-Geral da República (PGR) e Supremo em relação aos civis. Até o momento, mais de 1,4 mil pessoas foram presas. A PGR já denunciou ao Supremo 835 pessoas e a PF já deflagrou seis fases da chamada operação Lesa Pátria para prender participantes dos atos violentos.

O ministro do STF Alexandre de Moraes também já determinou prisões preventivas do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-secretário de Segurança de Brasília, Anderson Torres, da antiga cúpula da Polícia Militar da capital, além do afastamento por três meses do governador do DF Ibaneis Rocha.

Em uma série de inquéritos, Moraes tem trabalhado para avançar nas investigações, elucidar o caso e responsabilizar todos os envolvidos, inclusive se houver políticos e militares, por envolvimento no ato golpista, segundo uma fonte do Supremo. A apuração da conduta e a possibilidade de punição de militares pelos atos em investigações do Supremo é mais um motivo de desconforto entre os militares, segundo fontes ouvidas nos últimos dias.

Questionado, o procurador disse que o avanço mais célere das investigações contra civis acontece porque as provas seriam mais claras, com gravações de vídeos difundidos pelos próprios envolvidos e que inicialmente não haveria tantos elementos em relação aos militares.

“Não se encontrou nenhum militar depredando e danificando patrimônio público. Está se buscando apurar de forma minuciosa”, afirmou ele, que ingressou no Ministério Público Militar em 1995 por concurso público e desde 2020 está no cargo de procurador-geral de Justiça Militar, indicado para o cargo pelo procurador-geral da República, Augusto Aras.

Procurado por email e por telefone desde o dia 31 de janeiro em várias ocasiões, o Comando do Exército não respondeu a questionamentos sobre, por exemplo, a abertura de investigações internas para apurar a participação de militares da ativa e da reserva nos atos pré e 8 de janeiro e a polêmica de militares serem investigados pelo Supremo em relação aos atos. No dia 2, a reportagem também solicitou formalmente entrevista com o novo comandante do Exército, general Tomás Paiva, sem retorno.

(Edição de Flávia Marreiro)

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