28/11/2014 - 20:00
O antropólogo brasileiro Anthony Knopp define-se como um gringo carioca. Ele está nos Estados Unidos desde 1965. Nos últimos 17 anos, atua como diretor de cooperação de programas industriais do Massachusetts Institute of Technology, o renomado MIT, de Cambridge, nos Estados Unidos, tempo suficiente para expressar-se num português carregado de sotaque e de expressões em inglês. Cabe a Knopp fazer a ponte entre a universidade, considerada uma das mais inovadoras do mundo, e a iniciativa privada. Seu objetivo é buscar recursos que ajudem a patrocinar pesquisas de ponta, que são fundamentais na formação dos alunos e professores, e que, principalmente, ajudarão a gerar patentes que vão ser usadas para fundar startups e gerar emprego e renda. Não por acaso, o MIT pode ser considerado uma nação empreendedora. Os alunos da universidade já criaram mais de 25 mil companhias, que geraram 3,3 milhões de empregos e atingiram vendas anuais de US$ 2 trilhões. Se fosse um país, seria a décima economia do mundo. Nesta entrevista, Knopp fala sobre o ecossistema que permite formar tantos homens de negócios e avalia que as empresas brasileiras estão viciadas em copiar. Ele critica também as universidades brasileiras e a indústria. “No Brasil, os comunistas moram na academia e os capitalistas na indústria”, afirma Knopp. “E os dois lados não se falam. É uma loucura.”
DINHEIRO – Os alunos do MIT já criaram mais de 25 mil companhias, que geraram 3,3 milhões de empregos e receitas anuais de US$ 2 trilhões. Se fosse uma economia, o MIT seria a décima do mundo. Como a instituição consegue formar tantos empreendedores?
ANTHONY KNOPP – Acredito que três coisas são fundamentais. A primeira é que nossa universidade está aqui há mais de 150 anos. Em segundo lugar, há muito dinheiro e, com dinheiro, você consegue fazer melhor. Terceiro e mais importante: o MIT tem tido uma liderança de farol alto, nesse século e meio. Para ser professor aqui, precisa ser o melhor dos melhores. Não existe universidade melhor do que o MIT. Existem outras tão boas quanto, mas não melhores. Além disso, a região de Boston conta com seis universidades e, por ser um porto bastante antigo, está cheia de imigrantes. Você coloca todos esses ingredientes dentro desse molho e estão criadas as condições de um ecossistema de inovação, no qual o MIT é uma parte muito importante.
DINHEIRO – Mas como forjar a cultura de empreendedorismo nos estudantes?
KNOPP – É fácil: dando grandes desafios aos alunos. Sou brasileiro e não gosto de contar essa história. Um grande físico chamado Richard Feynman (vencedor do Prêmio Nobel de Física em 1965) passou um semestre dando aula no Brasil, na década de 1950. Ele, na ocasião, disse que, quando entrou em uma sala de aula no País, os alunos não demonstravam nenhum interesse, nenhuma originalidade, nenhum estímulo. Pouca coisa mudou desde então. No MIT, espera-se que o aluno faça pesquisa. Desde o começo, ele faz parte de uma equipe de pesquisa. Ele também é estimulado a trabalhar em conjunto para resolver problemas e voltar à sala com a solução. E tem todo o ecossistema em volta do MIT, que dá suporte, ajuda, facilita e incentiva os estudantes.
DINHEIRO – É possível replicar esse modelo no Brasil?
KNOPP – Você sabe o que são “bumper stickers”? São adesivos que você coloca no para-choque de seu carro ou caminhão. Existe um bumper sticker americano que diz: pense global, mas aja localmente. Acredito que os brasileiros devem ir para fora e começar a entender as atividades que funcionam em Mumbai, Londres, Boston e em diversos lugares. Mas, quando voltarem ao Brasil, não devem tirar uma fotocópia e imitar. Precisam saber o que funciona no País e adaptar localmente.
DINHEIRO – Mas por que isso não é feito no Brasil?
KNOPP – O problema no Brasil é que existem os falsos capitalistas. Boa parte deles está a fim de pegar dinheiro em Brasília. Uma coisa que é um grande sucesso no Brasil é a Embrapa e o governo teve o mínimo de envolvimento político. Há outras indústrias que querem ajuda de Brasília. Trabalho com muitas empresas brasileiras, que são enormes, mas quase nenhuma delas tem um departamento de pesquisa e desenvolvimento nos moldes de uma Ford, de uma Toyota ou de uma Nestlé. A ideia é de que a inovação e a pesquisa sempre serão feitas em outro lugar. Acho isso um problema.
DINHEIRO – O sr. está dizendo, então, que as empresas brasileiras são viciadas em copiar, em vez de inovar?
KNOPP – Exatamente. O Brasil tem uma grande indústria automobilística, o quinto maior mercado do mundo, mas não há nenhum carro brasileiro. Não há incentivos no Brasil para inovar. No MIT, um professor recebe salário nove meses por ano. Nos outros três, ele precisa se virar. Então, ele cria uma companhia, dá consultoria ou faz mais pesquisas para ganhar mais dinheiro. Há incentivos dentro da universidade para que o professor saia dela e traga conhecimento de fora, como o inverso também é verdade. No Brasil, vou exagerar para fazer o meu ponto: os comunistas moram na academia e os capitalistas na indústria. E os dois lados não se falam. É uma loucura.
DINHEIRO – O que as empresas brasileiras precisam fazer para inovar?
KNOPP – Vou te dar um bom exemplo. A Embraer é a terceira maior fabricante de aviões do mundo. Ela faz um produto supertecnológico e supercompetitivo. É um produto de primeira e o Brasil deve ter orgulho de ter a Embraer como companhia. Trata-se de uma meritocracia – obviamente teve toda uma ajuda do governo no começo e eu não tenho problema nenhum com isso. A empresa hoje é privada e está competindo no mercado global. Não vejo muitas companhias fazendo isso.
DINHEIRO – Além da Embraer, o sr. citaria outras empresas brasileiras que podem ser consideradas inovadoras?
KNOPP – Vejo a Natura e a B2W com interesse de fazer algo diferente. A B2W é o perfeito exemplo do “pense global, mas aja localmente”. Eles são claramente a Amazon do Brasil, mas estão fazendo do jeito brasileiro. Não quero falar mal de companhias, mas você não observa a Vale, que é do tamanho de um bonde, preocupada com inovação. Vejo-a copiando. A BHP, a concorrente australiana, por exemplo, já trabalha com ferrovias robóticas.
DINHEIRO – O MIT ganha muito dinheiro com as patentes desenvolvidas por professores e alunos?
KNOPP – Essa é uma das grandes mentiras do mundo. O orçamento anual do MIT é de US$ 2,3 bilhões. A média da receita com royalties em patentes, nos últimos 15 anos, foi de menos de US$ 70 milhões. É muito, muito pouco. E a grande parcela desse dinheiro volta à universidade para dar incentivos para que as boas ideias saiam daqui, criando produtos e companhias que vendam para milhões de pessoas e deem emprego para milhares.
DINHEIRO – O MIT é uma universidade privada. De onde vêm os seus recursos?
KNOPP – A maior parte dos recursos é pública. Mas a grande diferença do dinheiro público do MIT e do da USP ou das universidades federais é que ele é competitivo. Ele chega até nós de diversas formas. Vários órgãos, como o departamento de defesa ou de energia, têm orçamento para pesquisas em algumas áreas. Eles lançam uma espécie de edital e os professores de diversas universidades apresentam seus projetos. Os melhores ganham os recursos. Na graduação, o governo conta com fundos que bancam as mensalidades dos estudantes. E ainda há os recursos das indústrias, que representam aproximadamente 20% do orçamento.
DINHEIRO – Como é o relacionamento do MIT com as empresas?
KNOPP – Há três formas. Se a Vale tem interesse em um trabalho de um determinado professor, ela investe recursos no projeto e tem um relacionamento próximo ao acadêmico. A segunda forma de interação é o que chamamos de consórcio. Os professores têm interesse em uma determinada área e buscamos as empresas interessadas nela. A última maneira é criar um centro de pesquisa. As empresas interessadas pagam para fazer parte do centro. Nosso interesse é construir uma relação entre empresas, professores e alunos.
DINHEIRO – As empresas investem muito dinheiro no MIT, mas como é a divisão de receitas provenientes de patentes?
KNOPP – Nos Estados Unidos, isso é bem simples. A universidade é dona de qualquer coisa que é inventada e criada nela. Se a Vale colocou dinheiro em um determinado laboratório e eles criaram uma nova tecnologia, a patente é do MIT. Mas como a Vale fez o investimento, ela tem os direitos exclusivos para essa patente. Se ela não quiser, não há problema. Procuramos outra empresa interessada. Queremos que as boas ideias saiam da universidade. Uma coisa importante é que só cobramos royalties de uma patente depois que a empresa estiver gerando lucro. Nossas estimativas indicam que isso demora, em média, cerca de dez anos. Nosso interesse é sempre que as empresas possam dar certo, para que possam criar empregos, produtos e ter impacto no mundo.