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“O secretário Adacir Reis tem feito um excelente trabalho de fiscalização”

 

 

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“Assim como nós, o Magliano, da Bovespa, briga pelos recursos do FGTS”

 

 

DINHEIRO ? A previdência privada passou por um período conturbado em 2005. Como ficam as contas das empresas?
EDUARDO BOM ANGELO ?
Eu aposto que a taxa de crescimento será zero. No ano passado, tivemos uma tempestade que tirou o setor da rota de crescimento. Primeiro vieram as mudanças regulatórias, que tiveram como principal eixo estimular a poupança de longo prazo. Ou seja, quem aplica por mais tempo paga menos impostos e vice-versa. Com isso, o investidor precisou planejar melhor sua carteira de investimentos para não ser penalizado com o imposto. Houve uma onda terrível de saques no começo de 2005. No final das contas, perdemos o dinheiro de curto prazo, que disparava a captação dos planos VGBL.

DINHEIRO ? O que mudou no dia-a-dia dos planos?
BOM ANGELO ?
Acabou aquela situação de o gerente indicar, sem nenhuma avaliação, um plano de previdência para o cliente. Essa enrolação tem que acabar, senão o cliente perde dinheiro.

DINHEIRO ? As seguradoras perderam os recursos de curto prazo para os fundos?
BOM ANGELO ?
Num primeiro momento sim, mas a mudança tributária favorece a previdência no longo prazo. É a única aplicação que oferece alíquota de 10% na saída depois de dez anos de investimento. A perda de recursos para os fundos ocorreu também em função de dois fatores: a taxa de juros e o incentivo ao crédito consignado. Com juros altos, o consumidor prefere a liquidez. Nos fundos, ele vê rapidamente os rendimentos e pode sacar quando quiser. Na previdência, não. De outro lado, os bancos precisavam captar recursos para fazer empréstimos consignados e incentivaram seus clientes a comprar CDBs, deixando a previdência de lado. Os planos de aposentadoria perderam R$ 500 milhões por mês.

DINHEIRO ? Como foi a reação dos americanos do Principal Group?
BOM ANGELO ?
Eles chamaram a situação de tempestade perfeita. Tudo jogava contra, mas não morremos no final. O mercado se recuperou, mas não vai mais registrar altas taxas de crescimento. A tempestade mesmo durou de janeiro a abril. Depois, o mercado reagiu.

DINHEIRO ? Como foi essa recuperação do mercado?
BOM ANGELO ?
A recuperação se dá por meio de uma demanda natural pelos produtos de investimento de longo prazo. Nos últimos meses, o consumidor conseguiu compreender melhor as mudanças tributárias e os outros fatores perderam força. O governo começou a descer a taxa de juros, e o crédito consignado se estabilizou.

DINHEIRO ? Depois de anos crescendo 40% ao ano, as empresas de previdência saberão lidar com taxa zero?
BOM ANGELO ?
Sem querer dar uma de Mãe Dinah, mas eu fui o primeiro a anunciar que a previdência privada iria parar de crescer. É inviável imaginar um setor que cresça indefinidamente a 30%, 40% ao ano. Um dia isso teria que acabar. Em 2003, a Brasilprev traçou um cenário mostrando que essas taxas iriam desaparecer a partir de 2007. Em 2005, tivemos uma aterrissagem forçada. Se não acontecesse por força da legislação, aconteceria porque este mercado tem o limite da desigualdade de renda. Não há mais para quem vender previdência.

DINHEIRO ? Sem crescimento, como ficam as empresas?
BOM ANGELO ?
Agora, os executivos vão ficar de olho na taxa de retenção de cliente. Este índice é o que mais chamará atenção das empresas. Gosto de comparar a previdência privada com a indústria de celular, que teve um comportamento muito parecido. Na época de crescimentos consecutivos de 30%, 40% ao ano, as empresas não precisavam se preocupar com a retenção. O negócio era vender. Agora, o desafio é manter os clientes. No auge da crise de 2005, quando as empresas começaram a perder dinheiro pelo ralo, o setor passou a contabilizar a retenção, coisa que nunca havia sido feita. Em função disso, deve ocorrer uma mudança de qualidade na prestação de serviços. As empresas de previdência nunca foram boas prestadoras de serviços.

DINHEIRO ? O que pode melhorar na prestação de serviços?
BOM ANGELO ?
Na previdência privada, quem vende não sabe o que vende; quem compra não sabe o que compra. Eu inventei essa frase na década de 90, mas não a apagaria do quadro negro até hoje. Se o consumidor percorrer as agências bancárias e pedir informações sobre previdência para os gerentes ainda terá problemas. Mas com as mudanças da legislação, a informação para o consumidor passou a ter vital importância. Atualmente, o gerente tem que prestar um bom serviço. Senão, o consumidor perde muito dinheiro. Se sair no momento errado, pode pagar até 35% de IR. Não é justo o cliente perder dinheiro porque o gerente prestou um péssimo serviço.

DINHEIRO ? Então, a concorrência entre as empresas do setor vai se acirrar?
BOM ANGELO ?
A cordialidade entre as empresas do setor vai acabar. Os territórios já estão ocupados. A via de crescimento será tirar cliente do vizinho. Nisso não há nenhuma falta de ética. Se você tiver um posicionamento de marca, serviços e retorno melhor do que o outro, azar dele. Comparo, novamente, a previdência com as operadoras de celular. Esse será o nosso futuro.

DINHEIRO ? Haverá guerra de taxas entre os planos?
BOM ANGELO ?
Não. Se eu cobrar taxas mais baixas, não terei nem como pagar a conta de luz. As taxas brasileiras são parecidas com as americanas, sendo que o patrimônio lá é muito maior. Um produto de previdência e um fundo têm valores similares. Quando eu montei a previdência para o Aloysio (Aloysio Faria, ex-dono do Banco Real), cobrava taxa de carregamento de 5%. Na época, me acusaram de estar fazendo dumping no mercado. Hoje, essa taxa seria considerada absurda, um atentado.

DINHEIRO ? Sem crescimento, o mercado se concentrará ainda mais nos grandes bancos?
BOM ANGELO ?
No Brasil, o negócio de previdência só funciona com grande escala e distribuição. Não adianta querer brigar com os gigantes. Passei cinco anos no comando da Cigna (seguradora americana que operou no Brasil nos anos 90), fazendo isso. Até que os acionistas desistiram do negócio. Quando analisava o Brasil, o investidor estrangeiro via boas oportunidades de negócio. Mas teve dificuldade de ficar em pé. Aqui é preciso ter um parceiro entre os grandes bancos. Muitas empresas internacionais, até entenderem esta dinâmica, perderam muito dinheiro e foram embora.

DINHEIRO ? Os planos de previdência são muito parecidos, mas têm nomes específicos para jovens ou crianças. Isso não confunde o consumidor?
BOM ANGELO ?
Na verdade, toda essa variação não existe na previdência. As carteiras são realmente iguais. Isso confunde o investidor, porque, na hora da venda, falta informação.

?Assim como nós, o Magliano, da Bovespa, briga pelos recursos do FGTS?

DINHEIRO ? Por que as empresas agem deste modo?
BOM ANGELO ?
A segmentação é importante. É uma estratégia comercial. A legislação da previdência é muito engessada. Você não tem espaço para criar. Do lado do consumidor, a única regra que existe é que você pode abater os investimentos em até 12% da sua renda bruta no Imposto de Renda. Nos Estados Unidos, há pelo menos 10 opções de produto realmente diferentes. Eles têm tratamento tributário realmente diferenciado, ao contrário do que acontece aqui. Ainda estamos na idade da pedra. O fato é que as empresas copiam os modelos dos planos internacionais, mesmo sem as diferenças tributárias. Aqui os produtos apenas ganham essa roupagem para mulher, jovem ou criança. Eles não têm nada de diferente. Nem o serviço nem a carteira nem nos impostos.

DINHEIRO ? O mercado já tentou mudar essa legislação?
BOM ANGELO ?
A questão é que o eixo de mudança passa pela Secretária da Receita Federal. Enquanto a receita não for flexível para atender a essas demandas, o mercado vai continuar assim. Isso não depende do setor.

DINHEIRO ? A Brasilprev disputa hoje com o Itaú o terceiro lugar no ranking empresarial. Qual é a estratégia de vocês para este filão?
BOM ANGELO ?
A disputa está forte. A cada mês, um ocupa o terceiro lugar. Acredito que, no curto prazo, um dos dois estará no segundo lugar, tirando o Unibanco da posição. Eu não sei o que acontece lá, mas o Unibanco está caindo pelas tabelas. Nós buscamos novas oportunidades entre as médias e pequenas empresas. Nesse nicho ainda há espaço para crescer.

DINHEIRO ? O investidor de alta renda aplica em previdência?
BOM ANGELO ?
Os clientes private não. Eles têm outras opções para constituir e preservar patrimônio. Mas com as mudanças na tributação, eu vejo uma oportunidade de crescer dentro desse segmento. O investidor que aplicar por 10 anos terá uma alíquota de apenas 10% de Imposto de Renda. Não existe nenhum produto com alíquotas de imposto tão baixas, e o investidor de alta renda pode, tranquilamente, investir no longo prazo. Mesmo quem tem R$ 2 milhões para investir paga alíquotas superiores aos 10%. Um PGBL pode ser uma alternativa para a alta renda diversificar a carteira, deixando só 5% do patrimônio na previdência.

DINHEIRO ? Usar o FGTS na previdência privada é uma boa idéia?
BOM ANGELO ?
É, sem dúvida, uma grande idéia. O Osvaldo do Nascimento (presidente da Associação Nacional de Previdência Privada) foi o porta-voz dessa estratégia, mas eu não acredito na sua viabilidade. Esse dinheiro é muito disputado. O Raymundo Magliano (presidente da Bovespa) briga há tempos por esses recursos. O setor de imóveis também quer esse dinheiro.

DINHEIRO ? A previdência é um investimento de risco?
BOM ANGELO ?
Definitivamente não há riscos na previdência. Eu vi esse negócio funcionar na época da inflação, praticamente sem fiscalização e com regulamentação fraca. Hoje, a fiscalização é forte; as multas são elevadas. Se um cliente fizer uma reclamação na Susep (Superintendência de Seguros Privados) hoje à tarde, amanhã eu já sou notificado, tenho prazo para responder e, se não cumprir, sofro penalidades severas. O secretário da Previdência Complementar, Adacir Reis, tem feito um excelente trabalho de fiscalização. Nunca se viu uma fiscalização tão presente como agora. Isso beneficia o consumidor.