04/02/2009 - 8:00
DINHEIRO – Existe um cálculo, consenso entre especialistas em emprego, de que para cada vaga fechada na indústria outras sete são extintas na economia, por consequência. Essa proporção é real?
ABRAM SZAJMAN – Não acredito. Se essa fórmula tivesse fundamento, nós já teríamos percebido uma contaminação generalizada na economia. Isso não aconteceu ainda. Tenho visto que as demissões estão muito concentradas. São números pequenos dentro de um universo muito mais amplo. Se tomarmos como base a indústria automotiva, uma das mais afetadas pela conjuntura internacional adversa, os cortes significam uma parcela minúscula do total de trabalhadores. Se uma montadora com 10 mil funcionários dispensa 300 pessoas, não é motivo de pânico.
DINHEIRO – No comércio ou nas micro e pequenas empresas, setores que o sr. representa, as demissões não começaram?
SZAJMAN – No comércio, não. Nem nas micro, nem nas pequenas, nem nas médias empresas de varejo. Nos serviços, também não tenho notícias, não tenho informações de desemprego. Acontece que as pessoas continuam indo ao supermercado, comprando alimentos, produtos para casa, material de construção… Enfim, ninguém deixou de comprar.
DINHEIRO – Mas as vendas do comércio não estão bem.
SZAJMAN – Não estão bem nem mal. Estão como no ano passado. Não podemos imaginar que as vendas continuariam crescendo como estavam antes da crise. Seria ilusão. Apenas alguns segmentos de bens duráveis, como veículos, eletrônicos de alto valor e linha branca (geladeira, fogão), sentiram os efeitos da falta de crédito e do receio dos consumidores quanto ao emprego. Mesmo assim, sentiram muito pouco. Foi de leve.
Henrique Meirelles, presidente do Banco Central
“O governo ainda deve pressionar mais o Banco Central a reduzir os juros”
DINHEIRO – E nas micro e pequenas empresas?
SZAJMAN – Não dá para você falar em desemprego em microempresa. Elas têm dois ou três funcionários, geralmente um negócio familiar. A crise tem menos influência. Esse tipo de negócio comercializa produtos de baixo valor unitário, que não dependem de linhas de financiamento. As pequenas empresas seguem a mesma lógica.
DINHEIRO – Sem crédito e diante de um cenário econômico mais complicado, existe o risco de aumento da mortalidade das micro e pequenas, que já é alto?
SZAJMAN – A mortalidade é realmente elevada, mas não tem nada a ver com crise internacional. Há muita falta de planejamento. Hoje, 23% das novas empresas fecham as portas no primeiro ano de vida. Outros 65% morrem com até cinco anos. A partir de agora, para evitar que a conjuntura piore essa estatística, será fundamental que os novos empreendedores definam melhor o que vão fazer. É necessário escolher com clareza para não errar. Nesse contexto, à frente do Sebrae-SP, tenho a obrigação de assessorar quem está disposto a abrir uma pequena empresa.
DINHEIRO – Não há nada que seja uma ameaça às micro e pequenas?
SZAJMAN – Existem várias ameaças. O desemprego na indústria, se persistir, preocupa. Trabalhador sem emprego não compra. O governo não pode deixar alastrar esse problema. O importante é procurar uma forma de atender aos segmentos mais afetados, a qualquer custo. Procurar manter a empregabilidade, mesmo que isso seja negociado entre as partes, com a flexibilização de direitos. Não pode deixar haver uma contaminação psicológica. Isso é muito fácil de acontecer. Não se pode deixar o desemprego atingir níveis desproporcionais. Daí, complica.
DINHEIRO – O sr. é favorável a mudanças nas leis trabalhistas?
SZAJMAN – Sim. As leis trabalhistas no Brasil estão antiquadas. Ninguém quer tirar o direito do trabalhador, mas tem que ter mais flexibilidade. A própria Constituição de 1988 permite uma flexibilização de carga horária, banco de horas, salários, antecipação de férias, entre outros. Nesse contexto, as centrais sindicais estão mais realistas que os sindicados em relação à manutenção dos empregos. É preciso ficar claro que para preservar o emprego tem que preservar a empresa.
DINHEIRO – As micro e pequenas empresas ou o comércio podem eventualmente absorver as vagas que serão eliminadas na indústria?
SZAJMAN – Sem dúvida. O enfrentamento da crise passa pela micro e pequena empresa, que detêm 65% dos empregos do País, mais de 50 milhões de trabalhadores. Aí também entra o comércio. Elas não vão sofrer tanto. Por isso, serão uma alternativa para manter o ritmo da atividade econômica. As micro e pequenas empresas estão prontas para enfrentar a crise.
DINHEIRO – Mas a informalidade ainda predomina.
SZAJMAN – Sim. Apenas 30% das empresas em atividade no País estão em situação regular, na formalidade. Cerca de 70% vivem às margens da lei. Por um lado, isso é ruim porque não gera impostos nem dá segurança aos trabalhadores. Por outro, cria uma gigantesca oportunidade de geração de renda e emprego, se o governo estimular a regularização dessas empresas.
DINHEIRO – E se a crise afetar o setor, qual o plano?
SZAJMAN – Existem muitos instrumentos para amortecer o impacto da crise na economia real. Ficaríamos o dia todo discutindo alternativas.
José Serra, governador de São Paulo
“São Paulo está arrecadando mais em meio à crise porque apertou os prazos”
DINHEIRO – Dê exemplos.
SZAJMAN – Vou citar alguns. Além de negociar bem a flexibilização das leis trabalhistas, como já falamos, o governo precisa estender o prazo de recolhimento de impostos, aumentar as linhas de crédito para os pequenos, rever a carga tributária sobre setores essenciais, pressionar o Banco Central para reduzir a taxa de juros… E por aí vai.
DINHEIRO – Isso tem sido feito.
SZAJMAN – Tem, mas de forma muito tímida. O governo federal estendeu em até sete dias o prazo para recolhimento dos impostos federais. É muito pouco, quase ridículo. Antigamente, a gente pagava imposto a 100 dias, 120 dias. Hoje, você vende um produto a prazo, mas tem que recolher os tributos no próprio mês. No caso do INSS, são apenas cinco dias após a folha de pagamento. Incoerência semelhante acontece no governo estadual, que não deu nada de prazo. Parece que não enxergaram a gravidade do problema.
DINHEIRO – Sua crítica se baseia no recente aumento da arrecadação?
SZAJMAN – Também. Parece que o Estado está soberbo, faturando mais. A arrecadação do Estado de São Paulo cresceu 20% em meio à crise. Disseram que foi graças ao programa da Nota Fiscal Paulista. Isso é conversa. Na verdade, o governo exagerou, inflacionou os preços na ponta, está recolhendo tudo antes com um número inflado. O comerciante vende com promoção e paga imposto sobre o valor cheio. Enfim, respondendo ainda a uma pergunta anterior, são alternativas que não foram nem tocadas. Seria importante dar uns 150 dias de prazo para pagar imposto, lançar um pacote de medidas em caso de agravamento da crise. Não ficar apenas correndo atrás das coisas depois que elas acontecem. Criar uma linha de crédito para micro e pequena empresa. Ou seja, tem muita coisa que pode ser feita. Há muitos instrumentos anticrise.
DINHEIRO – O sr. falou nos juros. Qual foi sua reação à notícia de corte de um ponto percentual da Selic, na última reunião do Copom?
SZAJMAN – Eu achei que foi bastante importante porque mostra que o Banco Central está consciente de que a crise não é mole, não é brincadeirinha. De qualquer forma, a decisão do Copom de baixar os juros mostra que a equipe está atenta às necessidades da economia. Está muito além do ideal. Poderia ser abaixo de um dígito, mas, psicologicamente, é muito importante. Para o investidor, abre uma estrada nova de que o juro vai cair mesmo. Agora, no consumidor tem pouca influência. O juro básico está na casa dos 12%, mas na ponta chega acima de 50%. Um absurdo! É mais um efeito psicológico, num ambiente em que se fala tanto em crise. Talvez isso desafogue um pouco a cabeça de quem está preocupado com o desemprego, estimula o consumo.
DINHEIRO – Qual a taxa de juros ideal?
SZAJMAN – Como estão em processo de deflação, o Banco Central podia reduzir, numa só canetada, a Selic para 8%. Não afetaria a inflação nem prejudicaria o equilíbrio da economia. Pelo contrário. Cada ponto percentual a menos na taxa básica representa uns R$ 12 bilhões de economia para o governo com o pagamento da dívida. Qualquer 3% dá para construir escolas, hospitais, rodovias, ferrovias, aeroportos. A sociedade é penalizada, mas o governo é o maior pagador individual dos juros.
DINHEIRO – O sr. já levou uma proposta anticrise ao governo?
SZAJMAN – Eles sabem o que deve ser feito, mas tenho várias propostas e vou apresentar em breve. Uma delas, que discutirei com o governo do Estado nas próximas semanas, é a criação de uma instituição estadual de crédito às micro e pequenas empresas, nos moldes do Banco do Povo. Com o governo federal, pretendo propor o repasse de parte do compulsório retido pelo Banco Central a um fundo exclusivo para linhas de crédito a pequenos empreendedores. Se isso der certo, está afastada qualquer chance de crise nesse setor.
DINHEIRO – Dá para imaginar quando a turbulência vai passar?
SZAJMAN – Respondo daqui a mais ou menos quatro meses. Vai depender do andamento da crise lá fora, principalmente dos planos do presidente americano Barack Obama, e da reação do governo brasileiro aqui dentro. Temos que esperar um pouco para enxergar o impacto da crise sobre as exportações e o crédito. Mas uma coisa posso afirmar: o mundo não vai ser como era, dinheiro vai ser um produto mais difícil, mais escasso. Apesar de tudo isso, não há motivo para ter medo. Ao olhar para as grandes economias, posso concluir que estamos numa situação confortável.