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Lessa, do BNDES, tem um discurso antiquado, fora de época

 

 

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“A Heloísa Helena tem uma postura religiosa. Ser pragmático para ela é pecado”

 

 

DINHEIRO ? Por que o PT briga tanto com o PT?
CLÁUDIO COUTO ? São várias razões e isso tem a ver com o momento que o partido está vivendo. Historicamente o PT entra em conflito com o PT quando ele chega ao governo. Esse conflito vem de uma distância entre a base mais doutrinária e ideológica, e que tem pouco compromisso com a realidade concreta, e as condições efetivas e pouco favoráveis que se encontra no governo. O Paulo Sandroni, presidente da CMTC no governo Luiza Erundina, dizia que governar é escolher entre o desastroso e o desagradável. A ideologia do partido fala justamente em superar o que é desagradável. Governar impõe tomar decisões que você não gostaria de tomar, mas que se não tomá-las as conseqüências são ainda piores. Essa é a situação em que o governo se encontra e se deparou quando assumiu outras administrações.

DINHEIRO ? Por que os temas econômicos são os mais visados?
COUTO ? Porque a maior crítica do partido nos últimos oito anos era sobre o modelo econômico do período. Quando o PT assume, promove mudanças fortes em diversas áreas, como política externa e a questão social, nas quais o governo anterior tinha menos sensibilidade. Mas no caso do modelo econômico não houve mudança, ele foi mantido. E o partido tem clareza de que os problemas sociais só se resolvem quando a situação econômica está equacionada. Há na história casos semelhantes. Por exemplo: o Partido Democrático de Esquerda, da Itália, o ex-Partido Comunista. Depois de 45 anos fora do poder, finalmente chega ao governo e promove o maior ajuste fiscal da história do país. Houve um conflito com a Refundação Comunista que estava na coalizão.

DINHEIRO ? Isso pode se repetir no Brasil?
COUTO ? De certa maneira, temos a mesma situação. Temos um partido que passou mais de 20 anos fazendo oposição a todos os governos, criticando a política econômica e, quando chega ao poder, é obrigado a fazer coisas muito próximas do que vinha se fazendo: maior superávit da história, aumento da taxa de juros, cortes no orçamento, manutenção das alíquotas do Imposto de Renda, etc. O PT está fazendo mais do mesmo. Então, como o PT sempre foi um partido muito apegado à sua doutrina, uma parcela de seus membros vê essas medidas iniciais como uma espécie de ?traição? por parte daqueles que estão nos principais postos do governo.

DINHEIRO ? Que tipo de prejuízo pode haver na condução da política econômica com esses conflitos?
COUTO ? Na aprovação das reformas, não acredito que haja dificuldades em função disso. O PT fez um trabalho eficiente para estabelecer uma base parlamentar suficiente para aprovar as reformas, principalmente a previdenciária. O governo deveria estar mais preocupado com a tributária, aliás.

DINHEIRO ? O que determinará que os conflitos possam se tornar significativos ou não?
COUTO ? O sucesso do governo na política econômica. Se o governo conseguir mostrar bons resultados no controle de inflação e na aprovação das reformas, ele se legitima. E então quem estiver jogando pedra ficará numa posição isolada. E eles não podem, como foi feito com o Fernando Henrique, chamar o Lula de neoliberal, a palavra chave é eficácia.

DINHEIRO ? E se o governo não conseguir bons resultados?
COUTO ? Aí complica. As vozes dissonantes dentro do partido ganham mais respaldo, com ou sem razão. Elas estarão falando mal de um governo que não está indo bem. Quem estiver na oposição, mas ainda se mostra reticente em atacar o governo, se sentirá mais à vontade para partir para uma crítica mais acirrada. Mas há uma corrida contra o tempo. O governo terá de mostrar nos próximos dois, três meses resultados para justificar a política que vem sendo adotada. O que pode atrapalhar é o cenário externo com a guerra, mas ela tem tudo para ser curta e pouco traumática.

DINHEIRO ? Pode ocorrer uma certa paralisia como ocorreu no governo Erundina?
COUTO ? Não, porque aquele PT era muito mais imaturo do que o atual. Além disso, o governo da Luiza Erundina trombou com o núcleo central do partido, e hoje esse núcleo está no governo. Os conflitos são com a fímbria do partido, os esquerdistas. Esse setor não domina a máquina do PT e por isso não tem força. Essa turma é do monastério, é algo religioso. Não é ironia. Essas alas têm um comportamento muito similar ao do crente. Temos certas convicções, e abrir mão delas é um crime de lesa-consciência, um pecado. As falas da Heloísa Helena passam por aí, de moral profunda, de quem está fugindo do pecado. Nesses casos de fé não há argumentação.

DINHEIRO ? Então qual a diferença do governo Erundina?
COUTO ? As críticas partem de uma periferia do PT, ao contrário do governo da Erundina, quando essas alas é que estavam no poder. Além disso, não havia questões econômicas tão prementes como as atuais, pois era um governo municipal. Hoje a situação econômica não deixa muito espaço para discussão doutrinária.

DINHEIRO ? Como conciliar essas duas visões dentro do partido?
COUTO ? Eu acho difícil conciliar. O que deve acontecer é que a linha do governo deve prevalecer, pelo simples fato de ele ser o governo e ele manda. Eles estão convictos de que essa é a linha e vão seguir nela. Uma parte do partido deve seguir uma linha semelhante daquela vista no governo Fernando Henrique. Havia gente como o Luiz Carlos Mendonça de Barros e o próprio José Serra que davam suas estocadas públicas na política econômica do governo. Alguns petistas vão continuar criticando mas por disciplina partidária continuarão no partido. Agora, outra parcela, que é muito pequena, vai partir para o confronto e é provável que deixe o partido.

DINHEIRO ? O PT pode perder parte da bancada?
COUTO ? A possível perda não vai além de 10 parlamentares. Um levantamento recente mostra que são 26 deputados das alas mais radicais, além da Heloísa Helena, no Senado. Menos da metade é capaz de comprar uma briga a ponto sair do partido.

DINHEIRO ? O que seguraria esses parlamentares descontentes
no partido?
COUTO ? A história recente tem mostrado o peso de sair do PT. Há pouquíssimos casos em que parlamentares identificados com o partido deixaram suas fileiras e conseguiram manter suas carreiras políticas com sucesso. O PT é uma marca política tão significativa que vale a pena para esse pessoal baixar a bola, fazer a crítica mais moderada (nos moldes, por exemplo, do Mendonça de Barros) do que sair para o racha pura e simplesmente. O que deve ocorrer, em resumo, é o governo manter sua linha de atuação econômica e haver uma moderação nas críticas e haver algumas defecções localizadas.

DINHEIRO ? Por quê?
COUTO ? Porque isso envolve diretamente os interesses dos governadores e dos prefeitos e muitos deles têm ascendência
sobre parlamentares.

DINHEIRO ? E o ataque à nomeação do Henrique Meirelles
ao Banco Central?
COUTO ? A Heloísa Helena tem sido uma criadora de caso há muito tempo. Eu vejo isso como uma reprodução localizada desse problema de incapacidade do partido de negociar, de abrir mão de suas convicções mais arraigadas em nome do realismo de governar. Mas há outros conflitos mais delicados.

DINHEIRO ? Quais?
COUTO ? Estou muito pessimista em relação à gestão do Carlos Lessa no BNDES. Primeiro pelo desmonte administrativo promovido por ele no banco em uma velocidade acelerada. Há também um enfrentamento entre ele e o Furlan. Esse conflito pode ser
prejudicial às políticas que o banco pode formular. É complicado porque o presidente do BNDES desmonta a estrutura do banco
de uma hora para outra, é desautorizado pelo ministro da Fazenda sobre o papel de hospital de empresas do BNDES, briga com o ministro do Desenvolvimento, etc. A política nacional desenvolvimentista proposta por ele soa meio antiquada. Não precisamos comprar o discurso globalizante vendido pelos países desenvolvidos, que eles próprios não seguem, mas esse discurso do Lessa me parece fora de época.

DINHEIRO ? Há uma dissonância em relação ao resto do governo?
COUTO ? O resto do governo está em um ritmo de mudança mais lento, pois como disse o ministro Antônio Pallocci, quando você vai reformar uma casa começa pelo alicerce e não pelo telhado. A imagem é boa porque não se pode mudar de uma hora para outra. Então os membros do PT que falavam que tudo o que o governo Fernando Henrique fazia de mal era resultado da empedernida política neoliberal, estão se perguntando: ?Então, nós somos neoliberais ou eles não eram tão neoliberais assim??

DINHEIRO ? Houve uma evolução no que se refere às outras administrações do PT no relacionamento com o partido?
COUTO ? Houve clara evolução. O núcleo dirigente do partido aprendeu com as experiências e está absolutamente consciente do que é ser governo e assimilou pragmatismo, negociação, etc. Eles deixaram a utopia como referência e não tentaram transformá-la em políticas públicas. Isso está claríssimo na questão monetária, na qual o PT está adotando uma postura conservadora.

DINHEIRO ? Por que não houve tantas queixas em relação à presença de um empresário no governo como no caso do Luiz Fernando Furlan?
COUTO ? Porque ali o governo mostrou claramente uma mudança do chamado modelo. Se há uma guinada forte e visível no governo é a política externa e, dentro dela, uma ofensiva para tentar aumentar as exportações e procurando colocar na pauta de discussão a questão dos subsídios agrícolas. Os ministérios, como o Itamaraty e o do Desenvolvimento, serão mais operadores do que formuladores dessa política, e isso é inédito. O governo FHC foi considerado agressivo em sua política externa, mas pela primeira vez um presidente chama para si a formulação da política externa.
Talvez só Jânio Quadros em seus oito meses de Planalto tenha
feito algo parecido. Nem mesmo Ernesto Geisel com a política externa independente. O decisivo será a questão da Alca, um assunto que os Estados Unidos tratam com muito cuidado e no
qual têm muito interesse.