12/11/2008 - 8:00
DINHEIRO – Alguns presidentes de montadoras têm afirmado que a crise não chegou ao setor. Outros reclamam que as vendas começam a ser afetadas. Quem diz a verdade?
CLEDORVINO BELINI – Não tenho visto problemas na indústria automotiva. Se as vendas estivessem em queda ou se existisse algum indício de que isso vai acontecer, os investimentos estariam suspensos e seriam necessários cortes nas linhas de produção. Não ouvi ninguém dizer isso. Na minha opinião, não há nem nunca existiu crise. Existe, no entanto, um problema conjuntural que passará logo. Muito rápido. Na Fiat, o plano está mantido: entre 2008 e 2010 vamos desembolsar cerca de R$ 5 Belini bilhões em produtos, modernização de processos industriais, tecnologias e ampliação da capacidade produtiva. Estamos cheios de surpresas para provar que não existe crise.
DINHEIRO – Se a crise internacional tem afetado o crédito, o motor do segmento automotivo, como ainda não prejudicou os negócios?
BELINI – Nesse momento de incertezas, houve um encarecimento do crédito. Isso é fato. Mas ainda não é um problema, porque a tendência é de normalização nas próximas semanas. Os bancos estão muito criteriosos na avaliação dos riscos, mas não têm deixado de emprestar dinheiro para ninguém. Se faltar, o que não acredito, aí sim haverá problema.
DINHEIRO – No passado, a indústria automotiva passou por dificuldades quando faltou crédito. E se isso acontecer de novo, com mais intensidade?
BELINI – O setor sofreu, sim, em outras épocas. Mas eram crises de verdade. Isso que muitos chamam de crise passará rápido. A fase mais dura da falta de financiamento que tivemos no passado aconteceu durante o plano Collor. Aquela política zerou a liquidez do mercado. Da noite para o dia, o dinheiro às empresas e aos consumidores secou. Depois se recuperou naturalmente. Durou só quatro meses. Essa daqui vai durar muito menos do que isso. Não me recordo como a Fiat superou aquela fase, mas me lembro que passamos bem por ela.
DINHEIRO – Mas desta vez o próprio governo está atento à falta de crédito.
BELINI – Acho essa postura pró-ativa do governo muito importante. Fundamental, agora, é o Banco Central definir como será a operacionalização dos mecanismos de ativação da economia. O timing entre a decisão e a operacionalização deve ser encurtado. Falta agilidade para o crédito chegar às mãos de quem compra. Na prática, isso tem acontecido aos poucos. O governo colocou US$ 50 bilhões no mercado e cortou o compulsório dos bancos. Além disso, a decisão do Copom, de manter a taxa Selic, foi também extremamente positiva. A economia vai se irrigar naturalmente.
DINHEIRO – As montadoras podem ser, por tabela, afetadas pelas dificuldades de outros setores da economia?
BELINI – Durante a pior fase da turbulência, eu pude ver vários “Brasis” dentro de um mesmo Brasil. Há locais com atividades muito ativas. Regiões que dependem da mineração estão a todo vapor, assim como acontece com a atividade agrícola, que está extremamente ativa. Há também, como sempre houve, outras regiões menos ativas. Ou seja, situações distintas. Um país que neste ano vai crescer acima de 5,2% e vem de um vigor econômico incontestável, demanda naturalmente maior oferta de crédito. E num momento como este, de incertezas, é normal que exista uma apreensão. Acredito que isso aqui vai ser passageiro, muito rápido.
DINHEIRO – A crise externa não afetou a disposição de compra do consumidor?
BELINI – Pelos números que tenho, não. Estava observando hoje mesmo (sexta-feira 31) a média diária de vendas da Fiat, que já começa a crescer com a aproximação do fim do ano. A média de hoje está melhor do que a de ontem, que esteve melhor que a de anteontem, que esteve melhor do que a do dia anterior. Nós fazemos um acompanhamento em tempo real. A volatilidade dos mercados está muito grande, é verdade, mas os números comprovam que não houve nenhum impacto ainda.
DINHEIRO – Não houve ainda, mas pode haver?
BELINI – Com a injeção do 13º salário na economia neste mês e em dezembro, acredito que a situação vai ficar melhor, e a percepção do consumidor voltará à normalidade. Vejo também um esforço muito grande do governo de irrigar o crédito, fator determinante para garantir o bom funcionamento da economia. Então, estou muito otimista. A questão conjuntural será resolvida de forma muito rápida e acho que não vai nos afetar.
DINHEIRO – Até quando esse otimismo vai durar?
BELINI – Até o dia em que os fundamentos da economia se mantiverem sólidos. O IBGE mostrou dias atrás que o índice de desemprego em setembro estava em 7,6%, o mais baixo da história recente. A massa salarial havia crescido 6,5%. Isso mostra uma oportunidade muito grande para aumento ou manutenção das vendas. Existe uma massa salarial em crescimento que sustentará o consumo.
DINHEIRO – Por que, então, a Fiat antecipou as férias coletivas na fábrica em Minas Gerais, assim como fizeram outras montadoras?
BELINI – Não sei das outras. Na Fiat, são três coisas. Primeiro, havia a necessidade de manutenção da linha de montagem. Estávamos trabalhando 24 horas por dia e um ajuste seria bem-vindo. Segundo, era hora de reorganizar os estoques, que estavam altos. Um complemento: nós não concedemos férias no meio do ano. Sempre damos férias em julho e em dezembro. Então, estamos carregando uma massa de atraso de férias e forçosamente, em algum momento, vamos precisar dar férias coletivas para não deixar vencer a segunda. Além disso, foram apenas três dias de parada técnica. Não existe correlação com a crise externa e não foi uma decisão baseada em queda de vendas.
DINHEIRO – Se não dá para prever queda nas vendas, é razoável acreditar em crescimento?
BELINI – É cedo para fazer qualquer projeção. Não vamos nos arriscar em números. O nosso setor, sem dúvida nenhuma, vinha numa velocidade muito grande. Cresceu 27% em 2007 em relação a 2006 e, até julho deste ano, estava em alta de 30% sobre o ano anterior. Então, sob essa ótica, uma desaceleração é até adequada para organizarmos as linhas de produção, realizar manutenção e organizar fluxos logísticos. No início do ano, nós acreditávamos num crescimento de 15%. Mesmo nessa turbulência, estamos crescendo 20%. Passamos do 12º mercado mundial à 6ª posição. Temos um mercado vigoroso para automóveis e comerciais leves. Ou seja, o País cresceu muito acima das expectativas. Esperamos que 2009 comece com o mesmo vigor.
DINHEIRO – O sr. afirma que a crise de crédito não chegou ao setor. O que dizer do câmbio?
BELINI – Para combater a volatilidade de câmbio, que sabemos que é passageira, o setor automotivo tem aumentado o índice de nacionalização dos veículos. Acreditamos que o câmbio já está se normalizando. Logo a cotação ficará na casa de R$ 2. O real muito apreciado inibe as exportações. O real muito depreciado pode causar outros problemas. Acredito que o dólar num valor de R$ 2 é o ponto de equilíbrio. Acima preocupa, abaixo também.
DINHEIRO – Como as montadoras têm se comportado diante da volatilidade?
BELINI – Não conheço a estratégia de todas. No caso da Fiat, estamos preparados para o sobe-e-desce. Temos um índice de nacionalização muito grande. É a nossa arma contra a instabilidade. O modelo Linea, inicialmente importado, já é produzido na fábrica de Betim. Entre os modelos da Fiat, o índice médio de nacionalização é próximo a 95%. Tem carro de 99%, como o Mille, e de 75%, caso do Linea.
DINHEIRO – E as exportações?
BELINI – Nesse quesito, ficamos bem neste ano, embora em menor volume, em razão do dólar barato. O total exportado caiu de 105 mil, em 2007, para cerca de 85 mil, até o final deste ano. É possível que agora, numa cotação mais interessante, tenhamos novas oportunidades no comércio exterior. Vai depender também do que vai acontecer nos outros mercados. Não sei se haverá gente disposta a comprar lá fora. Passamos, no entanto, a ser mais competitivos. Em tese, teremos mais oportunidades.
DINHEIRO – A Fiat se destacou entre as montadoras que mais contrataram nos últimos anos. Como fica agora?
BELINI – Neste momento, não pensamos em contratar ou demitir. O quadro de funcionários está equilibrado, digamos assim. É natural que se o mercado subir, pode ser que façamos contratações. Mas, por enquanto, temos espaços, intervalos e uma série de ajustes internos que podem ser colocados em prática para adequar uma alta ou uma baixa.
DINHEIRO – Mas a produção está no limite, não?
BELINI – Todo o setor foi surpreendido pelo aumento das vendas internas e nós chegamos perto do limite da capacidade. De olho nisso, estávamos ampliando a fábrica de Córdoba (Argentina) porque a unidade de Betim chegou realmente ao limite da produção. A ampliação da fábrica na Argentina era necessária. Agora vamos manter o que temos. Estamos bem preparados.
DINHEIRO – Ao mesmo tempo que surgem incertezas, cresce a concorrência no País com a chegada de montadoras chinesas e indianas. Como o setor vai lidar com essa disputa?
BELINI – Me fizeram a mesma pergunta há cinco anos, época em que montadoras estrangeiras chegavam forte. Digo sempre que toda concorrência traz o progresso. Desde então, a Fiat continua na liderança em participação do mercado, com 25%. Estamos bem posicionados, assim como as montadoras que já estão há muito tempo no Brasil. A Fiat está há 32 anos no mercado e tem mais de 500 pontos-de-venda. Quem chegar agora terá seu espaço, mas não será uma ameaça.